Açoriano Oriental
Série Açores estrangula futebol sénior açoriano
Desde a sua criação, na temporada 1995/1996, que o número de clubes seniores nos Açores tem vindo a diminuir. Além disso, a prova já fez com que o futebol acabasse nas ilhas de Santa Maria e Flores, além de ter contribuído para o encerramento de alguns clubes – nomeadamente equipas seniores – e para o estrangulamento financeiro que afecta todos os clubes que participam ou já passaram pela Série Açores

Autor: Arthur Melo
O futebol regional, no caso concreto o sénior, atravessa graves dificuldades há largos anos, onde a diminuição de equipas tem sido uma constante ao longo da última década.
A tão propagada crise também se reflecte no “desporto rei” e os Açores não têm sido uma excepção. O decréscimo do número de equipas seniores tem vindo a aumentar de época para época, apontando-se como factores para o fenómeno que temos vindo a assistir, a gritante falta de apoios que os clubes que militam em provas de índole regional não têm, assim como as elevadas apostas financeiras feitas quando algum destes clubes ascende à III Divisão Nacional – Série Açores.
Por outro lado, clubes com parcos recursos financeiros que ascendem aos Nacionais têm cometido autênticas loucuras, que os conduzem posteriormente à extinção ou encerramento de alguns escalões, com principal incidência no de seniores.
Antes da temporada de 1990/1991 – altura em que deixou de haver a restrição ao número de clubes açorianos na III Divisão Nacional Série E –, apenas a ilha do Corvo não possuía equipas de futebol. À data, quando o Vilanovense (apurado após a realização da extinta Taça dos Campeões Açorianos, prova disputada entre os vencedores das três associações) se tornou na primeira equipa regional a ascender aos Nacionais, existiam no universo das oito ilhas açorianas um total de 68 equipas de futebol sénior. Volvidos dezassete anos (agora, os clubes campeões de cada uma das três associações de futebol ascendem à Série Açores), apenas existe futebol sénior em seis das nove ilhas do arquipélago, num total de 42 equipas (números relativos à época 2007/2008).

Casos mariense e florentino
Ao “deserto” futebolístico que já era o Corvo juntaram-se as ilhas de Santa Maria e das Flores, onde o futebol sénior deixou de existir.
Na “ilha do sol”, os quatro populares clubes que animavam as hostes locais – Marienses, Gonçalo Velho, Asas do Atlântico e Clube Ana – encerraram as respectivas equipas seniores e, logo depois, extinguiram todo o seu futebol, em protesto contra a discriminação que alegaram terem sido alvo por parte da direcção da Associação de Futebol de Ponta Delgada (AFPD).
A “gota de água” foi o “impedimento” do Marienses de ocupar o lugar em aberto na época (1995/1996) de estreia da Série Açores e que cabia a um clube da AFPD.
Campeão de São Miguel na época 1994/1995, o Desportivo de Vila Franca ganhou o direito de participar na prova directamente, segundo determinação da direcção da AFPD àquela data. O Marienses reclamou por direito próprio a subida (os seus dirigentes alegaram que tinham direito ao estatuto de vice-campeão da Associação) mas a direcção da AFPD ordenou a realização de dois encontros entre a equipa de Santa Maria e o segundo classificado do Campeonato de São Miguel. Apesar de ter perdido o primeiro encontro em Vila do Porto, o Águia deu a volta à eliminatória nos Arrifes, acabando por ascender à primeira edição da Série Açores.
Em uníssono, os clubes de Santa Maria revoltaram-se contra esta alegada discriminação e ainda antes da viragem do século/milénio o futebol naquela ilha já tinha desaparecido por completo.
As Flores, o local mais ocidental da Europa onde se praticava o “desporto rei”, perdeu esse estatuto após as loucuras financeiras feitas por Boavista e Minhocas, aquando das respectivas passagens dos clubes na Série Açores.
Entre as épocas de 2002/2003 a 2005/2006, dois populares clubes florentinos colocaram a ilha no xadrez futebolístico da Série Açores. Um feito assinalável que, todavia, não deixava de augurar um futuro cinzento para o futebol das Flores, por via das apostas efectuadas.
Com uma população na ordem dos cinco mil habitantes, Boavista e Minhocas (este apenas na temporada 2004/2005) efectuaram dispendiosas apostas em plantéis constituídos por jogadores de fora da Região, na tentativa de fazer face à pouca matéria- prima (jogadores) existente na ilha. Os poucos apoios existentes para duas colectividades cedo levaram Boavista e Minhocas ao endividamento e, consequentemente, ao seu encerramento, arrastando consigo todos os restantes clubes das Flores, estes por falta de adversários para a organização e disputa de um campeonato de ilha.
Parar para pensar
Se a Série Açores, logo no seu início, “matou” o futebol em Santa Maria e, mais recentemente, nas Flores, outros três clubes que por lá já militaram também se viram forçados a encerrar grande parte da sua actividade.
Desportivo de Vila Franca, Beira e agora o Santo António (ver caixa) são vítimas de uma competição que sempre causou celeuma e alguma discordância entre dirigentes, clubes e Associações.
Entendida como a solução ideal para que o futebol açoriano pudesse vingar no panorama do futebol português, o seu modelo competitivo tem sido alvo de acesa discussão, com uns a proporem a manutenção das actuais dez equipas (com alteração na sua forma de disputa), enquanto que outros defendem o alargamento para doze ou até mesmo catorze, como também já foi avançado.
O estrangulamento que dez equipas na Série Açores têm provocado nas competições seniores de ilha é um facto objectivo, bastante evidente quando se faz a leitura dos números (ver quadro em anexo). O seu alargamento implicaria que mais clubes se vissem obrigados a encerrar os seus escalões, atendendo à falta de equipas/jogadores para competirem nas provas de ilha.
Por outro lado, mais importante do que solucionar os problemas que grassam na dita competição (e são muitos), importava concretizar uma reflexão sobre os clubes que militam nas provas de ilha. Os custos são cada vez mais elevados, os apoios raramente surgem e a “carolice” começa a desaparecer, atendendo a que aos dirigentes açorianos são exigidos sacrifícios que os tempos actuais já não toleram.
Se observarmos cuidadosamente o Quadro de Honra dos 35 clubes que já passaram (ou ainda estão) na Série Açores, serão poucos aqueles que podemos identificar que possam respirar alguma saúde financeira. A sua maioria vive mergulhada em dívidas e passivos avassaladores, debatendo-se diariamente com problemas de tesouraria para poder sustentar as camadas mais jovens em actividade, os grandes prejudicados das ambições desportivas desmesuradas que deixaram enormes buracos financeiros nas colectividades.
Promover o atleta açoriano, o treinador regional e trilhar caminhos competitivos mais altos para o futebol do arquipélago foram os princípios e objectivos que estiveram por detrás da criação da Série Açores em meados da década de 90 do último século/milénio.
Decorridos quase 20 anos desde a sua criação, apenas um clube açoriano conseguiu alcançar o mais alto patamar do futebol português. Apesar disso, os constrangimentos financeiros com que se debate o Santa Clara são do conhecimento público, e outros há que, embora nunca tenham passado da II Divisão, como é o caso do Lusitânia (com um passivo a rondar os cinco milhões de euros), enfrentam o cenário de poder encerrar o escalão sénior.
Estes são casos excepcionais de loucuras financeiras cometidas nos patamares competitivos acima da Série Açores. Mas Desportivo de Vila Franca, Sporting Ideal, Mira Mar, Desportivo Velense, Boavista (Flores), Marítimo (Graciosa), Vitória (Pico), Lajense (Pico), Nordestinho, Beira, Minhocas e Marítimo Velense são apenas casos de sobrevivência – ou extinção – cujos problemas tiveram a sua génese nas participações (alguns de apenas uma época) pela Série Açores, um campeonato nacional de índole regional – o que muitos apelidam de quinta divisão do futebol português.



