Autor: Nuno Martins Neves
Mais um ato eleitoral, mais uma vez a abstenção a reinar nos Açores.
Votar no círculo eleitoral que elege cinco deputados cativou menos de
metade (43,81%) da população inscrita (230 289 pessoas). Uma realidade
trágica e que contrasta com o verificado a nível nacional, em que a
abstenção (35,62%) deverá ser a mais baixa dos últimos 30 anos [n.d.r.
ainda faltam apurar os votos dos círculos eleitorais da Europa e Fora da
Europa].
O desinteresse só não se verificou no Grupo Ocidental, onde Corvo e Flores foram as únicas ilhas com taxas de participação acima dos 50% (33% e 48%, respetivamente), tendo sido particularmente grave no Grupo Oriental: São Miguel, com 57%, e Santa Maria, com 59%, foram as ilhas onde menos pessoas foram votar.
Não surpreende, portanto, que as freguesias com menor taxa de votantes se encontrem nestas duas ilhas: Santo Espírito (concelho de Vila do Porto), com 70,49% de abstenção, e Rabo de Peixe (concelho daRibeira Grande), com 74,38%, foram as que devolveram mais boletins de voto por utilizar.
Rabo de Peixe, então, foi mesmo o local do país onde as Legislativas mais passaram ao lado dos moradores (apenas 1999 dos 7804 inscritos foram votar).
A juntar a isto, o facto de oito dos 10 concelhos onde a abstenção foi mais alta se situarem no arquipélago, com Ribeira Grande (62,34%) à cabeça, seguida de Vila Franca do Campo (61,38%), Vila do Porto (59,78%), Povoação (59,62%), Calheta (59,20%), Velas (57,31%), Vila Praia da Vitória (57,04%) e Lagoa (56,79%). Só Melgaço (Viana do Castelo) e Vimioso (Bragança) se intrometeram no top10, com 59,94% e 57,46%, respetivamente.
Portanto, das pouco mais de 100 mil pessoas (100 883, para ser preciso), 36 mil escolheram a coligação PSD/CDS/PPM, a grande vencedora, ao conseguir eleger três deputados, mas a perder pouco mais de 5 mil votos. Ou seja, a coligação nos Açores acompanhou a AD a nível nacional, ao aumentar o número de mandatos, mas, em contraciclo com o que se registou a nível nacional, perdeu votos, em relação ao ato eleitoral anterior (2024).
O PS foi, nos Açores como
no continente, o grande derrotado, perdendo o segundo deputado (apenas
Francisco César representará os socialistas açorianos na Assembleia da
República) e votos (quase oito mil). Ainda assim, aguentaram o segundo
lugar, perante a rápida aproximação do Chega, que voltou a eleger e
conquistou mais de 6 mil eleitores.
A trajetória de subida do partido
liderado a nível regional por José Pacheco é ainda mais impressionante
quando se abre o escopo de análise a 2019, ano da primeira vez que o
Chega figurou nos boletins de voto: dos 709 votantes para os atuais 23
mil.
Em contrapartida, o PS perdeu 10 mil eleitores no espaço de seis anos. Apesar de, nas Legislativas de 2019 PSD, CDS e PPM terem se candidatado individualmente, os votos somados de então (29 mil) foram inferiores aos obtidos no domingo (36 mil).
E do dia 18 de maio, outra ilação que se retira é o número de freguesias que viraram para o Chega: depois de em 2024, o partido de José Pacheco ter conseguido vencer nas Feteiras e na Ajuda da Bretanha (Ponta Delgada), anteontem somaram 25 freguesias. E excetuando os Cedros (Santa Cruz das Flores), as restantes foram todas na ilha de São Miguel, principalmente nos concelhos de Ponta Delgada (12 das 24 freguesias), Lagoa (quatro das cinco), Ribeira Grande (seis das 15), Vila Franca do Campo (duas das seis) e Povoação (uma das seis).
Em sentido contrário, o PS só conseguiu ser o partido mais votado em 11 freguesias, apenas quatro em São Miguel.
