Maioria das pessoas que se suicidaram em São Miguel não teve acompanhamento

Psiquiatra João Mendes Coelho analisou os dados dos suicídios registados na ilha de São Miguel nas últimas duas décadas e afirma que o acesso aos cuidados de saúde mental tem de ser facilitado, bem como uma aposta na prevenção escolar



Os resultados do estudo “Caracterização da população suicida na janela temporal entre 2001 e 2021 na ilha de São Miguel”, da autoria do psiquiatra João Mendes Coelho, foram ontem apresentados no primeiro dia do seminário “Suicídio sem Tabus”, promovido pela Unidade de Saúde da Ilha de São Miguel.

E os que os números revelam das duas últimas décadas são assustadores, com a ilha a acompanhar a tendência regional de aumento de casos, em claro contraciclo com o registado no continente.

“Portugal mantém ou até reduz ligeiramente as taxas de suicídio por 100 mil habitantes/ano, aqui em São Miguel, em particular, estamos bastante acima. Para o conjunto do país, temos 8,9 mortes por suicídio por 100 mil habitantes; aqui na Região temos 14,7 e, especificamente para São Miguel, estamos com 16,4, ou seja, quase o dobro da taxa do país”, explica o psiquiatra do Hospital do Divino Espírito Santo, de Ponta Delgada.

O estudo, que ainda não foi publicado, faz uma caracterização dos casos de suicídio em São Miguel nos últimos 20 anos, permitindo a quem tem responsabilidades na matéria identificar os padrões para depois atuar e prevenir.

“O que fomos identificando aqui é que temos um padrão de distribuição do suicídio que acontece em faixas etárias muito mais jovens e em pessoas que têm problemas psiquiátricos, como a depressão, mas também um consumo de álcool e drogas muito elevado. O que o estudo aponta é que é preciso intervir em populações mais jovens e sobretudo neste subgrupo de pessoas que tem problemas psiquiátricos e também com o álcool e com as drogas”.

E não há uma prevalência de uma dependência sobre a outra: em 57% dos indivíduos há perturbações afetivas, onde se inclui a depressão, a doença bipolar; e também para o mesmo número (57%), há perturbação do uso de droga e álcool.

“O mais frequente é este padrão: acontece mais em homens, jovens entre os 25 e os 45 anos, que têm tanto uma depressão que pode estar diagnosticada ou não - e aí é pior quando não está diagnosticada porque também não está a ser feita uma intervenção - que concomitantemente também tem problemas com álcool e drogas. Isto acontece sobretudo em Ponta Delgada, em pessoas que trabalham no terceiro setor, até estão empregadas - algumas estão desempregadas”.

Do estudo realizado, João Mendes Coelho destaca que 70% da população que cometeu suicídio não teve qualquer tipo de acompanhamento psiquiátrico ou psicológico. “É um fator que o estudo releva e que é importante mudar: o acesso aos cuidados de saúde mental tem de ser facilitada, tem de ser aumentada”.

Na sua opinião, atendendo ao perfil dos suicídios na ilha de São Miguel, é importante haver uma atuação nas escolas, de forma a haver uma deteção precoce de situações de risco.

Para isso, João Mendes Coelho concorda que se dê formação a professores, assistentes sociais e educadores para detetarem precocemente problemas de saúde mental no geral, onde o risco de suicídio é acrescido.

“Este é o mote principal: intervenção precoce, ainda para mais aqui na Região temos o suicídio a ocorrer cedo na vida das pessoas e eu defendo que a intervenção em idade escolar e no início da idade adulta tem que ser entendido como particularmente prioritário”.

PUB