Com mais de um século de história, o Presépio do Prior Evaristo Carreiro Gouveia é uma das mais emblemáticas tradições natalícias da Ribeira Grande e um dos mais fortes símbolos da identidade cultural do concelho. Criado em 1915, este presépio singular atravessou gerações, regimes políticos e transformações sociais, mantendo-se como um ponto de encontro na vivência ribeiragrandense, explica o historiador Mário Moura ao Açoriano Oriental.
Este ano, o Presépio do Prior volta a abrir oficialmente ao público no dia 25 de dezembro, às 15 horas, numa cerimónia de inauguração que terá lugar no Museu Municipal da Ribeira Grande.
A abertura marca mais uma etapa na longa história de um presépio que, sem nunca perder a sua matriz tradicional, é hoje uma referência cultural visitada por milhares de pessoas ao longo de todo o ano.
Começo do Presépio do Prior
O Presépio do Prior da Ribeira Grande nasceu em 1915, num tempo em que não havia televisão nem rádio e em que as tradições religiosas e comunitárias assumiam um papel central na vida local. A iniciativa partiu do então prior da Igreja da Nossa Senhora da Estrela, na freguesia da Matriz, o padre Evaristo Carreiro Gouveia, nomeado pároco poucos anos antes, por volta de 1911.
Segundo o historiador Mário Moura, foi sob a orientação deste sacerdote que o presépio foi montado pela primeira vez na matriz da Ribeira Grande, envolvendo ativamente a Juventude Católica, também fundada pelo próprio Prior. As crianças da catequese eram responsáveis por inaugurar o presépio na noite de Natal, logo após a Missa do Galo, num ritual que rapidamente se enraizou na comunidade.
Desde cedo, o presépio
destacou-se pelo seu carácter inovador. Tornou-se um presépio
movimentado e mecanizado, algo praticamente inédito na ilha de São
Miguel à época, o que contribuiu para atrair visitantes de todo o
concelho e mesmo de fora dele. Excursões organizadas incluíam
obrigatoriamente a visita ao presépio, que permanecia aberto desde o dia
25 de dezembro até ao Dia de Reis, e por vezes ainda mais além,
inserindo-se na quadra natalícia na Ribeira Grande.
A importância do presépio no concelho da Ribeira Grande
Ao longo de décadas, o Presépio do Prior tornou-se um verdadeiro elemento identitário da Ribeira Grande. “Quando se falava no presépio do Senhor Prior, todos sabiam que era a Ribeira Grande e que era a Matriz”, recorda Mário Moura.
Para além da vertente religiosa e bíblica, o presépio integrou desde cedo uma dimensão local muito marcada. Representava edifícios emblemáticos do concelho, como o edifício da Câmara Municipal, o antigo Jardim Municipal, o Teatro Ribeiragrandense ou as Cavalhadas de São Pedro.
Havia também uma componente social e
económica relevante. O historiador explica que algumas empresas locais
patrocinavam quadros do presépio, numa forma primitiva de publicidade,
numa altura em que o número de visitantes chegava a atingir as 20 mil
pessoas. Jovens aprendizes de várias profissões participavam na
construção das estruturas, enquanto as roupas das figuras eram
costuradas pelas mães ou namoradas. Muitas das figuras originais foram
produzidas por ceramistas da Lagoa, incluindo o afilhado do prior.
Mesmo
durante períodos difíceis, como a década de 1970, marcada pela
emigração e pela Guerra do Ultramar, o presépio manteve-se como
referência cultural.
O Presépio do Prior hoje: tradição internacionalizada
A partir da década de 1980, o Presépio do Prior ganhou uma nova casa. Na sequência de um protocolo entre a Igreja e a Câmara Municipal, passou a estar instalado na antiga Casa da Cultura, hoje Museu Municipal da Ribeira Grande.
Atualmente, o presépio está montado de forma permanente e pode ser visitado ao longo de todo o ano, uma característica que o distingue de muitas outras representações natalícias, explica o historiador. Embora continue a ser renovado na quadra do Natal, com a introdução de novas figuras e cenários, já não é desmontado, assumindo-se como uma obra de arte popular viva e em constante transformação.
Se outrora reinou sem concorrência, hoje partilha atenções com outros espetáculos e meios de entretenimento, realça. Ainda assim, mantém um lugar especial no concelho, reforça o historiador. Para os naturais da Ribeira Grande, a visita ao Presépio do Prior continua a integrar os rituais do Natal. Já para quem chega de fora, sublinha Mário Moura, o presépio afirma-se hoje como um dos principais pontos de interesse cultural e turístico do concelho, visitado ao longo de todo o ano por públicos de várias origens.
“O presépio internacionalizou-se”, afirma Mário Moura. Portugueses, espanhóis, ingleses, americanos e visitantes de muitas outras nacionalidades passam pelo museu ao longo do ano, assim como membros da diáspora açoriana que regressam à terra. Aberto 365 dias por ano, o Presépio do Prior é hoje uma das obras mais visitadas da Ribeira Grande, conclui.
