Açoriano Oriental
Mussolini é "glória" para uns e "vigilância" para outros na sua cidade-natal

O ditador fascista Benito Mussolini será esta semana recordado na sua cidade-natal de Predappio, pelos que o associam à "glória" de Itália e os que, recordando os seus crimes, estão "vigilantes" com a chegada da direita ultranacionalista ao Governo.


Autor: Lusa /AO Online

"Todos os anos organizamos um evento para comemorar a marcha sobre Roma (28 de outubro de 1922, que conduziu Mussolini ao poder). Certamente este é um ano mais importante do que os outros porque comemoramos 100 anos daquele dia que deu origem à era fascista, que foi um período glorioso para o nosso país", diz à Lusa Mirco Santarelli, presidente dos 'Arditi' ('Bravos') de Ravenna.

Os 'Arditi' foram uma das divisões do exército do Reino da Itália durante a Primeira Guerra Mundial e, segundo os historiadores, muitos veteranos dessa divisão também participaram na marcha sobre Roma há 100 anos.

O evento da Associação do 'Arditi' de Itália terá lugar a 30 de outubro em Predappio, cidade da província de Forlì, na Emilia Romagna, onde Mussolini nasceu em 1883 e onde foi sepultado na capela da família.

Confrontado com a falta de liberdade no período fascista, Santarelli desvaloriza.

“Era normal não ter liberdade, tínhamos uma monarquia, era assim que as coisas eram. Os jornalistas só falam disso, e nunca pensam em escolas, hospitais ou na estrutura social que Mussolini criou”, diz à Lusa.

A efeméride coincide com o início de funções do Governo de Giorgia Meloni, cujo partido Irmãos de Itália inclui ex-elementos do Movimento Social Italiano, herdeiro do fascismo mussolinista.

Santarelli, que no passado foi candidato pelo partido neofascista Forza Nuova, assume que votou em Giorgia Meloni, porque "é a menos mal".

Confrontado com as leis raciais e as deportações dos judeus que causaram a morte de milhares de italianos nos campos de concentração nazis, Santarelli desliga a chamada.

Predappio será palco, já a 28 de outubro de um outro evento, anti-fascista, organizado pela Associação Partidária da Itália (Anpi), invocando a libertação da cidade-natal de Mussolini.

"Predappio foi libertado pelos 'partizan' em 28 de outubro de 1944. Eles escolheram essa data para enviar uma mensagem a Mussolini e nós lembramos esse acontecimento com a nossa manifestação", diz à Lusa Gianfranco Miro Gori, presidente da Anpi de Forlì.

Gori assume "temor de que com Giorgia Meloni os fascistas nostálgicos possam levantar a cabeça", mas mostra-se confiante com a influência da Europa sobre o seu Governo, que "está sob vigilância especial" em Bruxelas.

O fascismo "não tem possibilidade de voltar, nem à Itália nem a Portugal", diz Gori.

Mas, adianta, "estaremos vigilantes como sempre fizemos” perante a possibilidade de os direitos civis serem restringidos.

Porque o período do fascismo e da Segunda Guerra Mundial é associado a massacres e vítimas civis, as autoridades italianas não têm evocado a marcha sobre Roma.

No entanto, este ano o aniversário entrou no Parlamento, quando na primeira sessão do Senado a presidência foi confiada temporariamente à senadora mais veterana, que hoje é Liliana Segre, sobrevivente do campo de concentração de Auschwitz, ativista da Memória do Holocausto e nomeada senadora vitalícia pelo Presidente da República, por "méritos civis altíssimos".

No seu discurso, Segre invocou o centenário da marcha sobre Roma, "que deu início à ditadura fascista", e a coincidência de ser ela a assumir a presidência "do templo da democracia que é o Senado da República".

"O valor simbólico dessa circunstância casual é amplificado na minha mente porque, no meu tempo, a escola começava em outubro e é impossível não sentir uma espécie de vertigem lembrando que a mesma menina que num dia como este em 1938, desconsolada e perdida, foi forçada por leis racistas a deixar vazia a sua cadeira no ensino primário", disse Segre.

"Hoje, essa menina está, por um estranho destino, na bancada mais prestigiosa do Senado”, adiantou.



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