Açoriano Oriental
Colégio do Castanheiro
A Revolução Russa e a sua influência nos direitos das mulheres

 

A Revolução Russa e a sua influência nos direitos das mulheres

Autor: Cíntia Viveiros Sousa (Aluna do 12.º ano de Humanidades)

A Revolução Russa de 1917 foi um dos eventos mais significativos do século XX, tendo como resultado final a queda do czarismo e a ascensão do primeiro governo socialista russo. Dividida entre a Revolução de Fevereiro e a de Outubro, esta segunda liderada pelos bolcheviques, transformou a Rússia política e socialmente.
Esse movimento transformou profundamente a Rússia, ao substituir a autocracia por um Estado baseado nos ideais marxistas, trazendo mudanças radicais nas estruturas políticas, económicas e sociais. A nova ideologia socialista também trouxe mudanças significativas para os direitos das mulheres, incentivando a igualdade de género, o acesso à educação e ao trabalho, além de garantir direitos políticos, como o voto, o que representou um avanço sem precedentes na emancipação feminina.


A situação das mulheres na Rússia nas primeiras décadas do século XX

Antes da Revolução Russa de 1917, a situação das mulheres era marcada por desigualdades significativas em relação ao género masculino, abrangendo tanto
aspetos sociais e políticos, como económicos e educacionais. A sociedade russa era fortemente patriarcal e dominada pela Igreja Ortodoxa, que consolidava os papéis de género tradicionais e restringia as liberdades femininas.

As mulheres russas viviam com a ausência de direitos políticos (não tinham direito ao voto, nem a qualquer participação política); a repressão de movimentos feministas; as condições de trabalho precárias (as mulheres trabalhavam em condições duras, a desempenhar trabalhos mal remunerados e perigosos, muitas vezes durante mais de 12 horas); o acesso limitado à educação e virado para o lar (apesar de o acesso ser restrito, muitas vezes era apenas com o objetivo de tornar as mulheres boas mães e boas donas de casa); o papel submisso ao casamento (as mulheres eram vistas, pela religião e pela tradição, como submissas aos seus maridos, para além de ser extremamente difícil obter o divórcio); a gravidez e maternidade (eram vistos como os principais papéis das mulheres) e, por fim, o controlo religioso sobre as mulheres (a Igreja Ortodoxa desempenhava um papel central na vida social russa e, mais concretamente, das mulheres e estas viam-se muito dependentes das regras religiosas).

Embora esta fosse a realidade da maioria das mulheres no Império Russo, havia um crescente movimento feminista e socialista, vindo principalmente das mulheres de classe média ou alta. Algumas mulheres intelectuais começaram a lutar pelo acesso à educação, por condições de trabalho justas e pela participação na vida política. Várias mulheres começaram a participar em movimentos revolucionários, como os social-democratas e os socialistas-revolucionários, apesar de muitas vezes estes movimentos serem reprimidos pelo governo czarista.


A participação feminina na Revolução de Fevereiro


Na Revolução de Fevereiro de 1917, as mulheres tiveram um papel fundamental, especialmente em greves e protestos que levaram à queda do czar. No dia 23 de fevereiro, milhares de mulheres saíram às ruas de Petrogrado para exigir pão e lutar por melhores condições de vida. Estas manifestações foram-se intensificando, com cada vez mais mulheres a unirem-se, fazendo greves e protestos, pressionando assim o governo czarista. A crescente insatisfação resultou na abdicação do czar Nicolau II a 2 de março, destacando-se o papel crucial das mulheres na busca por transformações sociais e políticas na Rússia.

Durante a Revolução de Fevereiro de 1917, as mulheres apresentaram demandas importantes que refletiam as suas lutas por melhores condições de vida e trabalho. Exigiram salários justos, redução da carga horária e ambientes de trabalho mais seguros. Muitas mulheres opunham-se à participação da Rússia na Primeira Guerra Mundial, pedindo o fim do conflito. Além disso, lutavam pela igualdade de género e pelo direito ao voto e à participação na política. Estas exigências não abordavam apenas questões imediatas, mas expressavam um desejo permanente por transformações sociais e políticas.