Das restantes freguesias, a coligação venceu 119 - com total domínio na Graciosa, Faial, São Jorge e Santa Maria - havendo um dado curioso: empate técnico no Pico da Pedra, freguesia da Ribeira Grande, com o Partido Chega.
Passemos agora a uma análise mais fina pelos concelhos e freguesias da ilha de São Miguel.
PONTA DELGADA
No
maior concelho dos Açores, a coligação ganhou, mas perdeu cerca de 1500
votos, os mesmos que o PS viu “voar”, no seu trambolhão para terceira
força política. O Chega, esse, reforçou massivamente a sua base
eleitoral, passando a segunda força mais votada, com 7509, um
crescimento assinalável (38%), conquistando mais 2100 votos.
Em
termos de freguesias, foram as citadinas que “salvaram” o PSD/CDS/PPM de
perder a “jóia da coroa” para o ciclone Chega que varreu as freguesias
rurais. Livramento, São Roque, Fajã de Baixo, São Pedro, São Sebastião,
São José, Santa Clara, Relva, Mosteiros, Sete Cidades, Santo António e
São Vicente Ferreira foram onde a coligação terminou em primeiro lugar
na contagem final, as restantes 12 foram vencidas pelo partido de José
Pacheco, incluindo a segunda mais populosa da ilha, Arrifes, feudo
socialista onde o partido de Francisco César foi a terceira força mais
votada, com apenas 20% dos votos.
LAGOA
Uma das grandes surpresas da noite: a Lagoa já não se tinha pintado de rosa em 2024 (vitória da AD), mas no domingo o autocarro da viragem continuou mais para a direita e só parou no Chega, por uma diferença de 47 votos! O PS, que em 2022 tinha tido mais de 2 mil votos, continuou com a sua derrocada, caindo para terceiro, com 1511 votos. Já o Chega tem uma ascensão meteórica: de 344 votos em 2022, chegou aos 1652, mais 380%!
Das
cinco freguesias, o Chega venceu quatro (Cabouco, Santa Cruz, Água de
Pau e Ribeira Chã), falhando apenas no Rosário (PSD/CDS/PPM)
VILA FRANCA DO CAMPO
Se a vitória na Lagoa surpreendeu e foi à justa, o que dizer do triunfo do Chega na antiga capital da ilha? Sete (7!) votos apenas fizeram tombar Vila Franca para o partido de José Pacheco, deixando o PS bem longe, no terceiro lugar.
Ainda assim, a coligação foi a que conquistou mais
freguesias (três, nomeadamente São Pedro, São Miguel e Ribeira Seca),
com o Chega a ficar com as extremidades (Água de Alto e Ponta Garça) e o
PS a conseguir uma das poucas vitórias de domingo na Ribeira das
Taínhas.
POVOAÇÃO
Por 102 votos, PSD/CDS/PPM voltaram a
merecer a confiança da maioria dos votantes do concelho, à frente do
Chega, que ultrapassou o PS como segunda força política graças a 24
boletins de voto.
No entanto, os socialistas conseguiram na Povoação
a vitória em três freguesias (Ribeira Quente, Faial da Terra e Água
Retorta), deixando para a coligação as freguesias de Nossa Senhora dos
Remédios e Povoação, com Chega a conquistar a importante freguesia das
Furnas.
NORDESTE
Vitória folgada da coligação,
repetindo-se o “pódio” de há 1 ano, com PS a segurar o segundo lugar
perante o crescimento do Chega. Em termos de freguesias, vitória em toda
a linha do PSD/CDS/PPM, conquistando as nove mesas de voto: Salga,
Achadinha, Achada, Santana, Algarvia, Santo António Nordestinho, São
Pedro Nordestinho, Lomba da Fazenda.
RIBEIRA GRANDE
A Coligação venceu no importante concelho da Ribeira Grande, mas não sem um susto. PSD/CDS/PPM perderam 500 votos (o PS, por sua vez, viu desaparecer mais de 600), ao passo que o Chega conquistou mais de 1000, ficando no segundo lugar, a menos de 200 dos vencedores.
Quanto a freguesias, oito para PSD/CDS/PPM, seis para o Chega e um empate entre ambos no Pico da Pedra.