Autor: Rui Jorge Cabral
Quando começou a sua devoção pelo Santo Cristo?
A minha devoção começou há cerca de 25 anos, através do monsenhor Agostinho Tavares (falecido em 2015), que foi reitor do Santuário.
Nessa altura eu tive uma trombose e fiquei paralisado, estive hospitalizado durante cerca de cinco meses e os médicos especialistas diziam que eu iria ficar numa cadeira de rodas.
O monsenhor Agostinho começou então a telefonar-me quase diariamente e nesses telefonemas falava sempre no Senhor Santo Cristo.
Foi aí que começou a grande devoção que tenho hoje, porque eu acabei por recuperar os movimentos depois da trombose que tive.
Mais tarde, fui contactado pela minha paróquia de Brampton para ficar à frente da Irmandade do Senhor Santo Cristo, que foi criada nessa altura.
E desse tempo até hoje, mantive-me como provedor da Irmandade do Senhor Santo Cristo de Brampton.
Quando é que começaram as Festas do Senhor Santo Cristo em Brampton, na região do Toronto e qual a origem da imagem do Santo Cristo do Canadá?
As festas começaram, vai fazer 18 anos no próximo mês de setembro.
Quanto à imagem do Santo Cristo, ela veio do continente e foi feita à semelhança da imagem do Santo Cristo de Ponta Delgada.
A grande diferença das nossas festas para as de Ponta Delgada é que, no Canadá, fazemos o Santo Cristo na segunda semana de setembro, encerrando a festas de verão na comunidade portuguesa no Canadá.
Em maio, o mês em que se celebra o Santo Cristo aqui em Ponta Delgada, seria complicado fazermos as festas no Canadá, porque é um mês de festas em Toronto e noutras cidades do Canadá e para não fazermos as festas em cima umas das outras, decidimos realizá-las em setembro.
Atualmente, as Festas do Santo Cristo de Brampton são consideradas as maiores festas da comunidade portuguesa no Canadá.
Quais são as principais diferenças das festas do Santo Cristo no Canadá relativamente às de Ponta Delgada?
Por exemplo, na sexta-feira das festas, fazemos o que chamamos a ‘Noite do Doente’, direcionada sobretudo para os mais idosos, que vamos buscar aos lares, trazendo-os para a igreja nesse dia.
De resto, fazemos a procissão da mudança no sábado e a procissão principal no domingo, tal como aqui.
Nas festas do Santo Cristo de Brampton, participam milhares de pessoas e costumamos ter também sempre um padre convidado dos Açores.
E porquê? Por serem padres que conhecem melhor a história e a devoção ao Santo Cristo. Além disso, os padres que vêm dos Açores trazem sempre consigo uma palavra que o povo no Canadá está à espera de ouvir e que o padre da nossa paróquia, que é de origem polaca, não consegue transmitir.
Eu já trouxe o nosso padre aqui a São Miguel para ele poder experienciar na origem esta nossa devoção ao Santo Cristo. Mas claro, não sendo português, ele não conhece de raiz a nossa história e as nossas tradições. Além disso, uma parte do rendimento das festas do Santo Cristo de Brampton é entregue a famílias necessitadas.
Existe muita devoção ao Santo Cristo na área de Toronto, onde vive e onde se realizam as festas no Canadá?
A devoção em Toronto e arredores está a diminuir, porque em cidades muito grandes está cada vez mais difícil obter autorizações para poder fechar ruas ou mesmo colocar iluminações nas fachadas das igrejas.
Em Brampton, onde vivo, ainda temos a sorte na Irmandade de conhecermos muitas pessoas ligadas ao município que ainda nos vão dando as licenças para podermos fazer as nossas festas nas vias públicas e com a igreja iluminada.
A capa que irá cobrir a imagem do Senhor Santo Cristo na procissão deste ano foi oferecida pela Irmandade de Brampton. Aliás a capa era para já ter saído em 2021, não fosse a pandemia ter impedido a realização da procissão. Como é que surgiu a oportunidade de oferecer esta capa ao Santo Cristo?
Tudo começou numa reunião da Irmandade em que falávamos sobre a necessidade de alguns dos nossos irmãos poderem sentir a ‘força’ do Senhor Santo Cristo que nos é transmitida quando levamos o andor e eu já o fiz por duas vezes no passado.
E foi assim que, após conversarmos com o reitor do Santuário, o cónego Adriano Borges, decidimos oferecer esta capa há dois anos, mas só este ano a capa vai sair na procissão.
Este é um grande orgulho nosso, porque a capa, mandada fazer em Vila Franca, resulta de várias ideias dadas pelos membros da Irmandade, pelo que cada parte da capa tem um pouco de nós. Nos somos 30 membros na Irmandade e, destes, 25 estão cá em Ponta Delgada para participar nas festas e na procissão deste ano.
Dou-lhe o exemplo do desenho da capa, que simboliza a união entre o Canadá e os Açores.
O que significa para si e para a Irmandade do Santo Cristo de Brampton estar aqui na sua quase totalidade em Ponta Delgada, para que os seus membros possam também ter a oportunidade de levar o andor do Senhor Santo Cristo durante uma parte do percurso?
Esse vai ser talvez o dia mais feliz das vidas de alguns dos membros da Irmandade.
Estamos a preparar isso há muito, muito tempo e vi homens com lágrimas nos olhos ao pensar que irão pegar no andor do Santo Cristo.
Este vai ser um grande orgulho para cada um dos membros da Irmandade de Brampton, embora alguns deles não estejam em condições de levar o andor, mas irão levar as lanternas.
Além disso e após conversarmos com o provedor da Irmandade do Santo Cristo aqui de Ponta Delgada, o senhor Carlos Faria e Maia, ficou acertado que durante a madrugada de domingo, a nossa Irmandade de Brampton irá fazer a guarda de honra ao Senhor Santo Cristo, o que irá ser para nós também um enorme prazer.
No seu entender, porque é que as festas e a devoção ao Santo Cristo dizem tanto às comunidades açorianas espalhadas pelo mundo e particularmente às que estão nos Estados Unidos da América e no Canadá?
O Santo Cristo é algo que está nas tradições que herdamos dos nossos pais e avós.
Por isso e quando se fala do Santo Cristo a um açoriano da diáspora, é como se ele estivesse a ver o olhar do Santo Cristo sobre ele.
Como é que avalia a evolução dos Açores desde que saiu daqui há 55 anos?
Vejo que muitas coisas melhoraram. Vê-se hoje muitas obras e muita construção nova aqui em Ponta Delgada.
Eu gosto do que vejo e apercebo-me que muitos emigrantes estão a voltar e muitos estrangeiros estão a vir para cá.
Mas há o problema das viagens aéreas, com passagens muito caras. No Canadá, as pessoas querem vir para cá fazer turismo, mas acham muito caras as passagens.
Se quiserem ter aqui turismo e pessoas a virem para cá gastar dinheiro e ajudar a economia açoriana, não devia ser tão caro viajar para os Açores, com passagens a mais de mil euros por pessoa.
Falando agora um pouco do Canadá, quais são os principais problemas da comunidade açoriana residente na área de Toronto, onde vive?
Temos o problema de haver trabalho e pouca gente a querer trabalhar... Não é só aqui que se diz isso... Este é um problema geral.
Depois da crise da pandemia, notamos muito essa dificuldade das empresas encontrarem trabalhadores, apesar da vida estar difícil, com os preços a aumentarem muito.
Está tudo a subir no Canadá, do preço da comida às rendas dos apartamentos.