Mudanças introduzidas pelo governo bolchevique


As mudanças introduzidas pelo governo bolchevique, após a Revolução de Outubro de 1917, foram significativas e tiveram um impacto profundo na sociedade russa. Focaram-se na promoção de direitos civis e políticos. O direito ao voto foi amplamente expandido, com a implementação do voto universal, incluindo a garantia do direito das mulheres a votar, que foi estabelecida em 1918. O divórcio foi facilitado, promovendo assim a autonomia das mulheres. A igualdade no trabalho foi acentuada com leis que asseguravam direitos iguais para homens e mulheres no local de trabalho, e a promoção de direitos das mulheres, como licenças de maternidade. O governo bolchevique também promoveu a liberdade de expressão e o reconhecimento dos direitos das minorias étnicas, permitindo que grupos como os tártaros e ucranianos mantivessem as suas culturas e línguas. Por fim, foram implementadas medidas voltadas para a educação e saúde, como a educação pública gratuita e universal, e a ampliação do acesso a serviços de saúde, proporcionando atendimento médico a todos os cidadãos, independentemente da sua condição socioeconómica.

Para além disso, o governo bolchevique legalizou o aborto em 1920, tornando-se um dos primeiros países do mundo a fazê-lo. A legalização do aborto foi vista como
uma forma de promover a liberdade e os direitos da mulher, permitindo-lhes tomar decisões sobre os seus corpos. O governo bolchevique também incentivou a educação sexual e o planeamento familiar, dando a conhecer métodos contracetivos e saúde reprodutiva. Isto tudo levou à quebra de tabus (sobre sexualidade e maternidade), ao empoderamento das mulheres (permitindo-lhes tomar decisões sobre o seu corpo) e ao acesso a serviços de saúde (com a criação de clinícas com profissionais de saúde para realizar o aborto de forma segura).


O Zhenotdel: Organização Feminina Soviética
O Zhenotdel, que significa Departamento de Mulheres, foi criado em 1919 como parte do Partido Comunista da Rússia (bolchevique). O seu objetivo era promover os direitos das mulheres e garantir que elas tivessem um papel ativo na nova sociedade socialista (que defendia uma sociedade mais igualitária). A organização reconheceu a importância da igualdade entre os géneros e deu voz às mulheres dentro do partido, abordando problemas como desigualdade e discriminação.

Entre as principais ações do Zhenotdel estavam a criação de creches, que permitiram que as mulheres trabalhassem fora de casa sabendo que os seus filhos estavam a ser bem cuidados. A organização também lutou pela educação das mulheres, facilitando o acesso a escolas e programas de formação, ajudando-as a qualificarem-se para empregos que antes eram ocupados apenas por homens. Para além disso, trabalhou para melhorar as condições de trabalho, pedindo salários justos e ambientes seguros.

Essas iniciativas não só melhoraram a vida das mulheres, mas também ajudaram a mudar os seus papéis na sociedade soviética, promovendo um ambiente mais igualitário e inclusivo.


Retrocesso da igualdade de género durante o governo de Estaline

Nos anos 1930, as políticas de género na União Soviética sofreram um retrocesso significativo em relação às conquistas iniciais obtidas após a Revolução de Outubro de 1917. Esse período foi marcado por mudanças na forma como o governo bolchevique abordava a questão dos direitos das mulheres e o seu papel na sociedade.

O encerramento do Zhenotdel, o departamento do Partido Comunista dedicado às questões femininas, em 1930, refletiu uma desvalorização das questões de género. Além disso, houve uma prioridade crescente no papel da mulher como mãe e cuidadora, com o governo a promover a maternidade como um dever patriótico. Essa mudança levou a uma diminuição da participação das mulheres noutras áreas, como o trabalho e a política. A criminalização do aborto em 1936 foi um ponto importante nesse retrocesso, anulando a legalização anterior de 1920. Essa medida tinha como objetivo aumentar a população soviética, mas resultou num aumento de abortos clandestinos e inseguros, colocando em risco a saúde das mulheres e os seus direitos reprodutivos. Assim, as políticas de género dos anos 1930 mostraram uma mudança na abordagem do governo, priorizando metas demográficas em vez de respeitar os direitos das mulheres.

