Açoriano Oriental
Depois da pandemia “Continuar a criar novos trabalhos teatrais parece um privilégio”, diz Peter Cann

Peter Cann é encenador do grupo de teatro “Cães do Mar” que levou a cena a peça “… Mas Muita Marquesa” no Ateneu Comercial este sábado à noite, 8 de outubro, no âmbito do Arquipélago de Escritores.

Depois da pandemia “Continuar a criar novos trabalhos teatrais parece um privilégio”, diz Peter Cann

Autor: Tatiana Ourique / AO Online

Peter Cann nasceu em Liverpool em 1955 e é um encenador, libretista e dramaturgo britânico que divide o seu tempo entre Angra e Birmingham e trabalha em inglês e português. O seu trabalho tem sido produzido por companhias como: Isango Ensemble, da África do Sul, Birmingham Rep, Shared Experience, Ópera Nacional de Gales, BBC Radio 4, Channel 4 Television, Solent Peoples´ Theatre, The Resurrectionists, Ragged Mouth, Collar and TiE, Buster Theatre in Education Company e The Theatre Royal Northampton.

Foi Diretor Artístico do Pentabus Theatre, de 1985 a 1989. Tem colaborado com o Teatro da Serra do Montemuro, em Portugal, em numerosos projetos, incluindo: “Memórias Partilhadas” (uma coprodução com o Teatro Nacional D. Maria II e atualmente em digressão por Portugal), “Pertencia”, “Louco na Serra”, “A Taberna”, “Alminhas”, “O Canto da Cepa”, “Enclave”, “Estrada Nacional” “Caídos do Céu”. e, mais recentemente, “Três monólogos de uma vida” e “Os Quatro Clowns do Apocalipse”.

Açoriano Oriental - Como é que o Peter Cann chega aos Açores e a este projeto?

Peter Cann - Conheci a Ana Brum quando ambos trabalhávamos para O Teatro Montemuro. A convite dela vim à Terceira para trabalhar com Cães do Mar na sua primeira produção - Os Amores Encardidos do Padi e Balbina (2017). Depois continuei a trabalhar noutros projetos e hoje resido em Angra do Heroísmo.

“…Mas Muita Marquesa” é a terceira parte de uma trilogia: retratos de mulheres açorianas; peças curtas que podem ser encenadas individualmente, como um programa completo ou em qualquer combinação dos três.

Os espetáculos podem ser encenados em escolas, cafés, museus, galerias, bibliotecas e casas do povo, bem como em palcos de teatro.

A primeira peça: “Rubra, Flor de Fajã” foi sobre a ativista e pedagoga Maria Machado que nasceu em São Jorge em 1890 e apesar de ter sido presa e torturada inúmeras vezes, continuou a opor-se ao regime de Salazar e a dar aulas clandestinas para os desfavorecidos até sua morte em 1956. A peça foi encenada pela primeira vez no Museu de Angra do Heroísmo e posteriormente nos cafés daquela cidade em 2019. Posteriormente, foi adaptada para áudio- drama e apresentada no Festival de Artes Performativas de Angra do Heroísmo em julho de 2020.

A segunda peça, “Clandestina”, foi baseada na história de Otília Frayão, uma poetisa faialense que, em 1951, escapou da cultura repressiva da ilha natal, escondendo-se a bordo do iate de Richard Allcard, um inglês que tentava velejar sozinho dos Estados Unidos para a Inglaterra.

Devido às complicações causadas pela situação da Covid -19 em 2020 esta peça foi também adaptada para apresentação como áudio-drama para o Festival de Artes Performativas de Angra do Heroísmo em julho de 2020.

“Clandestina”, juntamente com a versão em áudio de “Rubra, flor de fajã” será transmitida pela rádio São Jorge no outono de 2022.

AO - "...Mas Muita Marquesa" pretende levar o público a que lugar?

PC - A peça apresenta a revolta de uma mulher contra uma sociedade rígida e hipócrita em que, como diz sua mãe: quem é uma pessoa não importa. O que importa é o que parece ser.

Claro que queremos que o público se divirta, mas também queremos que as pessoas reconheçam elementos da sociedade, as expectativas das mulheres e os comportamentos de ambos os sexos retratados na peça que ainda hoje são evidentes, não só aqui nos Açores e em maior ou em menor grau, em todo o mundo.

AO - Como é fazer cultura depois de uma pandemia e à beira de uma crise económica onde, sabemos, a cultura é sempre a primeira sacrificada?

PC - Para mim, Peter Cann, esta pergunta tem ressonâncias pessoais. É axiomático que a cultura é crucial para a saúde das comunidades, particularmente quando essas culturas estão sob pressão.

No Reino Unido, por causa da pandemia, não houve teatro ao vivo por mais de um ano. Cães do Mar tiveram a sorte de continuar a encontrar formas de se apresentar para pequenos públicos ao ar livre a partir de meados de 2020.

Até agosto deste ano, trabalhei meio período como professor universitário e também em teatro profissional. Em maio deste ano a Universidade onde trabalhei suspendeu o recrutamento para todos os cursos de Artes Cénicas. Isso significa que em dois anos não haverá cursos de artes cénicas numa universidade que serve uma região económica e socialmente carente.

Então, para mim, continuar a criar novos trabalhos teatrais parece um privilégio. Porque há10 anos eu poderia tomar isso por garantido.

AO - Como surge esta colaboração com o Arquipélago de Escritores?

P.C. - Muito simplesmente. A Sara Leal viu a produção em Angra e achou-a adequada para o programa do Arquipélago de Escritores

Sinopse “....Mas muita Marquesa”

Trata-se de uma exploração imagética da vida e dos amores de Marquesa de Jácome Correia, escrito e dirigido por Peter Cann com projeções de Ana Brum e Bianca Mendes e partitura original de James Prosser. É interpretada por Raquel Raposo.

A peça começa com os primeiros anos de Vitória em São Miguel, o ambiente repressivo em que foi criada, e termina quando ela finalmente alcança a realização romântica e sexual com Vitorino Nemésio. No meio está um caleidoscópio de fragmentos de sua vida: os seus casamentos e relacionamentos abusivos: o seu encarceramento em uma clínica na Suíça no início de sua mãe.

Tudo é visto pelas lentes das Marquesas e mistura realidade e fantasia. As narrativas são comunicadas através de uma gama eclética de estilos teatrais e referências cinematográficas: mímica ao estilo Lecoqu, filme mudo, film noir e novela.

A peça apresenta a revolta de uma mulher contra uma sociedade rígida e hipócrita em que, como diz sua mãe: Quem é uma pessoa não importa. O que importa é o que parece ser.


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