Açoriano Oriental
“A cerâmica surgiu no momento certo da minha vida. Eu sinto-me realizada”

Isabel Silva Melo descobriu na cerâmica a sua verdadeira vocação artística aos 50 anos, tendo encontrado no barro e na criação figurativa uma forma de expressão e equilíbrio emocional, conciliando a arte com a docência e o papel de mãe de três filhas


“A cerâmica surgiu no momento certo da minha vida. Eu sinto-me realizada”

Autor: Ana Carvalho Melo

Isabel Silva Melo é uma ceramista que descobriu a sua verdadeira vocação artística numa fase mais madura da sua vida. A sua trajetória é marcada por uma ligação profunda à terra, à família e à arte.

Desde tenra idade, Isabel Silva Melo desenvolveu uma afinidade com a criação artística, e o barro, que descobriu no barreiro da quinta onde cresceu, desempenhou um papel importante na sua veia criativa.

“O meu pai mostrou-me o barreiro na nossa quinta, e eu ia lá de sachinho tirar o barro para brincar”, recorda-se com um sorriso.

Após concluir o ensino secundário, Isabel Silva Melo decidiu seguir a sua paixão pelas artes. Estudou Belas Artes e Escultura no Porto, onde viveu anos que descreve como “fantásticos em termos de aprendizagem, trabalho e convívio”.

Contudo, com o nascimento da sua filha mais velha, Mariana, Isabel Silva Melo começou a sentir que apenas lecionar não preenchia totalmente a sua realização pessoal e artística. Fez uma pós-graduação em Joalharia, mas as exigências da maternidade e a necessidade de mudança levaram-na de regresso aos Açores, onde continuou a dar aulas no ensino secundário.

“Durante muitos anos, a minha vida era dar aulas e cuidar das miúdas. Fiz questão de que elas frequentassem muitas atividades, e como tal, não tinha horário para fazer mais nada”, explica, realçando que se sente muito feliz com o caminho seguido por cada uma das suas filhas: Mariana, Carolina e Leonor.

Durante duas décadas, realizou apenas algumas pinturas para oferecer a amigos e familiares. Foi apenas aos 50 anos, em grande parte devido a razões financeiras, que Isabel Silva Melo reencontrou o barro de uma forma mais séria. Um reencontro que a escultora afirma ter surgido no momento certo da sua vida, já que o acompanhamento das suas filhas foi a prioridade durante grande parte do seu percurso.

Começou por fazer pequenos presépios de lapinha, uma tradição açoriana, e rapidamente se viu envolvida no mundo do artesanato, começando também a fazer trabalhos em escamas de peixe.

Em 2017, após frequentar um workshop de cerâmica orientado pelo ceramista Delfim Manuel no Museu Carlos Machado, Isabel Silva Melo percebeu que a cerâmica seria o seu novo caminho.

“Nunca, até então, tinha equacionado a vertente da cerâmica... Após esta formação, o meu mundo mudou”, afirma com emoção.

Desde essa experiência, Isabel Silva Melo nunca mais parou. Inscreveu-se como artesã no Centro Regional de Artesanato e, desde 2017, é uma artesã certificada na área da cerâmica figurativa.

Os seus trabalhos são marcados por uma mistura entre o tradicional e o contemporâneo, uma dualidade que Isabel Silva Melo abraça com naturalidade.

“São trabalhos que tendem a entrar em alguma abstração, mas que foram muito bem aceites pelo público”, explica, mencionando as suas criações de representações de Santo António numa série dedicada ao Sermão de Padre António Vieira, ou a série “Os Emigrantes”, inspirada no conhecido quadro de Domingos Rebelo.

“O que distingue os trabalhos dos ceramistas são os rostos. Conseguimos identificar os ceramistas entre si pelos rostos que tendem a ser parecidos com os nossos”, diz. Atualmente, está a trabalhar numa série inspirada pela “Ode Marítima”, de Fernando Pessoa. “Desde pequena que ouço o som dos barcos a saírem dos portos. E agora estou a trabalhar sobre o mar. Já fiz uma escultura e agora vou fazer outra que representa a relação entre Santa Maria e São Miguel, que nos vemos tenuemente, e depois as ilhas do Triângulo. No total, serão três peças”, descreve.

A cerâmica não é apenas uma forma de expressão artística para Isabel Silva Melo, mas também uma forma de equilíbrio emocional. Quando algo corre mal no atelier, a escultora revela que encontra refúgio na natureza, na quinta onde vive, e que considera fundamental para o seu bem-estar.

“Calço as botas de cano, mudo vasos, sacho, tiro ervas daninhas”, diz, referindo-se às pequenas rotinas que lhe trazem paz.

Com um percurso que se distingue pela autenticidade e dedicação, Isabel Silva Melo foi premiada com o Prémio Nacional de Artesanato na categoria de Empreendedorismo Novos Talentos em 2020.

“Eu nunca imaginei ganhar aquele prémio, senti-me muito orgulhosa de mim”, admite.

Ao longo da sua carreira, a artista já apresentou os seus trabalhos em diversas exposições coletivas, algumas integradas no Coletivo 18, como “Ser Mulher”, no Aviz Trade Center, no Porto, ou “Os Lusíadas”, no Palácio Nacional de Mafra. Também participou em exposições em Ponta Delgada, como “No Feminino”, com curadoria de Alexandra Baptista, no Centro Municipal de Cultura de Ponta Delgada, e em várias feiras de artesanato, tanto nos Açores como no continente.

Atualmente, Isabel Silva Melo concilia a criação artística com a docência e os compromissos familiares, sentindo-se realizada em ambas as áreas.

“Eu sou uma mulher feliz. A vida tem sempre os seus imprevistos, mas sinto-me realizada enquanto mãe e por ter um ateliê tão bonito como eu nunca sonhei”, reflete.

Com o sonho de construir uma casa prefabricada na quinta para receber as suas filhas, Isabel Silva Melo continua a trilhar o seu caminho, sem nunca esquecer o equilíbrio entre a arte, a natureza e a família.

PUB
Regional Ver Mais
Cultura & Social Ver Mais
Açormédia, S.A. | Todos os direitos reservados