Nos anos 1930, a família tradicional tornou-se importante na União Soviética, e as mulheres foram incentivadas a ser mães e donas de casa. O governo valorizou a maternidade como um dever patriótico, desvalorizando o trabalho feminino e desencorajando a sua participação no mercado. A educação foi voltada para esses papéis e políticas como licenças de maternidade foram criadas para aumentar o número de filhos. Essa mudança fez com que mulheres que não seguiam esse modelo enfrentassem estigmas sociais, limitando as suas opções e retrocedendo nos direitos femininos.


Impacto internacional


As mudanças para as mulheres na União Soviética nas primeiras décadas do século XX serviram de inspiração para movimentos feministas noutros países. Não nos podemos esquecer de que o comunismo tem vocação internacional, ou seja, defende uma política sem fronteiras. A legalização do aborto em 1920 e as políticas de direitos reprodutivos, além da ênfase na educação e no trabalho feminino, mostraram que as mulheres poderiam ter mais autonomia e que poderia haver igualdade de género. Essas conquistas foram vistas como um modelo de emancipação feminina, motivando ativistas em lugares como a Europa e América Latina a lutarem por direitos semelhantes. A propaganda soviética também apresentou as mulheres em papéis ativos na sociedade e na economia, influenciando a ideia de que as mulheres deveriam ocupar espaços antes dominados por homens. Assim, as experiências da União Soviética ajudaram a estimular discussões sobre os direitos das mulheres e a autonomia feminina em várias partes do mundo, inspirando ações e políticas em diferentes contextos.

A presença de mulheres em cargos de poder na União Soviética teve um grande impacto na forma como as pessoas viam o papel da mulher. Após a Revolução de Outubro de 1917, muitas mulheres começaram a assumir posições importantes na política e na sociedade. Figuras como Alexandra Kollontai, que foi a primeira mulher a ocupar um cargo ministerial, ajudaram a mostrar que as mulheres podiam liderar e tomar decisões importantes. Essa representação das mulheres desafiou as normas tradicionais em vários países. Ao provar que as mulheres podiam ocupar posições de liderança, a União Soviética inspirou movimentos feministas pelo mundo. Isso ajudou a ampliar a discussão sobre igualdade de género, promovendo a ideia de que as mulheres deveriam ter as mesmas oportunidades que os homens em áreas como política, negócios e educação. Assim, a imagem da mulher começou a mudar, sendo vista não apenas como cuidadora, mas também como líder e agente de mudança.

Em suma, a Revolução Russa trouxe avanços importantes para a luta dos direitos das mulheres, como a legalização do aborto em 1920, o direito ao voto e o acesso à educação e ao trabalho. O governo bolchevique apoiou a igualdade de género e encorajou as mulheres a ocuparem papéis ativos na sociedade.

Essas mudanças deixaram um legado importante, tanto na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, como noutros lugares. Como tal, a Revolução Russa é um marco na história do feminismo, mostrando que a luta pela igualdade pode resultar em conquistas reais. Essas vitórias inspiraram movimentos feministas em todo o mundo e ajudaram a mudar a percepção sobre o papel das mulheres, reforçando a importância da autonomia feminina.


Foto: Manifestação no Dia Internacional da Mulher, em 1917 em São Petersburgo, in RTP, disponível no link: https://www.rtp.pt/noticias/mundo/a-face-feminina-da-revolucao-russa-historia-de-uma-emancipacao-efe...

PUB
Regional Ver Mais
Cultura & Social Ver Mais
Açormédia, S.A. | Todos os direitos reservados