Açoriano Oriental
"O dinamismo da Páscoa é a luz que se projecta para oferecer sentido à vida de toda a humanidade " diz bispo de Angra

Em entrevista ao Açoriano Oriental o Bispo de Angra e Ilhas dos Açores, Dom João Lavrador, refere que a Páscoa é um sentimento de hoje e que "também nós hoje necessitamos de recolher da celebração da Páscoa os mesmos efeitos salvíficos da primeira hora". O líder da igreja católica nos Açores relembra, ainda, que  na comunhão com Cristo uma Vida Nova renasce e um futuro de esperança é possível.

"O dinamismo da Páscoa é a luz que se projecta para oferecer sentido à vida de toda a humanidade " diz bispo de Angra

Autor: Tatiana Ourique / AO Online

Açoriano Oriental - O que simboliza (ou deveria simbolizar) a Páscoa para os cristãos?

Dom João Lavrador- A Páscoa remonta à experiência do Povo Hebreu que, liderado por Moisés, foi chamado a deixar a opressão do Egipto e caminhar até alcançar a Terra Prometida. Como sinal permanente deste acontecimento, foi convidado a celebrar a Ceia Pascal, segundo as determinações do Livro do Êxodo, imolando o Cordeiro Pascal. Soma-se ainda a passagem do Mar Vermelho como acontecimento que manifesta a passagem da opressão para alcançar a terra da libertação. Foi no contexto da celebração da Páscoa Judaica que Jesus de Nazaré instituiu a nova e definitiva Páscoa, reunindo os Seus Apóstolos e deixando-lhes o mandato de realizarem a Ceia Pascal, celebrada esta quinta feira na Eucaristia, em Sua memória. Esta nova Ceia é Sinal da Sua entrega, morte e Ressurreição.

A pessoa humana participa nesta Nova Páscoa através do Baptismo, Confirmação, Eucaristia e demais sacramentos, reconhecendo que a Vida Nova do Ressuscitado o impele a viver na Comunidade Cristã, constituída pelos discípulos de Jesus Cristo, e assume a missão de testemunhar ao mundo a Boa Noticia que Jesus Cristo como Salvador.

A Páscoa torna-se, deste modo, a celebração central dos cristãos e compromete-os na missão permanente de tornar presente no mundo de hoje a Jesus Cristo como o Único Salvador.

Açoriano Oriental - A Páscoa é o momento alto do calendário litúrgico. Devia ser a celebração mais importante dos cristãos. Ainda assim é vivida de uma forma menos festiva do que o Natal. Como se justifica esta vivência tão diferente?

Dom João Lavrador- O Natal torna-se mais atractivo para a sensibilidade do ser humano e mesmo para os cristãos porque celebra o Filho de Deus que nasce na ternura e candura de uma criança e progressivamente, o natal foi-se tornando a festa da família. Não é alheio também o facto de o Natal ter sido apanhado pelo consumo. Reconhece-se que o frenesim das compras e vendas, próprio desta quadra, tem a sua publicidade que acaba por desvirtuar o essencial do natal.

Já a Páscoa, celebrando o mistério da morte e ressurreição de Jesus de Nazaré interpela mais e compromete intensamente cada pessoa, cristão ou não, que se interrogue sobre o seu ser, a realidade da revelação de Deus feita na Pessoa do Seu Filho Jesus Cristo e, sobretudo, o compromisso que brota da experiência da Páscoa. A Páscoa é um apelo à conversão pessoal e comunitária, é experiência de testemunho e de anuncio, que nem sempre é fácil para quem ainda não iniciou um processo de comunhão com Deus, vivido na entrega a Cristo, à Comunidade Cristã, e de compromisso com o mundo.

Açoriano Oriental - Quais são os momentos altos de uma semana tão rica em celebrações?

