Açoriano Oriental
“Eu amo o futebol antes de se ter tornado na minha profissão”

Pedro Pauleta. O sonho, o foco, a determinação e o “golpe de sorte” caracterizaram o percurso daquele que se veio  a tornar o mais emblemático jogador de futebol açoriano. O “ciclone dos Açores” recorda os vários momentos da carreira e fala dos atuais projetos


“Eu amo o futebol  antes de se ter tornado na minha profissão”

Autor: Mariana Lucas Furtado

O percurso é sobejamente conhecido e não curto o suficiente para caber nestas duas páginas. Pedro Miguel Carreiro Resendes, mais conhecido como Pedro Pauleta, nasceu na ilha de São Miguel em 1973. Criado na freguesia de São Roque, concelho de Ponta Delgada, desde cedo se habituou a andar com uma bola nos pés, só não pensou na altura que poderia vir a fazê-lo de forma profissional e tão rentável.

 Começou a dar os primeiros toques na ilha que o viu crescer. Fez a formação no Santa Clara até perto dos 16 anos, altura em que viajou para o continente português para servir, durante uma época, os juvenis do FC Porto (em 1989/1990), mas sem se adaptar longe do calor da ilha, e na iminência de ser dispensado na época seguinte, regressou a São Miguel para vestir novamente a camisola dos “encarnados” de Ponta Delgada no escalão de juniores.

Registou ainda passagens pelo Clube Operário Desportivo, pelo União Micaelense e pelo Angrense. Nessa altura, o sonho já começava aos poucos construir-se, mas com outros contornos, uma vez que o teto imposto pelo próprio, e seguindo em parte o exemplo do pai, seria jogar num clube da região enquanto amador, dividindo a paixão pelo futebol com outra profissão.

“A minha ideia era arranjar trabalho e jogar futebol num clube aqui dos Açores. Com 17 ou 18 anos, tinha o meu trabalho e jogava futebol na III Divisão. O meu grande objetivo era, com esse valor que ganhava a jogar futebol, que não era mau na altura, construir a minha casa e ficava um jogador amador”, recorda.

Mas as oportunidades não pararam de surgir. Fez história ao tornar-se o primeiro internacional português que nunca passou pela I Divisão Nacional. Do Estoril, onde militou na II Divisão de Honra, saltou logo para o futebol espanhol (onde representou o Salamanca e o Deportivo de Coruña).

“Apareceu a oportunidade com o Estoril e aí sim, já fui com uma idade e uma mentalidade diferentes”, reconhece. “Já ia com objetivos de ser profissional e felizmente a partir do Estoril as coisas correram bem”. O salto para o Salamanca foi, para Pauleta, como um “golpe de sorte”, como lhe chama. “De facto, eu era para ser quarto avançado [do Salamanca], mas com a lesão de um jogador, castigo de outro... eu tive a oportunidade e fiz logo dois golos. Depois a partir daí foi sempre a somar até que me tornei no melhor jogador do campeonato”.

Foi esse o período, ainda com uma passagem de três épocas ao serviço do Coruña, que antecedeu a chegada a França, onde começou por atuar no Bordéus e, mais tarde, no seu maior palco, o Paris Saint Germain.

“Foi tudo muito rápido”, considera o ex-jogador. “Mas felizmente com passos certos e com golos, que era aquilo que eu sabia fazer. E com a sorte que é precisa no futebol”.
E foi precisamente  ao serviço de um dos maiores clubes do futebol Europeu, o Paris Saint Germain, e com as cores da seleção nacional vestidas, que Pedro Pauleta distribuiu alegrias e fez brilhar os olhos de muitos: não só micaelenses e açorianos, como milhões de portugueses e particularmente imigrantes em França. Os próprios franceses ficavam impressionados com o talento, a capacidade de discernimento e a veia goleadora do “ciclone dos Açores”, como ficou conhecido.

“A partir do momento em que chego a França, já era um jogador reconhecido, internacional, e com um estatuto diferente do que tinha sido daqueles primeiros anos, em que saí como jogador da III Divisão, que passa para a II e depois para a primeira, em que estava no futebol espanhol a jogar contra Barcelona e Real Madrid”, admite.

Mas todo o brilhantismo que envolve o mundo e o negócio do futebol foram colocados em perspetiva pelo jogador, segundo conta o próprio Pedro Pauleta.

“Eu amo o futebol antes de o futebol se ter tornado na minha profissão”, analisa.

“Nunca pensei que ia ser na minha profissão, eu sabia era aquilo que eu mais gostava de fazer. A dada altura, tornou-se a minha profissão e continuei a tratá-lo da mesma forma de antes. Com paixão, com alegria, com vontade de ganhar, de cada vez ser melhor e com muito espírito de sacrifício também”, adianta.

“O estrelato, as revistas, os jornais, as televisões, a fama, os carros, os relógios, as roupas... nunca dei muita importância a isso. Não posso criticar aqueles que o fazem, mas eu sei, e sempre soube, que mais tarde ou mais cedo isso iria acabar”.

“Quanto mais distrações eu tivesse, menos possibilidades eu teria de fazer uma carreira como eu fiz. Portanto mantive sempre os pés bem assentes na terra”, realça.
O estilo de vida familiar também se fez espelho do modo reservado com que Pauleta lidava com a profissão.

“Tive a sorte de ter casado com uma pessoa que partilha das mesmas ideias e da mesma forma de estar na vida que eu, e depois fomos constituindo família. Aí o mais importante é que cada um vá seguindo o seu caminho, independentemente da profissão dos pais”, aponta.

“No meu caso, era eu a pessoa que aparecia nos jornais e na televisão, mas da porta para dentro era «o pai» e era «o marido», e não era o Pauleta jogador de futebol. Isso eu soube fazer, e acho que é importante saber separar esses mundos” refere.

Retirou-se dos relvados há quase 20 anos, em 2008/2009, tendo ainda feito um regresso em 2010/2011 para representar o clube da sua freguesia, o Desportivo de São Roque.

“É importante decidir o momento em que se quer acabar. Isso foi importante para mim, porque eu não tinha lesões, e podia continuar, se quisesse”, admite.

Abandonou o futebol aos 35 anos enquanto jogador profissional, mas nunca como apoiante e apaixonado pela modalidade. Manteve sempre a ligação a vários organismos desportivos, inclusive o cargo de diretor da Federação Portuguesa de Futebol.

Nos Açores, deixa também obra feita. A Escola de Futebol Pauleta caminha a passos largos para os 20 anos de existência, mas mantém o objetivo inicial do dia um.
“O objetivo que tive na altura e que tenho até aos dias de hoje foi dar um espaço e uma qualidade de treino às crianças. Não só para se tornarem melhores jogadores, que isso para mim é o menos importante, mas sim para desenvolver todas as facetas, como a amizade, a educação, a pontualidade, o respeito”, explica.

“O que me dá mais prazer é ver, hoje em dia, miúdos que começaram aqui na nossa escola, que já foram para fora, já voltaram, alguns deles fizeram estágio e já trabalham aqui connosco. É isso que eu quero, gerar esse ciclo. Que eles possam começar aqui e talvez voltar no futuro com outras funções. Quero que tenhamos no futuro melhores médicos, enfermeiros, melhores pessoas para a secretaria e pessoas mais bem formadas. É esse o meu objetivo com a escola”, conclui.

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