Autor: Lusa / AO Online
“No caso em presença, não se verifica qualquer ilegalidade grosseira, aparente, ofensiva ou fora de qualquer dúvida, da imposição da quarentena em hotel indicado pelos serviços do Ministério da Saúde”, referiu o acórdão, a que a Lusa teve hoje acesso.
“A requerente nem sequer pediu a sua pura e simples restituição à liberdade, finalidade única deste expediente de exceção que é o 'habeas corpus', destinado a acautelar, em muito curto espaço de tempo, uma situação de ilegal privação da liberdade, antes aceitando tal privação da liberdade, desde que efetuada na sua residência”, considerou.
No pedido de 'habeas corpus', a juíza desembargadora Isabel Silva, formadora no Centro de Formação Jurídica e Judiciária desde 2017, defendeu que a situação de confinamento obrigatório em hotel devia ser considerada uma “detenção ilegal”, além do cumprimento da quarentena em casa.
A juíza argumentou ter necessidade, por se encontrar em convalescença pós-operatória, de uma dieta alimentar e higiene “muito rigorosas” e que nenhum hotel pode proporcionar, uma vez que devido às condições da quarentena, não há serviço de limpeza do quarto, nem condições para cozinhar as refeições. Ao mesmo tempo, indicou que a casa, onde vive sozinha, é isolada e oferece melhores condições.
Nesse sentido, considerou ter sido impedida de cumprir o confinamento no domicílio, foi obrigada a ficar num hotel, e viu limitada as opções de escolha já que só podem ser usadas instalações aprovadas pelo Governo timorense.
Para a juíza, que apresentou também um acórdão do Tribunal Constitucional português sobre uma situação idêntica nos Açores, o 'habeas corpus' aplica-se, por se tratar de uma detenção ilegal e invocou o argumento de inconstitucionalidade da obrigação de isolamento profilático obrigatório apenas em unidades hoteleiras.
A juíza acrescentou que, ao ressalvar a possibilidade de quarentena em casa apenas para pessoal das missões diplomáticas, é violado o princípio constitucional da igualdade, já que as restrições impostas pela covid-19 se justificam na proteção do direito à vida e saúde pública. A doença não é “uma questão de estatuto ou classe profissional”, sublinhou.
Também argumentou que o artigo das medidas do Governo viola o princípio constitucional da proporcionalidade, ao não permitir o isolamento profilático em casa.
Na resposta, o Ministério Público disse que o procedimento de 'habeas corpus' não se aplica por não considerar que a quarentena seja uma detenção ilegal e, por esse motivo, não faz qualquer pronunciamento sobre as várias questões inconstitucionais invocadas.
Os juízes do Tribunal de Recurso, Deolindo dos Santos, Maria Natércia Gusmão, Jacinta Correia da Costa e Duarte Tilman Soares, sustentaram que o decreto presidencial de renovação do estado de emergência prevê a suspensão ou limitação de direitos e liberdades fundamentais.
“A requerente não questiona a obrigatoriedade de isolamento profilático (…), mas apenas o local da sua realização, nem sequer pedindo a sua libertação (…) insurgindo-se apenas quanto ao local do seu cumprimento, não sendo o isolamento profilático em hotel mais gravoso do que aqueles”, referiu o texto.
Por esse motivo, argumentaram os juízes, “fica prejudica a apreciação das questões de (in)contitucionalidade colocadas”, incluindo sobre o facto de o pessoal diplomático poder cumprir a quarentena em casa, sublinhando-se apenas que “os mesmos beneficiam de um estatuto próprio”.
Assim, “não pedindo a sua restituição à liberdade, antes aceitando tal limitação, e apenas colocando em causa o lugar do cumprimento do isolamento profilático, o presidente procedimento independentemente da relevância das questões suscitadas, não é o meio próprio para o desiderato pretendido, já que se destina apenas a decidir situações de ilegal privação da liberdade 'tout court'”, considerou.
Nos argumentos, o Tribunal de Recurso analisou a aplicação neste caso do 'habeas corpus', citando um acórdão do supremo tribunal português, salientando tratar-se de um procedimento de “natureza excecional” aplicável apenas quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade.
O 'habeas corpus' é um procedimento legal em se considera que o visado está detido ilicitamente e em que é pedida a libertação da pessoa detida.
Em 01 de fevereiro, o ministro da Presidência do Conselho de Ministros timorense disse à Lusa que a opção de fazer quarentena em casa à chegada ao país passava a ser permitida apenas aos diplomatas, sendo obrigatório para os restantes ficar em locais designados pelo Governo ou em hotéis pagos pelos próprios.
No caso de não diplomatas, passa a haver apenas duas opções, uma sem custos em instalações de quarentena geridas pelo Governo, como a de Tasi Tolu, nos arredores de Díli, ou em hotéis de uma lista aprovada pelo Ministério da Saúde.
Timor-Leste tem atualmente 38 casos ativos da covid-19, encontrando-se em estado de emergência até ao início de março.