Açoriano Oriental
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Pandemia provocou uma revolução no ensino

Alunos e professores tiveram de adaptar-se com urgência ao modelo de ensino à distância

Pandemia provocou uma revolução no ensino

Autor: Luís Pedro Silva

A pandemia da Covid-19 provocou a suspensão das aulas e o regresso da telescola nos Açores. A maioria das turmas iniciou um processo de ensino à distância para promover a ligação dos professores com os alunos.

“A primeira medida tomada pela escola foi elaborar um Plano à Distância, que contou com a contribuição de todas as estruturas educativas. Do documento constava  um Guião de Estudo que incluía um plano individual de trabalho flexível, tanto em suporte digital como em suporte de papel.  As tarefas propostas  pretenderam promover o estudo autónomo do aluno, organizadas, a título de exemplo, nos seguintes pontos: resumo teórico, exercícios resolvidos, exercícios propostos, correção e autoavaliação”, recorda Miguel Gameiro Silva, presidente do Conselho Executivo da Escola Canto da Maia.

O responsável por este estabelecimento de ensino de Ponta Delgada indica que os alunos e docentes comunicavam através de plataformas informáticas, sendo que as famílias sem  computadores recebiam os planos individuais de trabalho em papel.

“Simultaneamente os diretores de turma fizeram um levantamento das necessidades tecnológicas das famílias e a escola cedeu cerca de 90 computadores aos alunos do 2º ciclo. Posteriormente, embora em número muito residual, foi possível ceder hotspots e webcams”, explicou.

As mudanças implementadas, no início da pandemia, provocaram dificuldades acrescidas no ensino. Miguel Gameiro Silva descreve os principais constrangimentos sentidos na Escola Canto da Maia.

“Os principais problemas detetados - e transversais nos diferentes níveis de ensino - foram a falta de autonomia dos alunos e, em algumas situações, a falta de acompanhamento familiar.  No caso particular do segundo ciclo, os alunos demonstraram uma tremenda iliteracia digital”, sinalizou.

O regresso às aulas presenciais foi efetuado com diversas regras para promover o distanciamento dos alunos, mas nem todas as medidas apresentaram os resultados desejados.

“Lançámos horários desfasados na escola-sede, ou seja, o quinto ano iniciava as atividades letivas às 8h30 enquanto o sexto ano às 9h15. Todavia, esta medida não resultou porquanto a maioria dos alunos já estava na escola às 8h30. Muitos deles permaneceram no exterior do estabelecimento de ensino a conversar, não obstante termos organizado atempadamente atividades de acompanhamento entre as 8h30 e as 9h15. Para além da medida de desfasamento de horários, as horas de almoço e de intervalo decorreram em horas e espaços diferentes, cada nível de ensino utilizou um portão de entrada próprio, evitando assim aglomerados”, indicou.

O presidente do conselho executivo da Escola Canto da Maia  reconhece que a pandemia provocou uma “pequena revolução” na ligação das famílias com as escolas.
“As famílias viram-se a braços com imensas situações adversas, tanto em contexto de trabalho como no seio do domicílio, seja pelo desemprego ou trabalho à distância, seja pela falta de qualificações e equipamentos para subitamente ter de auxiliar o educando no ensino à distância. A escola deparou-se com uma necessária e repentina adaptação ao novo modo de ensinar e uma clara impotência em satisfazer todos os alunos com o conhecimento digital e com os equipamentos imprescindíveis no novo modo de ensinar e aprender”, frisou.

Esta revolução surgiu, praticamente, da noite para o dia e criou enorme dificuldades no ensino dos alunos.

“Com o encerramento das escolas e a consequente implementação de um ensino à distância, muitos pais, fossem eles parceiros, colaboradores, responsáveis, negligentes, tornaram-se um tanto ao quanto professores dos seus filhos. Esta abrupta escolarização dos pais aprofundou, como é óbvio, as desigualdades sociais e escolares, quer pela falta de qualificações dos próprios para exercer essa nova função docente, quer pela falta de equipamentos tecnológicos - que a própria Escola não pôde satisfazer - para desenvolver o ensino à distância. São sobejamente conhecidos os estudos sociológicos que comprovaram que a sobrevivência e o sucesso escolar são fortemente marcados pela posição social da família,  o mesmo que dizer, para ter êxito na Escola não é indiferente ser proveniente de uma família pobre ou rica ou sem escolaridade ou com níveis de escolaridade elevados. Por outro lado, muitos professores foram obrigados a reformular métodos de ensino, a estar árdua e diariamente disponíveis à frente de um ecrã para responder às diversas solicitações, a ter a capacidade numa área em que nunca absorveram a devida formação, esperando naturalmente dos alunos a melhor resposta às atividades autónomas delineadas para os mesmos, algo que nem sempre decorreu com o êxito esperado”, reconhece.

Miguel Gameiro Silva destaca que a pandemia demonstrou como está a mudar a forma de ensinar.

“Passámos de uma sociedade em que a falta de conhecimento estava associada à falta de informação – e o professor era um detentor do conhecimento – para uma sociedade que poderá cair no excesso de informação e numa ausência de capacidade de transformar essa informação em conhecimento útil. O que esta situação pandémica evidenciou, não foi só a falta de meios tecnológicos nas escolas e em muitas famílias, como também, por parte dos jovens, a incapacidade de uso, análise, compreensão e produção do que pesquisam e a capacidade de aumentar o seu conhecimento autonomamente (não sendo por vezes uma questão de “ter” mas sim de qualidade de uso). Em suma, estou aqui a advogar, nestes tempos incertos, uma reinvenção da Escola e do ofício do aluno - um sujeito que desde cedo planifique a sua aprendizagem, estabeleça horários, saiba criar condições metacognitivas  e autorreguladoras da sua própria aprendizagem, que, no fundo, assuma a sua capacidade e responsabilidade de permanente aprendente ou ‘life learning’”, concluiu.

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