Autor: Célia Machado /AO Online
A Companhia das Ilhas nasceu em 2011, em traços
gerais, como tem sido esta caminhada?
A Companhia das Ilhas nasceu
em tempos difíceis, até parecia que o mundo poderia acabar por um
desses dias. Porquê? Estávamos em 2011, em maio, e Portugal entrara
num “período negro”: crise, austeridade, troika. Digamos: não
foi um começo fácil. Diziam-nos: então, em plena crise, com
despedimentos em massa, empresas a fecharem portas, insegurança e,
até, medo, vocês, no meio do Atlântico, numa ilha de menos de 15
mil habitantes e numa vila com não mais de 300 pessoas, criam uma
editora livreira? Pois foi. E talvez, dizemos nós agora, tenha sido
essa a nossa primeira marca identitária: acreditar que era possível
“fazer coisas” em meio da descrença generalizada
À
partida já sabia que não seria fácil manter uma editora
independente, com a dimensão que tem e sediada numa ilha como o
Pico, com baixa densidade populacional, com poucas iniciativas
literárias. Se fosse possível voltar atrás, teria avançado com a
Companhia das Ilhas?
Hoje,
passados mais de 200 títulos diferentes é legítimo que se
pergunte: valeu a pena, vale a pena continuar? Genericamente, sim.
Mas é evidente que como não somos como aquele senhor que não tinha
dúvidas e raramente se enganava, digamos que não faríamos tudo do
modo como fizemos, nos mesmo ritmos, etc. E com a consciência do que
somos e do que podemos fazer no contexto açoriano e nacional,
encaramos o futuro próximo de modo diferente.
A pandemia de
Covid-19 afetou o mundo; ainda afeta... No caso particular da sua
editora, qual o impacto?
A Covid-19 e a pandemia apenas vieram
colocar a nu o estado lastimoso da Região e do País no que toca aos
investimentos nas pessoas, na cultura que tudo cimenta. “Tapam-se
buracos”, aumenta a demagogia e o populismo, os governos fingem que
gostam muito de livros e dos autores, etc. No caso particular dos
Açores, nem uma só medida de apoio aos editores. Continuamos sem
uma política cultural, ativa e participada, nos domínios do livro e
da leitura, multissetorial, que abranja a Escola, a edição, a
distribuição, a promoção, etc, etc. Este ano já publicámos 14
títulos diferentes, em junho atingimos 200 títulos, e vamos
continuar, embora a um ritmo menor (a nossa média anual tem sido de
20 livros, quase 40 em 2019): até ao fim do ano contamos publicar
mais 5 ou 6, entre eles o início da Obra Completa de Urbano
Bettencourt, a continuação da Obra Completa de Vitorino Nemésio
(que o município da terra que viu nasce o grande poeta, o da Praia
da Vitória, não quis patrocinar), e nos seguintes, a continuidade
das Obras Completas de Álamo Oliveira e de José Martins Garcia.
Por
causa da Covid-19, muitas pessoas viram-se obrigadas a permanecer em
casa. Esta teria sido a melhor altura para o livro ganhar um papel de
maior relevância mas não o conseguiu. Não há como "roubar"
algum espaço às tecnologias de informação?
Há cada vez menos
leitores, menos livrarias no país, as dívidas das livrarias têm
largos meses e vão aumentando. As pessoas ficaram em casa a ver
televisão e agarradas às “redes sociais”: mais do mesmo,
portanto. O digital e o papel não são antagónicos. Quem lê, lê.
Ponto.
A venda de livros é mais rentável, no caso da
Companhia das Ilhas, pela internet ou presencialmente, em feiras e
outros eventos de promoção das obras?
A Companhia das Ilhas
cresceu nestes nove anos pela qualidade do seu catálogo e por uma
gestão de independência face aos poderes instituídos e ao chamado
mercado livreiro, a distribuição dos seus livros é feita
diretamente para as livrarias, sem qualquer tipo de intermediários.
Hoje, está presente nos maiores grupos livreiros online e na
generalidade das livrarias independentes, em todo o território
nacional. Este é também um motivo de atração para muitos autores
que querem ver os seus livros com padrões editoriais de qualidade
acima da média, graficamente singulares e num contexto de
proximidade com o que de melhor se faz em Portugal, beneficiando
ainda de uma distribuição cuidada e criteriosa. O equilíbrio
financeiro é fundamental, pois todos sabemos que a grande maioria
dos projetos editoriais de pequena e média dimensão no país faliu
por evidentes desajustes entre a sua identidade editorial e os
anseios de (desmedida) notoriedade.
A editora tem um rol de
autores publicados bastante diversificado.
Os “cartões de
apresentação” de uma editora são sempre os seus autores: são
mais de 120, não contando com os de 7 antologias. Podemos destacar
alguns que os leitores mais facilmente reconhecerão: António
Cabrita, Carlos Alberto Machado, Leonor Sampaio da Silva, Luiz
Fagundes Duarte, Nuno Dempster, Onésimo Teotónio Almeida, Rui Pina
Coelho, Urbano Bettencourt, Maria Graciete Besse e Vitorino Nemésio.
Mas a editora também se orgulha de ter pela primeira vez publicado
alguns autores (ou ter dado continuidade às suas primeiras obras),
como Leonardo Sousa, Maria Brandão, Nuno Costa Santos ou Rosalina
Marshall.
O futuro do livro assusta-o?
Os livros e a leitura são domínios minoritários e o Estado tem de intervir para que os editores sobrevivam. Em muitos países da Europa, em especial os do norte, os governos têm políticas permanentes e sistemáticas de apoio aos editores, comprando antecipadamente centenas de livros para distribuição pela bibliotecas públicas, cumprindo assim dois objetivos: oferta maior e mais diversificada para a leitura pública, garantia da vida financeira das editoras. Por aqui, zero! Quanto ao futuro, não temos muitas esperanças nas instituições, dos governos ou outras. Acreditamos no nosso trabalho rigoroso e intelectualmente honesto, acreditamos nos leitores fiéis que compram e leem os nossos livros, por gosto e porque consideram ser um dever de solidariedade. Deixámos de concorrer a apoios estatais dominados por lógicas abstrusas e de amiguismo bacoco. Denunciaremos os abusos e as represálias do Poder, tenha a cor que tiver, por dizermos publicamente coisas incómodas. Não temos de pagar favores a ninguém. Continuamos como queremos, acabaremos quando quisermos.