Competição sobrevive à custa do Governo
Segundo Rui Santos, a Série Açores com 10 clubes custa à Região entre 500 a 600 mil euros por época. Este dinheiro serve para financiar as deslocações aéreas das equipas entre as diferentes ilhas e as estadias que alguns clubes têm de fazer.
O director regional do Desporto, aquando da última Gala do Desporto, afirmou que o Executivo vê com bons olhos o alargamento da competição até 12 clubes, mas dentro de 2 a 3 anos. Segundo afirmou na ocasião, o Governo está na disponibilidade de alargar o apoio à Série Açores até aos 800 mil euros época, caso o modelo competitivo que defende fosse adoptado.
Como adianta Rui Santos, o alargamento para 12 nos actuais moldes iria implicar um investimento de um milhão de euros em deslocações e estadias.
Os números apresentados são expressivos e, daqui, os clubes costumam retirar receitas para financiar os seus plantéis. Como? Constituindo comitivas mais pequenas quando viajam para outras ilhas (menos jogadores suplentes, ausência de massagista ou até de directores a acompanhar as equipas), assim como o esforço feito no sentido de se evitarem as estadias em outras ilhas, fazendo a viagem de ida e volta no próprio dia do jogo.
Além disso, os clubes recebem do Governo uma verba adicional mediante o número de jogadores açorianos que têm nos respectivos plantéis. Quanto mais açorianos, maior é o prémio. O último estudo encomendado pelo Governo sobre a Série Açores, há cerca de três anos, apontava para uma dependência na casa dos 60 por cento dos clubes em relação aos apoios públicos. A reduzida capacidade/iniciativa dos clubes em angariar outras fontes de receita foi a principal crítica apontada que, na altura foi sublinhado, isto é, viviam acima das suas posses e na dependência directa dos apoios governamentais!



Santo António: Campeão fecha equipa sénior
Cinco épocas após o inédito título conquistado (2002/2003), quatro após a passagem pela II Divisão Zona Sul (2003/2004), o Santo António é o primeiro campeão da Série Açores que fecha as portas da sua equipa sénior.
A passagem pelo segundo escalão do futebol português deixou marcas irreparáveis nas finanças do popular clube da costa norte do concelho de Ponta Delgada, apesar dos investimentos feitos à data não terem sido enormes. Todavia, os reajustes que foram feitos no grupo de trabalho liderado por Luís Cabral, na tentativa de evitar a inevitável descida de divisão, acabaram por causar mossa.
Nos anos consequentes à descida o clube conseguiu manter um patamar competitivo à altura dos pergaminhos conquistados mas começavam a ser notórias as dificuldades que o clube atravessava.
As apostas em jogadores e equipas técnicas açorianas tiveram o seu expoente máximo com a conquista do título de campeão da Série Açores – o primeiro de uma equipa oriunda de uma Freguesia e com um grupo cem por cento regional – e se a aposta para que assim fosse no escalão superior continuasse, porventura (embora este seja o campo dos “ses” que é sempre falível) o Santo António, à segunda ameaça, não teria sido obrigado a encerrar a equipa sénior.
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