Açoriano Oriental
Projeto Novas Rotas envolve a comunidade na construção da escola em São Miguel

Passado um ano sobre a sua implementação, em São Miguel, Açores, o projeto Novas Rotas continua a levar a comunidade para o ensino dos 43 alunos da escola, que conta agora com um espaço novo, construído por todos.


Autor: Lusa/AO Online

É com vista privilegiada sobre a costa norte da ilha de São Miguel que os 12 alunos do núcleo de autonomia do projeto Novas Rotas arrancam o ano letivo, na nova sala de aula.

O projeto funciona como um ramo da Escola Básica Integrada das Capelas, mas instalou-se num espaço cedido pela Quinta do Norte e usa uma nova metodologia de ensino, mais prática e mais flexível, aos 43 alunos da escola, com idades compreendidas entre os 3 e os 12 anos.

A coordenadora do Novas Rotas, Conceição Medeiros, explicou à Lusa que a iniciativa pretende ensinar o currículo de uma forma diferente: “Não há aulas, não há turmas definidas, não há professores fixos por disciplina – tudo é mais flexível, as crianças vão aprendendo o currículo através do desenvolvimento de projetos, projetos de vida, projetos de intervenção comunitária, de consciência planetária e também projetos académicos”.

Esta abordagem divide os alunos em dois núcleos: o de iniciação, para crianças em fase de alfabetização, que tem 13 alunos, e o da autonomia, para os 12 restantes alunos, mas conta, ainda, com Jardim de Infância, com 18 crianças, e, pela primeira vez este ano, com a valência de ATL.

Após um ano de funcionamento, o balanço é positivo, garante a coordenadora: ”O ano passado, apesar da falta de pessoal e de espaço, o balanço é positivo porque as nossas crianças aprenderam com gosto, aprenderam muito bem, e no final do ano nem queriam ir para férias”.

A falta de espaço próprio foi colmatada com o esforço de todos, num projeto que pretende construir uma comunidade educativa, e onde a comunidade constrói, também, a escola.

“Precisávamos de mais espaço. Tentámos ver, junto do Governo [Regional], uma série de soluções, mas não conseguimos. Então decidimos construir uma nova sala”, explicou à Lusa Mafalda Fernandes, mãe do Joaquim, de três anos.

O processo envolveu vários pais, mas também mais de uma dezena de voluntários, que responderam ao apelo feito numa plataforma 'online', provenientes de países como Chile, Espanha, Canadá, Inglaterra, Uruguai, Hungria, Israel e Austrália.

A empreitada contou, ainda, com o apoio de empresas privadas e da Câmara Municipal de Ponta Delgada e da Junta de Freguesia de Capelas, que comparticiparam na aquisição de materiais.

“Conseguimos voluntários de todo o mundo, que estiveram cá durante os meses de julho e agosto e ficaram a dormir na escola. Os pais organizaram-se em equipas semanais para ficar a organizar a comida, as dormidas, tudo para os voluntários sentirem-se em casa. Um dos pais coordenou as obras. Uns sabiam de umas coisas, outros sabiam outras, fomo-nos ajudando”, concretizou Mafalda.

Para a mãe do pequeno Joaquim, de três anos, interessou “o facto de os pais terem um papel ativo na escola".

"Como funcionamos como comunidade de aprendizagem, estamos aqui ativamente a par do que se vai passando, daquilo em que é preciso ajudar”, afirmou Mafalda, acrescentando que “o Joaquim já sente a escola como sua casa, uma vez que viemos aqui nas férias para ajudar a construir”.

“O Joaquim ainda é muito pequenino” para apontar o impacto da abordagem do projeto na aprendizagem, mas Mafalda nota que “os miúdos mais velhos foram percebendo a dinâmica do respeito pelo outro, de procurar saber mais através da pesquisa, o trabalho de equipa, toda essa dinâmica, que nas outras escolas é mais de individualismo e competição”.

É também essa a principal diferença que Carla Couto, professora de matemática, aponta. É professora há 24 anos, tendo lecionado no 3.º ciclo e secundário, e já há quatro anos que vinha a implementar mudanças na sala de aula, “com vista a chegar a todos os alunos e a que todos eles consigam ter sucesso”.

Notou logo melhorias, “porque aplicava um plano individual de trabalho e trabalho autónomo”.

“Quando isso acontece, os alunos estão a trabalhar cada um ao seu ritmo e eu posso ir junto de cada um e esclarecer as suas dúvidas. Por outro lado, aqueles que estão mais avançados também ajudam os colegas”, esclarece a professora.

“O grande problema da matemática é que, à partida, é o bicho papão e as crianças, quando chegam à escola, já têm esse preconceito”, afirma Carla Couto.

A educadora defende que “o trabalho do professor é um trabalho para autonomizar o aluno, não para criar dependência”, e acredita que “a autonomia e a aprendizagem fazem-se, não só com o professor, mas sempre entre pares – o trabalho entre pares é fundamental”, até porque “frente ao professor os alunos têm, por vezes, problemas em colocar questões, porque estão a ser avaliados”.

Além de alunos que traziam um passado de insucessos na matemática, no projeto Novas Rotas, que integra este ano a tempo inteiro, Carla Couto encontrou “muitos casos de alunos com inadaptação à escola”.

“A grande vantagem aqui é terem encontrado uma escola onde gostam de estar”, assegurou a professora.

Uma visão que é corroborada por vários alunos. Joana, de nove anos, gosta mais desta escola do que das outras duas que frequentou durante o ensino primário, porque, ali, “os professores não gritam”.

O mesmo não se pode dizer dos colegas. Quando questionado sobre de que é que mais gosta naquela escola, Francisco Sousa, de dez anos, gritou: “liberdade!”.


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