Açoriano Oriental
O adeus a Vítor Boga, o artista continental que pintou a açorianidade

Vítor Boga faleceu há quase uma semana, aos 71 anos, em Inglaterra, mas o seu passamento ainda é comentado no Pico, ilha onde o pintor residiu por um longo período mas que deixou há mais de 14 anos. Em 2007, quando regressou ao continente, afirmou que se sentia picaroto e que, da ilha, ia "levar o ‘tilintar’ das cordas".


Autor: Célia Machado/AO Online

“O meu pai nasceu na Vila Alva, Alentejo, no dia 10 de dezembro de 1950 e faleceu em Homerton, Londres, no dia 15 de janeiro de 2022. (...) Ele era um bom homem, generoso e sempre se oferecia para ajudar o próximo, sem pensar duas vezes”.

Foi assim que Mateus Boga, um dos filhos mais novos do pintor, deu a notícia nas redes sociais, acrescentando que “ele faleceu em paz, rodeado da sua família, e merece cada lágrima que se chorar por ele. Pode já não estar entre nós, mas a sua memória permanecerá”.

O artista multifacetado, já tinha percorrido um longo caminho quando colocou os pés no Pico. No continente, havia-se dedicado, profissionalmente, tanto à arquitetura de interiores como às artes gráficas, mas, em simultâneo, dava continuidade aos trabalhos em aguarela, pastel, carvão, stencil e acrílico, sendo este último o seu favorito.

Durante os anos que esteve na ilha, juntou o que dizia ser os símbolos açorianos, os quais passaram a marcar os seus trabalhos, a maioria em acrílico sobre tela, tendo como fundo o azul dos nossos mares. A caça à baleia, o homem rural do Pico, os barcos, a Montanha, as sereias, a viola da terra, os grupos de música tradicional e as casas de pedra são alguns deles.

Com a também artista Fátima Madruga, do Pico, partilhou telas e criou e apresentou, em 1989, o livro “A Terra dos Biosótis”, que foi levado a diversos espaços do Pico de forma única: com teatro de fantoches, que cativou os diversos públicos; já a solo, foi o autor (texto e ilustração) da banda desenhada de ficção científica “O Urtiga – O Último Elemento” que, antes da publicação em livro (2003), foi apresentada, faseadamente, no jornal “Ilha Maior”. Realizou ainda diversas exposições, ilustrou livros de poesia e fez cartazes, entre outros.

Fernando Silva, presidente da Casa do Povo de Santa Luzia, foi, tal como a restante comunidade, apanhado de surpresa com a notícia do falecimento do artista.

Em Santa Luzia, Vítor Boga fixou residência, poucos meses depois de ter feito uma visita ao Pico.

"Um homem simples, de trato fácil, muito prestável, que se integrava muito bem, embora fosse uma pessoa mais isolada". Com estas palavras Fernando Silva recorda Vítor Boga, que foi igualmente membro do Grupo Folclórico da Casa do Povo (GFCP) da freguesia, fundado em junho de 1999. "Integrou o grupo praticamente no início do mesmo e manteve-se connosco até ir embora do Pico. Para além de tocar viola da terra, também arranjava os instrumentos de corda sempre que lhe era solicitado e ajudava no que era preciso", continua o responsável.

Em 2006, Vítor Boga foi também responsável pelo grafismo do CD "Bailhos de Roda", lançado pela instituição, e na sede da mesma, desde 2004, que um quadro de consideráveis dimensões, assinado pelo pintor, eterniza quem compunha o GFCP há quase duas décadas.

Na verdade, Vítor Boga havia vindo para o Pico sem data de partida. Apaixonou-se pelo verde da ilha e pela viola da terra, como o próprio afirmava. E, apesar de quase nada conhecer sobre instrumentos de cordas, passou a tocar viola da terra e até a construir desses instrumentos tradicionais.

Após quase 20 anos no Pico, rumou para o Alentejo, onde continuou o seu trabalho de pintor, e de lá para Inglaterra, onde acabou por falecer.

Deixa uma vasta obra um pouco por toda a Região, principalmente telas em coleções públicas e particulares, como na Cedars House - residência oficial do presidente da Assembleia Legislativa Regional dos Açores - e no Centro Multimédia de São Roque do Pico.

Aquando da sua despedida do Pico afirmou, ao “Jornal do Pico”, que a ilha tinha sido o seu “exílio” e o mar o seu “melhor conselheiro” mas que fora também observador das suas gentes e, por isso, viu e sentiu “que as pessoas são muito fortes”.

Chegada a hora de partir, deixou a garantia de que ia continuar a pintar os Açores com o que guardara na memória.


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