Autor: Ana Carvalho Melo
A crise provocada pela guerra na Ucrânia levou a uma
inflação recorde na Europa, situação que soma o aumento das taxas de
juros pelo Banco Central Europeu.
Em termos globais, que consequências poderão resultar desta conjuntura?
Estamos a assistir a uma revisão em baixa das previsões do crescimento económico mundial e da Europa. Esta quinta-feira o Banco Central Europeu (BCE) anunciou que o crescimento real do PIB da zona euro deverá cifrar-se nos 2,8% em 2022, quando a anterior previsão era de 3,7%. Esta revisão em baixa do crescimento é preocupante, especialmente porque o seu anúncio foi acompanhado de uma revisão em alta da taxa de inflação, que deverá ascender a 6,8% em 2022. O BCE reconheceu que a inflação se prolonga indesejavelmente por mais tempo. Paralelamente, foi anunciado um aumento da taxa de juro diretora para os próximos meses, sendo que em julho termina o seu programa de compra de ativos. Não será fácil ao Banco Central levar por diante a tarefa de conseguir travar a inflação sem comprometer o crescimento e potenciar o risco de crédito das dívidas soberanas.
Antecipa-se, portanto, no curto e médio prazo, um cenário de crescimento baixo ou moderado, forte inflação e subida consecutiva dos juros.
O anúncio de Christine Lagarde veio acentuar a subida dos juros das dívidas soberanas, em particular dos países com maiores níveis de endividamento como Portugal, Espanha, Itália ou a Grécia. Nos Açores, com a subida em 1,5 pontos percentuais da taxa de juro implícita à dívida pública, os juros anuais, que se aproximam dos 50 milhões de euros, poderão ascender a mais de 80 milhões dentro de 3 anos, por via do refinanciamento a taxas mais altas.
E para as famílias em particular?
As
famílias já estão a sentir uma perda significativa do seu poder de
compra. A curto e médio prazo o aumento da inflação tenderá a ser mais
abrangente, fazendo-se sentir de forma mais notória, por exemplo, nos
bens alimentares e nas despesas com a educação e a saúde.
O impacto da inflação faz-se sentir especialmente nos trabalhadores com rendimentos fixos e nos pensionistas. Dificilmente os trabalhadores da função pública e do setor privado terão aumentos de rendimento nos próximos anos que lhes permita compensar a inflação. A perda de poder de compra dos pensionistas é muito significativa. O aumento de 10 euros contemplado no Orçamento de Estado para as pensões mais baixas já foi totalmente absorvido pelo aumento dos preços.
Esta perda de poder de
compra será fortemente agravada pela subida dos juros, em particular nos
créditos habitação, com a subida do valor do indexante Euribor. Um
agregado que tenha contraído há um ano um empréstimo de 200 mil euros, a
30 anos, a uma taxa anual nominal de 2%, poderá ver a sua prestação
aumentar mais de 200 euros por mês se a Euribor do seu crédito atingir
os 1,5% a médio prazo, como já se antecipa em algumas previsões.
No setor empresarial, o moderado crescimento da procura pelas famílias e o agravamento dos custos operacionais e financeiros poderá contribuir para a redução da sua rentabilidade, o que potenciará alguma pressão para o aumento do desemprego, a prazo.
Em termos políticos o que deverá ser feito para minimizar o impacto desta crise económica sobre as famílias?
O grande problema é o facto do Orçamento de Estado para 2022 ter contemplado medidas de mitigação dos efeitos da inflação acima de tudo temporárias, pois entendia-se há uns meses que a inflação regressaria aos 2% a curto prazo. Agora, com uma inflação mais duradoura, com a maior subida dos juros e com o prolongamento da guerra, o Governo e a Comissão Europeia terão de rever a sua política orçamental com medidas que perdurem mais tempo.
O desafio é como conceber estas medidas, mais
onerosas para o orçamento de Estado, num país fortemente endividado que
não tem margem para endividamento adicional, pois estará outra vez sob
os holofotes das agências de rating.
Julgo que há que reforçar as negociações com a Comissão Europeia no sentido de serem revistas as metas do Plano de Recuperação e Resiliência, adaptando-as à nova realidade económica, potenciando a sua flexibilidade, por forma a que os fundos possam, de facto, ser utilizados pelos Estados Membros da União Europeia. Ao mesmo tempo, há que agilizar a vinda dos fundos europeus do plano 2021-27. A nível do orçamento do Governo da República e da Região a margem é muito reduzida para apoios diretos às empresas e às famílias.