Açoriano Oriental
​ “Medida de apoio ao combustível terá de ser novamente aplicada em 2023”

Gualberto Rita. Presidente da Federação das Pescas dos Açores faz o balanço de 2022, marcado pela quebra das capturas e o aumento do rendimento em lota, e perspetivou as dificuldades que o setor vai enfrentar em 2023, da falta de mão-de-obra às quotas


​ “Medida de apoio ao combustível terá de ser novamente aplicada em 2023”

Autor: Nuno Martins Neves

O setor da pesca terminou 2022 com menos 1,6 toneladas de peixe capturado mas com mais rendimento, um aumento de 3,7 milhões de euros. A que se deve estes valores?

Da análise dos dados, encontramos uma redução em peso de todas as espécies em lota na ordem dos 14%, mas um aumento no valor de 10%, que corresponde a cerca de 3,7 milhões de euros a mais do que 2021.

Essencialmente, se temos menos peixe - e é um dado que acontece em todo o mundo, a diminuição do peixe selvagem- a tendência é que os preços aumentem. Por outro lado, os resultados prendem-se com o modelo de gestão que implementamos em algumas espécies e que permitiram um saldo positivo do preço médio em lota, que subiu de 15 para 20% de 2021 para 2022. Houve um aumento significativo em quase todas as espécies do preço médio em lota, o que faz com que tenhamos estes valores que implicam menos peso mas mais rendimento.

Isto é algo que temos vindo a trabalhar e com o qual concordamos, ou seja, pescar melhor e obter mais rendimento. Não tem a ver com as quantidades mas com a própria manutenção e manuseamento do pescado: os pescadores têm cada vez mais atenção a isso.

O dado que não é tão positivo para nós é o atum. Estes dados são globais, totais de todas as espécies, mas quando analisamos os dados do atum já não são muito bons. Tivemos uma redução de 21% nas capturas de 21% e menos 6% nos valores. Os números de descargas foram inferiores a 2021 e os valores de venda continuam, na nossa opinião, baixos, o que determinam a quebra do rendimento na primeira venda e que têm impacto nos resultados em toda a frota.

Temos de admitir que nesta espécie há mais trabalho a fazer, não só da nossa parte da produção, na captura, mas também na venda, pois quer para a indústria quer para a venda em fresco, os valores estão muito aquém do desejável.


Que valores seriam os mais justos?

Para nós, na espécie do patudo, continua a ser inadmissível vender atum a menos de 2€ o quilo. É uma proposta que tem sido discutida entre os parceiros, nomeadamente a Federação, a APASA (Associação de Produtores de Atum e Similares dos Açores) e a Coopescamadeira (Cooperativa de Pesca do Arquipélago da Madeira), que é a possibilidade de aumentar o tamanho mínimo nessa espécie e ver um melhor modelo de gestão que permita, tal como aconteceu noutras espécies, tirarmos mais rendimento.

Não sabemos se vai ser possível e se vamos ter entendimento para 2023, mas é isso que temos de aplicar. Temos modelos de gestão noutras espécies que têm sido bem sucedidos e que têm de ser aplicadas no atum.


Quais são as preocupações da Federação para 2023?

O ano de 2022 foi difícil para o setor da pesca, tal como foi para outros setores económicos da Região, devido a todos efeitos provocados pelo aumento da inflação e da invasão da Ucrânia pela Rússia, que aumentou significativamente os custos na produção, comercialização e indústria.

No caso da produção, os combustíveis que, recordo, significam mais de 50% dos custos que temos na nossa atividade e em julho de 2022 estava 77% mais caro do que na mesma época em 2021. É um aspeto que, independentemente dos valores do pescado terem subido 10%, para nós este aumento das vendas não se refletiu muito em lucro para o pescador, por causa dos custos elevados na produção.

O que estamos a prever para 2023, é que isto seja novamente um grande problema para a pesca a subida dos combustíveis, e que afeta todo o segmento da frota, mais especificamente a atuneira, por serem embarcações maiores. Se não houver apoios aos armadores, vão haver muitas embarcações que vão ficar amarradas e impedidas de exercer a sua atividade de uma forma normal.

Depois, há uma preocupação muito grande no setor da constante pressão que temos no setor da redução de quotas que temos sido alvos, nomeadamente no goraz, que mantivemos as 600 toneladas sem aumentos, no patudo que não sofre qualquer aumento e que, mais cedo ou mais tarde, poderá sofrer uma redução, e pior ainda foi o corte de 20% nas beryx, os alfonsins e imperadores, que passam de 123 para 98 toneladas. Estamos a falar de três espécies que têm um peso muito grande no rendimento dos pescadores. O imperador tem um preço em primeira venda nunca inferior a 25€ a 30€/kg. Deixa-nos uma preocupação muito grande e temos sido muito reivindicativo relativamente à aplicação de quotas, pois pescamos de uma forma muito artesanal e não compreendemos como é que ainda sofremos esses cortes. Todas essas regras vindas da Europa, mesmo dos Comités Científicos, achamos que não podem acontecer e não temos qualquer dúvida que vão colocar em causa muitas empresas da pesca.

Por isso mesmo, vai haver a necessidade de revermos todo o setor das pescas nos Açores, pois os recursos que temos disponíveis, as quotas que nos são aplicadas e a frota que nós temos, teremos que repensar tudo.

