Açoriano Oriental
Açores paladinos de pescarias sustentáveis
 Ricardo Serrão Santos, responsável do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade
dos Açores, defende que Bruxelas deve compensar a Região pela boa gestão dos recursos marinhos. Acrescem potencialidades em matéria de turismo-pesca e investigação, que cumpre aproveitar
Açores paladinos de pescarias sustentáveis

Autor: Pedro Nunes Lagarto
Em que medida os Açores têm salvaguardado a exploração sustentada dos recursos do mar?
Nos Açores subsistem pescarias mais tradicionais, como por exemplo a linha-de-mão, as gorazeiras, o salto-e-vara, que associadas à opção de não se utilizarem redes de cerco e redes de fundo representam de facto menos impactos nos ecossistemas. No entanto, nem todas as pescarias são sustentáveis. Basta lembrar o caso da apanha de lapas. Os últimos estudos que fizemos mostram stocks completamente esgotados. Não se pode dizer que a arte de pesca não seja ela também tradicional (se exceptuarmos a eventualidade de uma ou outra irregularidade de apanha com escafandro autónomo). Com isto quero dizer que não é suficiente para a preservação dos recursos que a pesca seja tradicional. Os ecossistemas da Região são muito especiais, assim como o são muitas das espécies que neles habitam. Numa ZEE de 1 milhão de km2, apenas cerca de 10% ficam acima da batimétrica dos 1000m. Abaixo disso não há praticamente pescarias. Muitas das espécies alvo de pesca nos Açores são mais vulneráveis. São peixes de profundidade associados a montes submarinos que em regra geral crescem de forma lenta, reproduzem tarde e vivem muitos anos. Nos Açores, ao optar-se por pescaria de anzol, pelo menos ficámos ao abrigo dos efeitos mais nefastos das pescarias de rede. Este tipo de opções está aliás a ser adoptado internacionalmente e a CE, por exemplo, adoptou-o na aplicação mais recente da Política Comum de Pescas ao criar um regulamento que protege fundos marinhos dos Açores, da Madeira e das Canárias proibindo um conjunto de artes de redes. O Governo Regional teve um papel central neste assunto. No entanto isto só por si não é suficiente.

A estratégia adoptada é de molde a justificar, por exemplo, o pedido de um regime específico em Bruxelas para a gestão dos recursos de pesca ao largo do arquipélago?

O regulamento de que falei acima só por si é demonstrativo de que é necessário um regime específico para o tipo de pescarias que existem nos Açores, nomeadamente a pesca de fundo em montes submarinos e declives de ilhas. A CE está a procurar estender o mesmo tipo de regime às embarcações da UE que praticam pesca de profundidade, mesmo que seja em alto mar, tendo publicado um regulamento nesse sentido já em 2008.

Nesse âmbito, fazem sentido a gestão por quotas para algumas espécies e a determinação de áreas biogeográficas protegidas, garantindo uma discriminação positiva para a frota local?

A história da gestão de recursos marinhos vivos, em particular as pescarias, mostra que a gestão por quotas não é suficiente. Numerosos stocks de pescado, geridos desta forma por organizações internacionais colapsaram. No entanto, na minha opinião, o estabelecimento de quotas continua a ser um elemento fundamental para a gestão pesqueira. Os Açores, com a Madeira e as Canárias localizam-se numa região biogeográfica bem identificada, a Macaronésia. Mas os Açores fazem também parte da dorsal Média-Atlântica, uma cordilheira de montanhas submarinas discretas e dispersas.
São habitats muito peculiares e que só são mantidos como sustentáveis, quer do ponto de vista biológico, quer do ponto de vista económico, com base em pescarias artesanais. No nordeste Atlântico, os Açores são os paladinos deste tipo de pescarias e a frota local activa perfaz a capacidade de carga suportada pelo ecossistema. Como tal, a actividade pesqueira deveria ser reservada à frota local e à economia local. Os estudos genéticos e a marcação de indivíduos dos principais recursos pesqueiros mostram que existe elevada residência de fracções essenciais das populações das espécies com interesse pesqueiro.

Pescadores locais e Governo Regional consideram necessário recuperar o limite das 200 milhas, dado que a solução em vigor - 100 milhas - no seu entender, não é suficiente para garantir o objectivo de uma gestão sustentável dos recursos do mar, podendo, inclusivamente, ficar comprometida a biodiversidade desta região atlântica. Concorda coma análise?

Absolutamente.

Na sua opinião, em que medida a actuação das grandes frotas de pesca fora das águas territoriais portuguesas está a afectar a actividade e os recursos nas águas sob a jurisdição nacional?

