A pressão exercida por pragas como coelhos, lagartos, roedores e, sobretudo, aves continua a colocar em risco a produção de uva no Pico, mesmo num ano considerado excecional em quantidade nos Açores. Apesar de em 2025 ter registado valores superiores a um milhão de quilos, contrastando fortemente com os pouco mais de quatrocentos mil quilos produzidos em 2021, o impacto das pragas permanece notório e sentido no rendimento dos viticultores.
O vitivinicultor André Ribeiro, que trabalha vinhas em diferentes zonas do Pico, em declarações ao Açoriano Oriental, afirma que as quebras variam amplamente de local para local, oscilando entre perdas ligeiras de 15% e acontece igualmente prejuízos superiores a 50%, afetando de forma desigual as parcelas ao longo da ilha, numa realidade descrita pelos agricultores como heterogénea e imprevisível.
O produtor aponta precisamente essa assimetria como uma das maiores dificuldades enfrentadas pelo setor. Explica que, num mesmo ano, pode registar danos muito baixos numa parcela e perdas drásticas noutra, sem que exista um padrão claro. Ainda assim, reconhece que o volume excecional de produção em 2025 acabou por diminuir a perceção dos prejuízos, embora estes tenham ocorrido da mesma forma. Segundo afirma, num ano fraco, qualquer ataque é devastador, pois “se o pássaro comer 50 quilos por alqueire leva quase tudo”. Num ano abundante, o impacto sente-se menos, mas continua a representar quebras relevantes na contabilidade final.
Embora algumas pragas tenham mostrado menor incidência este ano, como é o caso dos coelhos, outras espécies mantiveram ou até reforçaram o seu peso na destruição das uvas. André Ribeiro identifica sobretudo o melro-preto e o trocaz como principais atores dos prejuízos nas suas vinhas, relatando casos extremos em zonas como São Caetano, onde alguns produtores não chegaram sequer a vindimar. Noutras áreas, como a Baía de Canas, a situação é descrita como “quase impossível”, com ratos e aves a destruírem a totalidade da produção, mesmo num ano particularmente favorável ao crescimento da uva.
As respostas disponíveis aos agricultores permanecem limitadas, explica André. A legislação impede, por exemplo, o abate do melro-preto, uma espécie protegida, cuja população, segundo os produtores, se encontra “descontrolada”. Esta restrição, associada à falta de alternativas eficazes, dificulta o controlo dos danos.
Ainda assim, André Ribeiro
acredita que a solução deve passar por estratégias integradas que
promovam maior diversidade agrícola. Refere a possibilidade de
introduzir árvores de fruto ou culturas que atraiam as aves para fora
das vinhas durante o período crítico de maturação, um método antigo
ainda visível em algumas explorações, onde existiam madressilvas,
araçás, figos ou frutos que amadureciam em simultâneo com a uva,
desviando parte da fauna. No entanto, insiste que estas hipóteses
carecem de validação científica e de um estudo aprofundado sobre hábitos
alimentares e ciclos de vida das espécies envolvidas.
Grupo de Trabalho criado
É precisamente para responder a esta necessidade de conhecimento que o Governo Regional dos Açores decidiu criar um grupo de trabalho pluridisciplinar destinado a avaliar de forma detalhada o impacto das pragas na viticultura e a propor medidas concretas para a sua mitigação, conforme publicado em Jornal Oficial.
Este grupo, que integrará entidades públicas, cooperativas, associações de produtores, investigadores da Universidade dos Açores e especialistas em avifauna, terá 180 dias para apresentar um relatório com recomendações práticas. A coordenação ficará a cargo do Instituto da Vinha e do Vinho dos Açores (IVV Açores).
A medida surge na sequência de anos consecutivos em que a produção vitivinícola tem sido ameaçada por perdas significativas, com exceção de 2025, afirma o Executivo Regional.