Dom João Lavrador - Na verdade estamos perante uma semana rica de significado, de celebrações e de experiência cristã. É tradicionalmente chamada de semana maior, na qual se integram três dias denominados de Tríduo Pascal. Este inicia-se com a celebração da Eucaristia, comemorativa da Ceia Pascal que Jesus Cristo realizou na intimidade com os Seus Apóstolos e na qual deixou a densidade e profundidade que a partir d’ela, continuamente, na vida da Igreja, se viver o mistério de Jesus Cristo entregue, na Sua morte e ressurreição; seguem-se as celebrações de Sexta Feira Santa, nas quais se revivem, através da escuta da Palavra de Deus e o adorar a Cruz, os grandes passos da Paixão e da Morte de Jesus Cristo; continua com um tempo de silêncio, durante o dia de Sexta Feira e de Sábado Santo e culmina com a grande Vigília Pascal, na qual se celebra a alegria da Ressurreição de Jesus Cristo, toda ela centrada na Luz e na longa leitura da Revelação de Deus, através do Seu projecto libertador do Seu Povo, pela liturgia baptismal e pela celebração da Eucaristia. Daí resulta a experiência de Jesus Cristo Ressuscitado que envia todos os baptizados a testemunharem a Sua Vida Nova.

Açoriano Oriental - A Semana Santa arranca com o Domingo de Ramos dia em que também se assinala o Dia Mundial da Juventude que é assinalado em todas as ilhas dos Açores. Os jovens participam nos restantes dias da semana maior da Igreja Católica?

Dom João Lavrador - Devemos afirmar acerca da pertença e participação dos jovens na Igreja tal como se deve reconhecer com os demais cristãos. Não podemos generalizar. Graças a Deus, ano após ano, a celebração da Jornada da Juventude, conta com um bom número de jovens, em todas as Ouvidorias e paróquias. Muitos destes jovens estão integrados nas suas comunidades cristãs e paróquias, movimentos juvenis e outros grupos. Claro que o esforço de consciencialização dos jovens para a sua participação activa na Igreja e no mundo, levando a sua fé ao compromisso eclesial e com a força de transformar o mundo em que vivemos é uma tarefa constante.

Apesar da participação de muitos jovens na vida da paróquia, há outros que ainda não descobriram o seu espaço na comunidade cristã e também há comunidades que ainda não se abriram plenamente à participação dos jovens. É um caminho conjunto a percorrer por todos.

Açoriano Oriental - Que desafios vive a Diocese de Angra atualmente?

Dom João Lavrador -  A Diocese de Angra sente os mesmos desafios de todas as dioceses e que diz respeito à Evangelização. Isto é, a proclamação e o testemunho da Boa Noticia que é Jesus Cristo para o mundo de hoje. Isto implica que todos os cristãos sintam a necessidade de uma formação cristã que os habilite para um encontro com Jesus Cristo que se expresse na experiência de amor que se traduz numa alegria esfuziante, que não se pode conter e que necessariamente tem de ser comunicada.

No contexto deste grande desafio, exige-se a capacitação de todos os cristãos para dialogarem com a cultura de hoje oferecendo a frescura e o dinamismo do Evangelho absolutamente necessário para edificar uma sociedade onde a dignidade humana seja plenamente salvaguardada e o bem comum seja respeitado.

A Igreja sente que necessita de uma forte purificação e renovação para que não se criem obstáculos pessoais ou estruturais à credibilidade do Evangelho. Esta é uma exigência permanente que se lança à Diocese e à Igreja no seu todo.

Claro que há características próprias da expressão da fé cristã no contexto da nossa Diocese e tem a ver com a Religiosidade Popular, tão rica mas sempre a necessitar de ser orientada pelo Evangelho e atenta à renovação do Concilio Vaticano II.

A vida cristã é uma experiência de comunhão que o baptizado é chamado a realizar na sua relação com Jesus Cristo que o conduz à integração e participação numa comunidade cristã concreta, na qual partilha os seus dons e capacidades e é interpelado para a sua corresponsabilidade na missão da Igreja.

Açoriano Oriental - A formação tem sido uma aposta forte em todas as ouvidorias. Como tem sido a adesão dos crentes a todo o programa formativo nas diversas áreas pastorais?

Dom João Lavrador - A primeira etapa foi definir as estruturas e os itinerários de formação dos cristãos. Chegou-se à conclusão que a par com a formação prestada por algumas instituições diocesanas, a estrutura básica para a formação, seriam as Ouvidorias, de modo que em cada uma se criasse uma escola de formação cristã que coordenasse as diversas áreas de formação, se integrassem as orientações diocesanas nesta área pastoral e se criassem respostas concretas às necessidades sentidas por cada Ouvidoria.

