Açoriano Oriental
“Não se olha para os cuidados domiciliários nem para o envelhecimento como uma prioridade”, diz Rodrigo Maia da Silva

“Sou Cuidador,  E Agora?” é o nome do livro escrito por Rodrigo Maia da Silva, empresário no ramo do apoio domiciliário, que conta com a participação de diversos profissionais de saúde da região. A obra pretende ser um manual de consulta para todos os cuidadores informais nos Açores.



Autor: Tatiana Ourique / Açoriano Oriental

Rodrigo Maia da Silva é um jovem empreendedor angrense. Pai de duas filhas, começou por ser cuidador informal do sogro quando conheceu a esposa, Benvinda, em 2012.  “Foi com ele que lidei pela primeira vez com o desafio de cuidar de alguém. Foi a primeira pessoa a quem mudei uma fralda, a quem dei banho, de quem tratei, e a partir daí a minha vida mudou… Cinco anos mais tarde criei a empresa Doce Lar de apoio domiciliário e tenho dedicado grande parte do meu tempo a esta área”, conta ao Açoriano Oriental.

 

O jovem empresário admite dificuldades na contratação de recursos humanos para a área do apoio domiciliário. A procura por cuidados ao domicílio é significativamente superior à oferta “Do lado da procura, a população está cada vez mais envelhecida, do lado da oferta, existem cada vez menos cuidadores, papel esse que até há uns anos era quase sempre exercido pela mulher, que entrou (e ainda bem) no mercado de trabalho. Além disso, temos visto um grande crescimento da formação profissional das pessoas, abandonando profissões em que antes existia abundância de recursos humanos, como é o caso desta profissão. Tudo isto associado a um mundo em que cada vez menos nos preocupamos com o próximo, conduz-nos para um caminho em que não teremos pessoas suficientes para cuidar dos nossos”, diz Rodrigo Silva acrescentando que “também porque hoje o papel de cuidar é visto de forma diferente. Enquanto que há uns anos, era quase obrigatório cuidarmos de quem cuidou de nós, hoje devido ao ritmo alucinante que vivemos, à nova visão do conceito de família, cada vez menos cuidamos de quem cuidou de nós. E se já é um desafio fazermos isto com os nossos, a situação agudiza-se quando se trata de terceiros”.

Questionado sobre como tornar esta profissão mais apetecível, Rodrigo Maia da Silva acredita que o primeiro passo é o seu reconhecimento: “Não podemos tratar uma cuidadora como uma empregada doméstica. Não é a mesma coisa e não exige o mesmo desgaste físico e emocional, nem tão pouco a mesma qualificação profissional. Existem sim tarefas coincidentes, mas está longe de ser a mesma coisa. É fundamental reconhecer os desafios de cada profissão e tratá-los com o respeito e a importância que merecem. Depois, era necessário existir uma aposta maior na profissionalização do sector, desde logo através das escolas, com mais cursos nesta área, onde existe uma grande empregabilidade. Mas acima de tudo, parte de cada um de nós, na medida que temos o dever moral de educar os nossos filhos para serem cuidadores, não necessariamente dos pais ou dos avós, mas do mundo onde vivem, serem cuidadores da sua vida, mas daqueles que amam, porque se não passarmos a ideia de que devemos cuidar de quem amamos, então o que nos resta? Se juntos criarmos estas sinergias juntos dos nossos filhos e dos nossos netos, teremos uma sociedade mais empática que irá olhar para esta profissão como um caminho natural, porque é fazer bem ao próximo e não como uma profissão de último recurso, como muitas vezes acontece”, defende.

O proprietário da Doce Lar acredita que o estatuto do cuidador informal fica muito aquém das reais necessidades dos cuidadores. “O cuidador informal precisa de coisas como: descanso, dinheiro, tempo para si, ajuda técnica, formação profissional, uma boa rede de suporte de saúde domiciliária, e de tudo isto, o que é que realmente temos na prática?”.