Nos mares territoriais europeus são os países que têm a competência e gestão, e fora das águas territoriais é a Comissão Europeia. Há duas excepções ao critério das 12 milhas ou o mar territorial: os Açores e a Madeira, que têm a gestão até às 100 milhas, e Malta que tem gestão até às 25 milhas. Esta redefinição de competências decorre da Política Comum de Pescas reformada. Isto conduziu a muitos mais barcos de pesca poderem actuar entre as 100 e as 200 milhas. Nós temos ecossistemas bastante frágeis, não só do ponto de vista dos ecossistemas em si mas dos próprios recursos, são recursos de profundidade, esses peixes têm uma vulnerabilidade intrínseca. Por isso mesmo, aliás, é que aqui a gestão até às 100 milhas ficou sob gestão regional e só acessível à frota regional. É um reconhecimento por parte do Conselho Europeu da situação. Um aspecto estranho neste processo é que se abriu os mares a frotas sem se fazer um estudo do impacte da carga de pesca. Penso que a situação é séria. Por enquanto não para os recursos de profundidade, porque até agora não houve aumento das frotas a actuarem aqui na Região. Caso contrário a situação seria de facto muito séria. Mas houve já um aumento de cerca de 450% de frota da pesca de palangre para o espadarte e tubarão. Estas pescarias representam também um aumento da pressão de pesca sobre espécies acessórias, como as tartarugas. Quanto a mim, há aqui uma forte contradição com alguns princípios que neste momento a Comissão Europeia está a encarar muito seriamente, como seja não avançar com pescarias sem que haja estudos de impacto ambiental. Actualmente a CE mantém em discussão pública um novo regulamento europeu para as pescas de profundidade, de frotas europeias, fora de zonas de jurisdição nacional, que prevê a obrigação de estudos de impacto ambiental. Como é que isso não foi aplicado nas águas pelágicas dos Açores onde actuavam frotas pequenas? Mais também, como é que um processo deste tipo se mantém ainda?

Justifica-se a aquicultura nos Açores?

Enfrentará sempre desafios muito particulares e um dos mais importantes é o do mercado. Como conseguir chegar ao mercado de forma competitiva e lucrativa? No entanto, na minha perspectiva há neste momento ensaios para aquacultura em meio natural como são as cracas, que são promissores. Para além disso há toda a vantagem em se iniciar ensaios para a aquacultura de espécies locais como goraz, lírio, e outras espécies, assim como para programas de repovoamento, como sejam as lapas.

Não é desejável desenvolvimento sem ambiente e por isso fala-se muito em “economia ecológica”. Nos Açores, e no que ao mar se refere, sustentabilidade significa o quê?

Há duas maneiras de encarar a sustentabilidade e ambas são importantes. A sustentabilidade do ecossistema e do recurso e a sustentabilidade da actividade pesqueira, que é no fim de contas a sustentabilidade económica e social. Há obviamente interdependência e sem recursos sustentáveis não há sustentabilidade económica nas pescas.

Por exemplo, existe número suficiente de campanhas de informação sobre a importância da defesa e preservação dos oceanos? E como estamos em termos da integração de conteúdos sobre o mar nos currículos escolares?

Relativamente à primeira parte da sua pergunta, o que existe nunca é de mais, de outro modo seríamos pouco ambiciosos. Mas devo realçar que existem numerosas actividades, que não só campanhas, lideradas por ONGs, Fóruns, Universidades, Associações, etc que diariamente reflectem sobre os mares e os oceanos e a sua conservação. Já em termos de conteúdos escolares, na minha perspectiva podia-se fazer muito mais e melhor se, por um lado o Ministério da Educação no caso do continente, e por outro a Secretaria Regional da Educação, no caso dos Açores, interagissem de forma mais positiva e articulada com as entidades que produzem material didáctico por iniciativa própria, como aliás é o caso do Departamento de Oceanografia e Pescas. Há pouca eficácia neste contexto.

As regiões insulares, como os Açores, têm no mar um produto turístico de excelência. A oferta a nível da pesca desportiva, mergulho e observação de cetáceos, respeita o ambiente?

Regulamentarmente sim, na prática não há fiscalização e informação adequada e suficiente. Na minha perspectiva pessoal, temo que a crescente actividade da pesca chamada recreativa venha a ter efeitos prejudiciais na sustentabilidade de alguns recursos.
Na observação de cetáceos, por exemplo, não existirão demasiados operadores?
Os Açores foram das primeiras regiões (incluindo países) do mundo a ter uma legislação para o Whale Watching. O documento original foi preparado pelo DOP para as Direcções Regionais do Turismo e do Ambiente e mantemos diversos projectos de investigação e monitorização sobre esta actividade, nomeadamente sobre os seus eventuais impactos. Relativamente à instalação da indústria de observação de cetáceos, a base de trabalho foi deixar que as empresas se instalassem, monitorizar a actividade e definir a capacidade de carga por área. Há ainda espaço para mais operadores em algumas ilhas, mas não no Pico/Faial onde achamos que a capacidade de carga foi preenchida.

Como vê a possibilidade dos turistas participarem na actividade da pesca profissional?

