Açoriano Oriental
Onda solidária permite a açoriano tratamento para a Machado-Joseph

Em dois dias, Dino Câmara conseguiu a verba necessária para viajar para o Brasil para o tratamento de neuromodulação não-invasiva. A onda solidária tornou-se um maremoto e o açoriano já arrecadou quase 20 mil euros para ajudar a combater os efeitos da doença neurodegenerativa

Onda solidária permite a açoriano tratamento para a Machado-Joseph

Autor: Nuno Martins Neves

“Não conseguia ler as mensagens de apoio e carinho por parte das pessoas sem chorar”. A emoção não é para menos: Dino Câmara, 36 anos, natural da ilha das Flores, mas a residir no Pico, é portador da Doença de Machado-Joseph (DMJ), neuropatologia rara, de origem genética, com grande prevalência nos Açores, em particular na ilha das Flores. Sem verbas próprias para ser tratado no Brasil, decidiu abrir uma conta na GoFundMe, plataforma de crowdfunding.

Dino Câmara e o exercício físico sempre andaram de mão em mão: fosse a jogar futebol  com amigos, na ilha das Flores, fosse a correr em trilhos pelas nove ilhas dos Açores, todos os que o conheciam viam-no como um desportista apaixonado.

“Sempre adorei desporto”, confessa. Os primeiros sintomas da doença surgiram aos 17 anos, quando começou a ter os seus primeiros desequilíbrios. “Nessa altura nunca associei que poderia ser da doença, embora a minha mãe fosse portadora da mesma”.

Aos 24 anos decide, finalmente, enfrentar os seus medos, “pois achei já não ser normal”. O diagnóstico veio positivo: “Tratei de continuar a trabalhar o corpo mas também a mente, confesso que não foi fácil”, partilha.

A ataxia SCA3, vulgarmente conhecida como doença de Machado-Joseph, é uma neuropatologia rara, de origem genética, que se manifesta por uma progressiva ataxia cerebelar.
Entre os sintomas mais comuns - e que surgem de forma lenta - estão a perda dos movimentos, perda de equilíbrio, dificuldade para ficar em pé, dificuldade para falar, engolir e mover os olhos, e espasmos nas pernas.

Foi identificada, pela primeira vez, em 1972, na comunidade açoriana emigrada em Nova Inglaterra, recebendo o nome das duas famílias onde foi diagnosticado: William Machado e Antone Joseph. Na ilha das Flores, afeta 1 em cada 140 adultos.

Sem cura ainda conhecida - apesar das várias investigações que decorrem em diversas universidades - existe um tratamento que tem tido resultados positivos no abrandar dos sintomas, da autoria de Carol Souza, médica na Clínica Reabilitar Neuromodulação, em São Paulo.

Esta mesma clínica irá dar o primeiro curso de formação em Neuromodulação Não Invasiva no Hospital do Divino Espírito Santo, unidade hospitalar que já adquiriu o equipamento, mas ainda não tem técnicos habilitados para o manusearem.

Dino Câmara sabe disso, mas lembra que este tratamento “não é só para pessoas portadoras da doença do Machado-Joseph, mas também para quem tem depressão, sofreu um AVC, Parkinson ou até mesmo Alzheimer. Não sabendo como será a lista de espera, nem o procedimento, e já tendo a doença num estado muito avançado decidi recorrer ao GoFoundMe e assim obter ajuda monetária para conseguir ir ao Brasil fazer o tratamento, permitindo-me recuperar alguma independência e voltar a fazer o que mais amo: o desporto”.

Em dois dias de conta aberta na plataforma, a meta dos 13.320 euros foi rapidamente atingida. A onda de solidariedade surpreendeu-o: “Quando alcancei o dinheiro que necessitava para o meu primeiro tratamento, encerrei as doações no GoFoundMe, comuniquei o mesmo no Facebook e agradeci profundamente a todos”.

Mas o que aconteceu a seguir deixou-o sem palavras. “Após esse comunicado, começaram a chegar-me dezenas de mensagens e chamadas a pedir-me que voltasse a abrir as doações no GoFoundMe, pois queriam contribuir na mesma, alegando que o dinheiro poderia ser usado para despesas futuras relacionadas com a minha doença. Visto que este tratamento tem que ser repetido entre três a seis meses, senão perde o efeito, decidi reabrir as doações no GoFoundMe”.

A onda transformou-se num tsunami e no espaço de sete dias, Dino Câmara chegou aos 20 mil euros. Anónimos, deputados regionais, empresários picoenses e até associações desportivas compareceram em massa:“Sabia que éramos um povo solidário, mas não estava à espera de tanto”. 


“Sinto que nós, portadores da doença, somos negligenciados”

Dino Câmara espera que a sua história sirva para alertar a sociedade e entidades responsáveis para que sejam dadas melhores condições aos portadores da DMJ. “Que haja mais informação e melhor encaminhamento para os portadores da DMJ. Os casais que queiram constituir família não têm informação facilitada nem sabem como proceder para que a criança venha sem a doença. Digo isto porque passei por essa experiência e não foi nada fácil conseguir informação e ajuda até conhecer a neurologista Sara Duarte, que foi incansável comigo e ajudou-me imenso”.

Para este açoriano, o Serviço Regional de Saúde pode fazer mais: “Apelo ao Serviço Regional de Saúde que, face ao número de portadores desta doença, prepare profissionais que nos saibam informar/encaminhar quando necessitamos ou tenhamos dúvidas. Sinto que nós, portadores desta doença, somos negligenciados”.

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