Açoriano Oriental
Em palco e no bar
Galanta a cantar e a consumir a vida

Galanta é nome de cantador popular e de um bar famoso. Leonardo Pires foi artista ao desafio, nos palcos, e ensina a consumir a vida num balcão com lições de vida.





Autor: João Rocha

“Cobiçar a mulher alheia, quer em festa, quer em bodas, é pensar que a sua é feia, sendo a mais linda de todas”.

A quadra é da autoria de Leonardo Nunes Pires, vulgo Galanta, e faz parte de um disco, em formato LP, editado em 1983.

Tratavam-se de letras de cantorias gravadas por Galanta e, mesmo tendo como título “Dez mandamentos”, não representava qualquer afronta à moral católica.

De resto, a inspiração das cantigas ao desafio tem origem santa. Os padroeiros das freguesias que acolhem os festejos dão o mote às quadras e sextilhas. Só quando falta assunto em torno das suas figuras, os cantadores recorrem ao património cultural e edificado.

“Nunca se vai preparado para as cantigas ao desafio. A quadra nasce em cima do palco”, sublinha Galanta, escudado numa carreira com mais de três décadas.

Não há treinos que levam à boa prática da função: “É preciso é ter o dom”, afiança.

“Nem sequer garganta é preciso ter Um rouco desenrasca-se também na perfeição”, reforça a ideia.

Galanta entrou nas cantigas ao atingir a idade adulta (18 anos). Participou num Rancho de Matança, na freguesia natal, São Brás, com Ferreira pai e filho.

Os seus dotes agradaram e, pouco depois, surgiu a estreia no Posto Santo, corria o ano de 1972.

A carreira de improvisador de Galanta estendeu-se até 2003. Nunca se arrepiou com a ideia de não conseguir, em palco, responder às cantigas dos colegas.

“Para o fim até tinha mais medo de não acertar por causa da responsabilidade que fui criando ao longo dos anos com as minhas atuações”, desfia a memória.

As cantigas, sustenta, não conta com preparação prévia: “Nunca sabemos com quem vamos cantar. Os mordomos é que decidem”, sublinha Galanta.

Nas suas atuações nunca assistiu a grandes momentos embaraçosos. “Uma quadra ou outro que não rimava, acabava sempre por encostar”., argumenta.

Inspiração rural

Nado e criado em São Brás, freguesia rural do concelho da Praia da Vitória, Galanta considera que as vivências e convivências rurais contribuíram decisivamente na faceta artística.

“Sei o que é uma enxada, um arado e uma burra de milho. E aprendi muitos ditos antigos que foram úteis para as cantigas”, pormenoriza.

“Não conheço nenhum cantador popular que tenha nascido na cidade de Angra do Heroísmo. Até Vitorino Nemésio, poeta, escritor consagrado e catedrático tem origens no Porto Martins”, contextualiza.

As cantorias são, aliás, “melhor acolhidas nas freguesias rurais”, com assistências na ordem dos milhares de pessoas.

A vida tem prazo de…vida

O “Bar do Galanta”, sito à entrada da freguesia de São Brás, é um dos pontos turísticos referenciais da ilha Terceira.

Após ter deixado a profissão de taxista, o antigo cantador assumiu, conjuntamente com a mulher, a gestão comercial do espaço que pertence à família há oito décadas.

Já agora, fique-se a saber a proveniência da alcunha de “Galanta”.

No campo, é normal os lavradores tratarem as vacas por “galanta”. Como na parte exterior do bar existe uma vaca como elemento decorativo, é fácil associar as pontas soltas e chegar à conclusão do nome artístico e familiar.

Voltando ao bar, onde se servem bons petiscos e bebidas espirituosas, são incontornáveis as lembranças deixadas pelos visitantes, onde figuram centenas de fotografias, bonés, matrículas de carros, esferográficas e porta-chaves, entre outros adereços.

O bar abre todos os dias, com exceção dos domingos, em nome do “descanso do fígado dos estimados clientes”.

Aliás, um dos slogans da casa não confere grandes complicações em termos existenciais: “A vida tem prazo de… vida. Consome-a”.





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