Na minha perspectiva é um projecto extremamente interessante e devia ser desenvolvido regulamentando de forma muito precisa os termos da sua realização e sobretudo o esforço de pesca a disponibilizar para essa actividade.

No campo da valorização profissional, o que está e o que pode ser feito para valorizar os activos da pesca? Qual o papel reservado ao DOP?

É de realçar os trabalhos conducentes à atribuição do selo Friend of the Sea às espécies cujas pescarias são sustentáveis na Região dos Açores e a publicação do Guia do Consumidor de Peixe dos Açores, cujos critérios são de base ecológica. Neste âmbito participamos em diversas feiras internacionais e interagimos directamente com a restauração. Num outro âmbito, que não as pescas, devo realçar a recente criação dos Cursos de Especialização Tecnológica de Operadores Marítimo-Turísticos que o DOP iniciou este ano e que terá grande impacto na valorização profissional.

Que intercâmbio com outros saberes no domínio das pescas?

A investigação que desenvolvemos no DOP é feita com parcerias internacionais, não só europeias como mundiais. Isso está amplamente reflectido nos projectos científicos que conduzimos e para os quais chamo a atenção da nossa página www.intradop.info que tem os links para esses projectos. Ainda recentemente concluímos o projecto EMPAFISH (Marine Protected Areas as tools for Fisheries management and conservation) onde coordenámos todo o pacote de trabalho referente aos “benefícios das áreas marinhas protegidas para as pescas”. Este ano iniciámos três novos projectos de investigação financiados pela Direcção-Geral de Investigação da Comissão Europeia: MEFEPO (Making the European Fisheries Ecosystem Plan Operational), MADE (Mitigating Adverse Ecological Impacts of Open Ocean Fisheries) e CORALFISH (Assessment of the interaction between corals, fish and fisheries, in order to develop monitoring and predictive modelling tools for ecosystem based management in the deep waters of Europe and beyond).
Associado a estes aspectos estão as participações dos investigadores do DOP/UAc em numerosos comités, delegações e grupos de trabalho internacionais onde representam a Região, o País e/ou a Europa. De destacar: 1) a presidência do Comité de Estatísticas e Investigação da ICCAT (International Council for the Conservation of Atlantic Tuna), 2) a presidência do Grupo de Trabalho sobre Elasmobrânqueos do ICES (International Council for the Exploration of the Sea); 3) ,etc.

Falemos agora de investigação a nível do DOP: o que está a ser feito de mais importante nas zonas costeiras, mas também na Crista Média Atlântica e no oceano profundo? Que perspectivas para se aprofundar esses campos de investigação? Que aplicabilidade?

O DOP tem tido um papel inovador no âmbito da gestão espacial do ambiente marinho, não só da região dos Açores mas também no contexto internacional de toda a Macaronésia e do Nordeste Atlântico. De realçar que o DOP/UAc preparou os planos de gestão para toda a componente da Rede Natura 2000 dos Açores  (17 Sítios de Interesse Comunitário no âmbito da Directiva Habitats e 13 Zonas de Protecção Especial no âmbito da Directiva Habitats), preparou as 7 propostas dos sítios submetidos por Portugal para a rede Áreas Marinhas Protegidas da OSPAR, desenvolveu a investigação e preparou as propostas relativas à legislação e regulamentação da actividade de “Whale Watching” dos Açores, liderou diversas iniciativas conducentes à criação e consolidação de áreas marinhas protegidas na região dos Açores (e.g. Lagoa do Santo Cristo, Formigas/Dollabarat), coordenou toda a investigação conducente aos planos de gestão para sítios do mar profundo, como sejam três campos hidrotermais  e o monte submarino Sedlo, iniciativas pioneiras na Europa e no Atlântico. Também foram investigadores do DOP/UAc, em estreita colaboração com o Governo Regional dos Açores, nomeadamente a Direcção Regional das Pescas, que estiveram envolvidos nos estudos e nos relatórios dos quais resultou a importante Resolução Europeia (No 1568/2005) que proíbe a utilização de artes de pescas destruidoras dos fundos marinhos, como sejam os arrastos e redes de emalhar profundos. Esta resolução acabou por criar nos mares dos Açores, Madeira e Canárias uma das maiores áreas marinhas protegidas do mundo, com mais de 1 milhão de km2.
A instalação de um observatório submarino experimental a sul dos Açores, para acompanhar os fenómenos geofísicos e geoquímicos, será uma realidade?
Tudo indica que sim. De facto é um processo que  tem mais de 10 anos de planificação. Nos últimos deram-se por fim passos mais concretos a nível da CE, que aprovou a criação de uma rede de excelência de observatórios dos mares Europeus (ESONET/NoE) e a iniciativa EMSO (European Multidisciplinary Seas Observation). Esta última decorre aliás das opções para o mapa estratégico das infra-estruturas de investigação. Estão previstas a instalação de 5 a 10 observatórios dos fundos marinhos, entre os quais o observatório dos Açores também conhecido por observatório MoMAR.
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