A fiscalização seria uma forma de estar mais perto das realidades de modo a conhecer as necessidades das famílias, defende Rodrigo: “Quando olhamos para este estatuto de cuidador informal, deve em primeiro lugar ser feita uma vistoria e isso por si só já exige a contratação de mais assistentes sociais porque os existentes não fazem milagres. É preciso mais! Depois da inspeção feita ao domicílio, é preciso perceber o que é que é necessário em cada caso. Numa família, pode ser importante ter uma cama articulada com colchão anti escaras que se calhar nem sabiam o que era, para outra, pode ser preciso um cadeirão e para outra, com maiores possibilidades financeiras, pode não ser preciso nada disto, mas ser preciso explicar como é que uma fralda deve ser colocada, ou como é que se vira alguém na cama? Então é ver os domicilios, perceber se há necessidade de obras, de materiais, de equipamentos ou de formação. E simultaneamente neste processo, já se estaria a analisar as condições financeiras da família e perceber se existe a necessidade de apoio financeiro. E depois existem pequenas coisas fáceis de resolver que não se entendem…Por exemplo, o cuidador compra fraldas para alguém, mas tem de sair de casa para preencher papéis e receber um reembolso, porquê? Porque é que não informatizamos este processo? Alguém que é cuidador, que passa 24 horas com a alguém que é cuidado, seja idoso ou não, muitas vezes tem de pedir favores para sair de casa. Então, é fundamental em primeiro lugar averiguar cada situação, seria necessário ter equipas prontas para dar formação ao domicílio. Tenho visto formações organizadas pelas ilhas que sim são importantes, mas a maior parte dos cuidadores não pode sair de casa, de que lhes serve? Porque é que isso não é online? Porque é que não se vai a casa das pessoas?”, questiona.

Rodrigo Maia da Silva considera que o livro “Sou Cuidador, E Agora?” pode ser uma espécie de manual de consulta para os cuidadores.Ao longo destes anos, tenho-me deparado com diversas situações de pessoas apaixonadas pelo que fazem, mas que infelizmente não tiveram oportunidade de ter formação, pessoas que não sabem mais porque por um lado ninguém lhes ensinou e por outro lado, não sabem sequer onde procurar. Este livro destina-se a todos aqueles que já cuidaram, que cuidam ou poderão vir a cuidar de alguém, porque alia histórias de vida, a dicas de profissionais de saúde em diversas áreas”.

O autor pediu constributo a diversos profissionais de saúde por considerar que todas as áreas devem contribuir para um cuidado mais eficaz e articulado. Em termos de cuidados domiciliários, isso não existe ainda na região. Existem equipas de enfermagem que se deslocam ao domicílio e fazem milagres com os recursos humanos e técnicos que têm para assistir tanta gente, o mesmo se aplica aos médicos. Mas, é uma dificuldade gigante uma fisioterapia ao domicílio, é quase impossível termos nutricionista ao domicílio ou psicologia. E dou apenas estes exemplos para que se perceba que não temos uma rede integrada de profissionais de saúde a deslocar-se ao domicílio na região, nem nunca tivemos em governo nenhum. Não é culpa deste ou daquele, é de todos e o motivo é simples… Não se olha para esta questão, nem para o envelhecimento como uma prioridade. Vão-se construindo lares, vão-se gastando milhões na ampliação de lares, vão-se criando formações para cuidadores e julga-se que hoje estamos muito melhores do que ontem. Não estamos! Hoje, temos mais velhos do que tínhamos ontem! Hoje, temos um problema maior do que tínhamos ontem e todos os dias piora porque o envelhecimento é um tema que não é popular, e ainda se governa a pensar na próxima eleição e não nas pessoas, porque nada é mais humano do que olhar para estas pessoas, para estes cuidadores que cuidam do outro e dar-lhes a mão”.

Sobre o livro que será lançado a 1 de Novembro na ilha Terceira no âmbito do Outono Vivo, o jovem empreendedor garante que “poderá ser feita já a pré reserva em www.rodrigomaiadasilva.pt e estará disponível online para todo o país a partir desse dia.

Este livro aborda 20 temas fundamentais sobre cuidados, desde: gestão emocional, cuidados de higiene, alimentação, sexualidade, doenças comuns, entre muitos outros, sendo revisto por mais de 20 profissionais de várias áreas a quem agradeço do fundo do coração a participação e, acima de tudo, é um livro que a qualquer altura o cuidador pode voltar a abrir e esclarecer alguma dúvida, porque estará sempre atual, sendo a linguagem muito simples, muito direta, e não é nada técnico. Importa, ainda, referir que de cada livro vendido serão doados 2,50€ para a ANGES - Associação Nacional de Gerontologia Social que irá aplicar essa verba em formações online certificadas e gratuitas para cuidadores informais, sendo este livro o inicio de um projeto cada vez mais amplo que pretende levar ao cuidador a melhor e a maior quantidade informação possível para que cada vez mais possamos cuidar mais e melhor do próximo”, conclui.



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