Autor: Manuel Silva
Nunca nos cansamos de dizer – há festivais com música e festivais com espírito. Música – melhor ou pior – há em todos os festivais. Um festival com espírito é sempre mais difícil de encontrar. E o que é o espírito? O espírito não é mais que um contexto. Um contexto feito de pequenos pormenores que nos levam a experienciar momentos inesquecíveis que vão muito para além da música. A música é essencial, sim, mas funciona como uma liga que nos envolve num espírito de amizade, comunidade, partilha e amor.
Não é segredo que a Maré de Agosto carrega este espírito e que até tem nome próprio. O Spirrit da Maré é indissociável de Santa Maria, da Praia Formosa e das gentes marienses. A tranquilidade transmitida pelo areal de águas cristalinas e a amizade emanada por qualquer mariense que se preze são fatores chave para tonar três dias de música numa experiência incrível. Tudo isso, a pandemia levou.
É certo que o contexto atual não nos permite beber uma fresca no Paquete ou dar um salto ao teste de som durante a tarde, mas a amizade e a música ninguém nos tira. A Maré fez a sua parte – deu-nos música, levou-nos ao palco da Praia Formosa e deu-nos conversa diária com a gente que fez, e faz, a Maré. Cabia a cada um de nós, nas nossas casas, juntar a amizade e a boa disposição.
Mesmo em formato online, a Maré manteve o compromisso com a cultura e com a música que tanto lhe caracteriza. Isabel Mesquita, mariense que carrega o seu incrível “Ilhéu”, os enérgicos Santrofi, Voyagers ou Julian Marley, com o reggae que lhe vai no sangue, foram alguns dos nomes que subiram ao palco virtual da maré. Todos estes artistas estavam já contratados para subir a palco da Praia Formosa em 2020, mas continuam com passagens marcadas para a edição de 2021 – antevê-se, desde já, uma Maré 2021 memorável.
Mais destemida foi a abordagem do Azores Burning Summer, em São Miguel. Em meia dúzia de anos, o Azores Burning Summer já conseguiu criar raízes no Porto Formoso. O contexto de um festival numa pequena localidade, com praia a dois passos, com uma vertente ecológica e com um alinhamento musical diferenciado, tornou o Azores Burning Summer num caso sério entre os festivais açorianos. A organização não abriu mão do seu Porto Formoso e, apesar de alguma controvérsia na praça pública, optou por trazer um festival em formato matinée.
Durante quatro dias, a Praia dos Moinhos recebeu música, artistas locais, cinema e muito boa disposição dividida pelos 150 festivaleiros que a pandemia deixou estarem presentes. Sara Cruz, Nordela Jazz Convention, PMDS, Tape e Matti foram alguns dos artistas chamados a palco, numa altura em que os palcos escasseiam. Concorde-se, mais, ou menos, o Azores Burning Summer fez questão de manter acesa a chama da esperança num regresso à normalidade, dando a mão aos artistas e profissionais da arte nestes tempos de incerteza, sem nunca perder a sua alma e espírito de festival.
O
contexto é o que faz um festival ser festival, mas sem festival o
contexto não é contexto. A comunidade que anseia todo o ano por um
evento que traga a música, a amizade e o desenvolvimento local ficou,
este ano, sem chão. Seja a Maré de Agosto, o Azores Burning Summer, o
Monte Verde Festival, o Jardim Fest ou qualquer outro, todos fazem
falta. Para o ano esperamos ter a possibilidade de escolher entre a
panóplia de eventos culturais de qualidade a que já estávamos habituados
– para o bem da nossa saúde mental, mas também para o bem de quem
organiza, de quem monta o palco, de quem ganha a vida da música. Para o
bem de todos.