Além disso, a falta de mão-de-obra em algumas comunidades piscatórias, que é cada vez mais preocupante. Exceção a Rabo de Peixe e São Mateus (ilha Terceira) todas as outras comunidades piscatórias nas outras ilhas sofrem de uma problema muito grande de falta de mão-de-obra e mão-de-obra jovem.

Aponto também a questão da renovação da frota: continuamos com uma frota envelhecida e os apoios comunitários disponíveis não vão ao encontro daquilo que é a realidade da nossa frota. Os apoios são mais centrados na grande frota e não visa a pequena pesca. Esperamos que o novo FEAMPA (Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos, das Pescas e da Aquicultura) traga alguma abertura. Por aqui que já percebemos, parece que não: a Europa vira as costas à frota artesanal.

E por fim, a questão da reforma dos pescadores e do Fundo de Compensação Salarial que nós achamos que deve ser, em 2023, posto em causa e revisto. É inadmissível o que tem acontecido no setor da pesca, com pescadores com reformas miseráveis e é altura de encontramos uma solução para isto.


Estamos a falar de reformas de que valores?

Temos várias e várias situações de pescadores na ordem dos 150, 200€. Mas muitos mesmo. É impossível sobreviver assim. Muitos pescadores reformam-se aos 50, 55 anos, devido ao desgaste da profissão, mas depois não conseguem aguentar e muitos acabam por regressar à pesca. Não é uma situação digna em qualquer profissão e deve ser discutida, abrangendo a Segurança Social, todo o Governo. Temos uma convenção coletiva que já está em prática e que podemos utilizar esse instrumento para, se calhar, resolver essa situação.

A aplicação de um Fundo de Compensação Salarial podia também resolver esta situação e não andarmos a reboque de uma portaria, que o Fundopesca, que é um apoio que é um penso rápido para tapar a ferida quando um pescador está com problemas de idas ao mar, mas não é isso que resolve o problema da pesca no seu todo.


Depreendo, pelas suas palavras, que o Fundopesca como está não serve?

A última alteração do Fundopesca, que está a ser proposta pela Secretaria, é ligeiramente melhor do que havia antes, há um ligeiro aumento e vai mais ao encontro daquilo que pretendemos. Mas achamos que ainda há muito a fazer nesta matéria, porque, repare, estar a pagar a um pescador 300 euros porque não foi ao mar, continua a ser muito pouco.
Achamos que terá de ser revisto, provavelmente desistir da ideia do que é o Fundopesca e falar neste Fundo de Compensação Salarial, em que nenhum pescador fique inibido de receber, no mínimo, por mês, o salário mínimo regional. E isto poderá ter, no futuro, reflexo nas reformas.


Os apoios ao combustível anunciados têm sido suficientes?

Os apoios que chegaram foram bons, senão provavelmente muitas das embarcações não teriam continuidade a sua atividade. Mas, repare, ficamos com 1 milhão de euros para os combustíveis para a parte da produção, mas não temos qualquer dúvida que estão muito aquém daquilo que é desejável. E a continuar como está, teremos de ter este apoio para a frota todos os anos. Os modelos e aplicação desses fundos também têm de ser revistos - há algumas segmentos de frota que não concordamos com os valores, que estão aquém do desejável - mas não temos nenhuma dúvida que esta medida que foi aplicada em 2022 terá de ser novamente aplicada em 2023 e os valores terão de ser mais elevados do que os que tivemos o ano passado.

Foi um bom apoio, fez sentido e ajudou a frota, mas tem de haver continuidade. Independentemente de estarmos a vender peixe por preço médio mais alto, não compensa os gastos que temos com os combustíveis.


Os aumentos das taxas de juro e dos custos com a energia podem complicar os investimentos no setor?

Sem qualquer dúvida. Será quase impossível de acontecer nesta fase. Estamos reféns dos apoios comunitários que não vão de encontro à nossa frota e por isso insistimos com o Governo Regional dos Açores que avance em 2023 com a linha de crédito de apoio ao setor da pesca. Não é de todo a linha de crédito que vai resolver o problema, mas pelo menos é um mecanismo que permite a um armador, numa fase mais complicada, pode recorrer. E esperamos que seja com taxas de juro baixas.


Que posição tem a Federação quanto às áreas marinhas protegidas?

É um assunto que nos preocupa, com aquilo que pode vir a acontecer. Temos vindo a chamar a atenção quanto à forma como vai ser aplicado, pois estamos a ser castigados com outras questões, como a aplicação de quotas, e a implementação das áreas marinhas protegidas não for feita de uma forma consciente, poderá colocar em causa todo o setor.
Isto pode reduzir em muito a atividade da pesca, pode fazer com que aumente as importações, que é algo que não podemos deixar que aconteça. E por isso, acreditamos que há, da nossa parte, um certo exagero na aplicação e nos valores de percentagem das áreas marinhas protegidas, porque olhando para outras partes do país e até da Europa, não percebemos a razão para este enfoque nos Açores da aplicação das áreas marinhas protegidas.

Sabemos que há outros interesses, mas não vamos permitir que nos limitem ainda mais a nossa atividade. Deste setor dependem diretamente cerca de 3 mil pescadores, mas indiretamente, seja as famílias, a indústria, a construção naval, um universo de 7 a 8 mil pessoas. É preciso termos muita atenção e preocupação quanto a isto.

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