Para ajudar neste processo, foram elaborados dois textos com propostas de reflexão, a partir da Doutrina Conciliar, um destinado aos presbíteros e outro aos membros dos conselhos pastorais paroquiais. O Seminário Maior continua a oferecer as suas jornadas teológicas e o Instituto Católico de Cultura promove um conjunto de acções de formação que fazem parte do seu programa.

Naturalmente, que a resposta varia de Ouvidoria para Ouvidoria, ainda há muito caminho a percorrer na sensibilização dos cristãos para a formação, mas o que já se faz deixa-nos satisfeitos e com vontade continuar este caminho tão necessário e urgente para a capacitação dos baptizados para a missão que têm a desempenhar na Igreja e no mundo.

Açoriano Oriental - O Papa Francisco convocou um sínodo dos bispos no final de 2018 onde os jovens estavam no foco do debate. Primeiro auscultou jovens de todo o mundo. Recentemente redigiu uma exortação apostólica pós sinodal com título "Cristo Vive". O que é que trouxe de novo este documento apostólico?

Dom João Lavrador - A novidade está que pela primeira vez se dedica uma reflexão aprofundada acerca dos jovens tendo-os a eles como protagonistas. Um sínodo e a correspondente Exortação Apostólica são reflexo da importância que a Igreja dedica a uma causa, neste caso, os jovens.

Na linha do Sinodo, o texto do Papa oferece uma visão ampla e articulada de toda a problemática juvenil no mundo de hoje. O Papa fala aos jovens de hoje; conhece-os, sabe dos seus anseios, as suas limitações e recolhe os seus sonhos.

É um texto que aborda a problemática juvenil em todos os sectores onde se desenvolve a vida dos jovens, desde a realidade juvenil em si mesma, à família, à escola, aos movimentos juvenis, às novas tecnologias, à sua participação na sociedade e na Igreja e, ainda, o discernimento vocacional.

Convida a caminhar com os jovens em dinamismo sinodal, isto é, uma Igreja que faz caminho com os jovens, oferecendo-lhes a eles a possibilidade de serem protagonistas mas sempre acompanhados e integrados na comunidade cristã.

O convite à formação, ao discernimento e à descoberta vocacional são traços marcantes deste documento.

O texto parte da constatação da predilecção de Jesus Cristo pelos jovens e como Ele lança o Seu olhar de amor sobre eles. Esta força de atracção que vem do amor de Deus é algo de profundamente aliciante

para caminhada progressiva dos jovens para alcançarem a maturidade humana e cristã.

A Igreja necessita da participação dos jovens para poder recolher deles a sua frescura, entusiasmo e os seus sonhos, mas também os jovens necessitam da Igreja para a se sentirem a caminhar amparados e com horizontes seguros para as decisões na sua vida.

Açoriano Oriental - Como gostaria que os cristãos açorianos vivessem este momento maior que é a Páscoa e que mensagem gostaria de deixar-lhes?

Dom João Lavrador - Na Páscoa vivemos o maior acto de amor de Jesus Cristo pelos homens e mulheres de cada tempo. Este acontecimento é de hoje. Também nós hoje necessitamos de recolher da celebração da Páscoa os mesmos efeitos salvíficos da primeira hora. A Vida Nova do Ressuscitado vem dar pleno sentido e orientação ao sofrimento e à morte. Só a Vida em Cristo é definitiva.

Aos excluídos, aos pobres, aos que sofrem e aos que perderam a esperança é necessário oferecer-lhes a realidade da Páscoa, com a palavra e com os gestos, para que todos e cada um descubram que na comunhão com Cristo uma Vida Nova renasce e um futuro de esperança é possível.

O dinamismo da Páscoa, da morte à Ressurreição, é a luz que se projecta para oferecer sentido à vida de toda a humanidade e sobretudo de todos os cristãos.

Esta experiência de vida nova é feita em comunidade e alimentada na Eucaristia.

Uma santa e feliz Páscoa para todos os que vivem no território dos Açores e para todos que vivem na diáspora.


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