Açoriano Oriental
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Marcelo mais vigilante com Governo de maioria absoluta

Marcelo Rebelo de Sousa, eleito Presidente da República há sete anos, convive há quase dez meses com um Governo do PS suportado por maioria absoluta no parlamento, em relação ao qual acentuou o seu papel de vigilância.

Marcelo mais vigilante com Governo de maioria absoluta

Autor: Lusa/AO Online

Quando deu posse ao XXIII Governo Constitucional, em 30 de março de 2022, o chefe de Estado prometeu ser "institucionalmente solidário e cooperante para mais estes quatro anos de aventura coletiva", mas ao mesmo tempo "vigiando distrações e adiamentos quanto ao essencial, autocontemplações, deslumbramentos".

Dirigindo-se a António Costa, único primeiro-ministro dos seus dois mandatos presidenciais até agora, avisou-o de que "não será politicamente fácil" a sua substituição na chefia do Governo a meio desta legislatura, que se estende até ao outono de 2026.

"Agora que ganhou, e ganhou por quatro anos e meio, tenho a certeza de que vossa excelência sabe que não será politicamente fácil que esse rosto, essa cara que venceu de forma incontestável e notável as eleições possa ser substituída por outra a meio do caminho", disse-lhe.

Marcelo Rebelo de Sousa tem pela frente mais de três anos até concluir o seu segundo e último mandato, em março de 2026.

O terceiro executivo chefiado por António Costa tem vivido tempos de turbulência sobretudo desde novembro passado, com sucessivos casos polémicos suscitados pela comunicação social envolvendo governantes, que provocaram demissões e remodelações.

No arranque de 2023, na sua mensagem de ano novo, o Presidente da República defendeu que o Governo de maioria absoluta tem por isso mesmo "responsabilidade absoluta" e só ele e a sua maioria "podem enfraquecer ou esvaziar" a estabilidade política, "ou por erros de orgânica, ou por descoordenação, ou por fragmentação interna, ou por inação, ou por falta de transparência, ou por descolagem da realidade".

Dias depois, em 06 de janeiro, considerou que "agora é fundamental que o Governo governe e governe bem" e adiantou que "não contem com a ideia de dissolver o parlamento" e convocar eleições.

"Não, não contem comigo com isso. Portanto, é melhor, à partida, não contarem. Contam comigo para ter o mesmo comportamento institucional que tive durante sete anos", reforçou.

Antes, entre outubro e novembro de 2022, foi o período de mais críticas ao chefe de Estado desde que iniciou funções, por declarações controversas sobre o processo de recolha de queixas de abusos sexuais contra crianças na Igreja Católica Portuguesa e sobre os direitos humanos no Qatar.

"Haver 400 casos não me parece que seja particularmente elevado, porque noutros países e com horizontes mais pequenos houve milhares de casos", afirmou, em 11 de outubro, a propósito do número de testemunhos de abusos sexuais recolhidos em Portugal.

Estas palavras foram condenadas de imediato nas redes sociais por dirigentes e deputados da esquerda à direita, mas Marcelo Rebelo de Sousa foi defendido pelo primeiro-ministro, António Costa, que lhe manifestou solidariedade e rejeitou que tivesse de pedir desculpa.

O Presidente da República acabou no entanto a desculpar-se perante as vítimas, "se porventura entenderam, uma que seja das vítimas, que está ofendida".

Em várias ocasiões, o chefe de Estado disse que a sua intenção era salientar que o número de queixas está abaixo do que estima ser a realidade de casos em Portugal.

Passado um mês, quando comentava um jogo de preparação da seleção portuguesa de futebol antes do Mundial do Qatar, Marcelo Rebelo de Sousa referiu-se à situação dos direitos humanos nesse país: "Eu acho que o Qatar não respeita os direitos humanos e, portanto, aquilo, toda a construção dos estádios e tal, enfim, é muito discutível, mas esqueçamos isso, agora concentremo-nos – nem é discutível, é criticável –, mas concentremo-nos na equipa".

Estas declarações feitas em 17 de novembro e a sua posterior ida ao Qatar para assistir à estreia da seleção portuguesa valeram-lhe mais críticas, que o chefe de Estado procurou colmatar com uma intervenção em Doha, antes do jogo, em defesa dos direitos humanos, da liberdade e da inclusão de todos.

Após dois anos de pandemia de covid-19, a conjuntura económica agravou-se com a invasão da Ucrânia pela Federação Russa, em 24 de fevereiro de 2022, e consequente guerra que se prolonga há onze meses. A inflação em Portugal chegou a atingir os 10% em outubro.

O Presidente da República intensificou a pressão sobre o Governo para não desaproveitar os fundos europeus, com destaque para os do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), e elegeu 2023 como "ano decisivo", tendo em conta o ciclo de eleições nos anos seguintes até 2026.

Nesta legislatura, resultante de legislativas antecipadas nas quais se fechou o ciclo da chamada "geringonça" do PS com os partidos à sua esquerda, Marcelo Rebelo de Sousa foi confrontado com um terceiro decreto do parlamento para despenalizar a morte medicamente assistida.

Em 04 de janeiro, mal recebeu o diploma, enviou-o para o Tribunal Constitucional para fiscalização preventiva da constitucionalidade, e aguarda a decisão dos juízes. Mesmo se nenhuma norma for declarada inconstitucional, pode ainda usar o veto político.

O Presidente da República, católico praticante, tem recusado expressar publicamente a sua posição sobre a eutanásia. Em 2021, enviou o primeiro decreto sobre esta matéria para o Tribunal Constitucional, que o declarou inconstitucional por insuficiente densidade normativa, e usou o veto político em relação à segunda versão por conter expressões contraditórias.

Em relação ao processo de revisão constitucional aberto no parlamento – por iniciativa do Chega, que nas legislativas de 30 de janeiro de 2022 elegeu a terceira maior bancada – o chefe de Estado tem sublinhado que não lhe cabe qualquer papel, nem sequer a possibilidade de veto.

Ainda assim, não deixou de apontar "dois pontos em que era importante haver uma revisão: os metadados, para não haver chumbos consecutivos do Tribunal Constitucional, e o problema da lei de emergência sanitária".

A meio de 2022, o PSD, maior partido da oposição, mudou de liderança, com Rui Rio substituído por Luís Montenegro, em quem Marcelo Rebelo de Sousa disse em julho ver uma "maior aproximação ao Presidente da República" e até uma possível "colaboração especial" e que elogiou pelo "esforço como não se via há muito tempo" para unir o partido. Parecia-lhe que o sistema político se começava "a compor".

No fim do ano, porém, quando questionado sobre a possibilidade de dissolver a Assembleia da República face aos casos no Governo, considerou que nesta altura ainda "não é claro que surgisse uma alternativa evidente e forte imediata, de um momento para o outro, àquilo que existe no Governo" e que, "portanto, experimentalismo não é a coisa melhor para a saúde das democracias".


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