Autor: Lusa / AO online
Esse pedido viu-se “complicado” pela pressão da oposição e do Parlamento Europeu sobre o Governo português, lê-se no telegrama, que recorda a ameaça do ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, se demitir se as suspeitas relacionadas com a passagem de voos ilegais da CIA por Portugal viessem a ser provadas.
“Apesar da investigação do Governo ter refutado estas alegações, a saga continua devido à pressão continuada da oposição e do Parlamento Europeu. Esta pressão complica o pedido dos Estados Unidos para repatriar detidos de Guantanamo através de Portugal”, lê-se no telegrama.
O telegrama, o primeiro revelado pelo Wikileaks de um lote de 722 com origem na embaixada em Lisboa – que por sua vez faz parte dos 250 mil telegramas diplomáticos norte-americanos que o site começou esta semana a revelar – é datado de 20 de outubro de 2006 e classificado como “secreto”.
O texto analisa a polémica em Portugal em torno aos voos da CIA e a ameaça de demissão de Luís Amado.
Classificado pelo responsável da área política da embaixada, Troy Fitrell, o documento analisa a promessa de Amado se demitir “se a oposição conseguir demonstrar qualquer cumplicidade da parte do Governo relativamente aos alegados voos ilegais da CIA por território português”.
O telegrama tem como título: “Ministro dos Negócios Estrangeiros português disponível para se demitir se as alegações dos voos da CIA provarem ser verdade”.
Na análise, o responsável da embaixada considera que é “vantajoso” para os Estados Unidos “continuar a acariciá-lo muito” [a Luís Amado] devido ao “delicado equilíbrio” que o ministro está a tentar fazer.
Segundo o texto, o chefe da diplomacia portuguesa, “normalmente imperturbável, perdeu a calma” no parlamento a 18 de outubro, algo “completamente fora de carácter e que demonstra os efeitos dos ataques políticos e da media sem cessar”.
“Apesar deste desabafo, acreditamos que Amado continuará a reiterar o que a investigação revelou - o Governo não tem provas de voos ilegais da CIA em/através de território português”, lê-se no telegrama.
“No entanto, sublinha-se o delicado equilíbrio que Amado está a realizar procurando minimizar danos ao seu Governo – por mais injustificados que sejam - devido à investigação Rendition da CIA, ao tentar convencê-lo a conceder o nosso pedido para repatriar prisioneiros de Guantánamo através das Lajes”, continua.
“Agora, teríamos vantagem em acariciá-lo muito”, conclui o telegrama, assinado por “Hoffman”.
O telegrama detalha a pressão do Bloco de Esquerda e diz que as declarações de Luís Amado “refletem as do seu antecessor", Diogo Freitas do Amaral, em dezembro de 2005.
Segundo o telegrama, o testemunho de Amado “reflete a pressão contínua política e dos media relativamente a este assunto” e “tornam os esforços de assistência do Governo de Portugal (GOP) à repatriação de detidos de Guantanamo ainda mais difíceis”.
“É crítico que os leitores em Washington reconheçam a necessidade do GOP garantir que tem uma base legal sólida relativamente ao nosso pedido sobre os detidos”, lê-se no telegrama.
O texto refere que a interpretação legal feita pelo Governo português é de que são necessárias “garantias escritas do país de destino final de que os detidos não serão torturados ou sujeitos à pena de morte”.
Portugal pretendia ainda que “os Estados Unidos garantissem que seriam tratados de acordo com convenções reconhecidas internacionalmente no país de destino".
“Sem estas garantias, o GOP terá dificuldade em apoiar os voos de repatriação através do território ou espaço aéreo português. Aguardamos ansiosamente a resposta dos destinatários em Washington aos pontos portugueses referidos”, lê-se ainda.
O telegrama destaca que Lisboa esperava que o assunto fosse abordado na reunião de 24 de outubro entre Luís Amado e a então secretária de Estado norte-americana, Condoleeza Rice, em Washington.