Autor: Paulo Simões
Por que aceitou ser candidato ao Conselho Superior da Magistratura?
O
Estado de direito democrático é composto por um conjunto de
instituições na área da justiça que são decisivas para a sua eficaz
implementação no país. O Conselho Superior da Magistratura é o órgão do
Estado a quem estão constitucionalmente atribuídas, além do mais, as
competências de nomeação, colocação, transferência e promoção dos juízes
dos tribunais judiciais, o exercício da ação disciplinar e a
salvaguarda da sua independência.
As supra referidas competências são
suficientes para que qualquer cidadão esteja disponível para integrar
tão distinto órgão do Estado.
E como aconteceu esse convite?
Confesso
que fui surpreendido, mas respondi de imediato positivamente à
solicitação com a reserva que a responsabilidade impõe e a prudência que
a sensatez exige.
É o primeiro açoriano a integrar esse órgão...
Não me parece uma questão relevante, mas sim a qualidade do trabalho que possa desenvolver.
O Conselho Superior da Magistratura é o órgão mais importante da justiça portuguesa?
A
Justiça, tal como a Saúde ou a Educação, têm que ser perspetivadas de
modo holístico, ou seja, as instituições que as compõem têm que ser
avaliadas de forma interativa para que as atribuições do Estado
português sejam executadas com o mínimo de qualidade.
No âmbito da
justiça, o Conselho Superior da Magistratura como a Ordem dos Advogados
Portugueses, além dos demais, são decisivos para a defesa dos direitos
dos cidadãos.
Foi presidente do Conselho Regional dos Açores da Ordem
dos Advogados de 2013 a 2016 e de 2016 a 2019. O trabalho desenvolvido
tem alguma relação com este cargo?
A Ordem dos Advogados Portugueses é
composta por 7 conselhos regionais e exerci as funções que referiu,
além das de tesoureiro de 2010 a 2013. As competências desse órgão
contribuem de outra forma para a implementação da justiça e, portanto,
não demonstram qualquer conexão com as atribuições do Conselho Superior
da Magistratura.
A justiça tem respondido às novas dinâmicas sociais?
A
justiça depende dos poderes: legislativo, executivo e judicial. Apesar
deste funcionar com alguns problemas, a verdade é que aqueles nem sempre
têm apoiado como deveriam, o que não impede o naufrágio da imagem e,
por vezes, da substância das decisões judiciais.
Vejamos: a situação
dos estabelecimentos prisionais no país, a não distribuição dos centros
tutelares educativos pelas regiões de Portugal considerando as suas
especificidades, a mais eficiente reinserção social dos reclusos, a
falta manifesta de oficiais de justiça e a ausência de instalações
dignas nos tribunais do nosso território. Exemplos que valem por outros
tantos.
E a pandemia veio agravar os direitos dos cidadãos?
Na verdade, o Covid-19, como sabemos, provocou e transformará os costumes sociais de forma indelével neste século.
O
estado de emergência e outras limitações ao exercício de direitos
individuais originaram de forma interessante uma nova relação entre o
‘eu’ e os ‘outros’. Não necessariamente a revolução copernicana, mas a
viagem da globalização poderá sofrer mutações curiosas no âmbito da
perspetiva do Ser na sociedade, a que poderá não ser alheia o imperativo
categórico kantiano, alicerçado na razão pura, e imune ao exterior.
O
direito terá que adaptar-se e, porventura, iniciar um caminho diferente
numa civilização em que o “eu” poderá vir a ser mais interior que o
determinado pelo exógeno.
Está a falar de uma nova politica de direitos individuais?
Poderá acontecer, a verdade é que a problemas novos não se podem aplicar ideias velhas.
Poderá
ser necessário rasgar novos horizontes centrados mais no homem e não
numa justiça, enquanto produto, muito transacionável, o epicentro será a
essência humana, a dignidade, a liberdade e a equidade.
O novo
contrato social que permita uma distribuição da riqueza mais equilibrada
e menos causadora de conflitos, seja a nível global, seja a nível
pessoal.
A justiça também se previne com politicas financeiras,
económicas e sociais, que limitam a prática de atos ilícitos a montante
para que não sobrecarreguem o sistema impedindo-o de atacar grandes
fenómenos lesivos do Estado.
Como está a justiça nos Açores?
Os
problemas da justiça nos Açores são conhecidos e em geral idênticos aos
do país, embora com algumas especificidades derivadas e agravadas pela
dispersão geográfica.
Também aqui as medidas de política geral dificultam a execução da política de justiça?
Sim,
sem dúvida, por exemplo a existência de maior ou menor pobreza, não só
económica, mas também sociocultural, origina de imediato um conjunto de
problemas que muitas vezes acabam nos tribunais.
Este é um tempo de
rutura com velhas práticas de um estado regional em certos aspetos
anquilosado sobre si próprio, que talvez exigisse um “colégio de
sábios”, com um conjunto de ideias para 10/ 15 anos, ancoradas na
Educação e na Cultura, motores designadamente de verdadeira revolução
tecnológica com a atração para a Região de quadros técnicos de
excelência ou, por outro lado, uma reforma profunda da idosa
administração pública regional como meio para revolver os problemas dos
‘outros’ - cidadãos e empresas -, e não do ‘eu’ .
Creio que sem uma
transformação educacional e cultural profunda, os Açores nunca poderão
sair do enclausuramento, que paulatinamente se acentua em idiossincrasia
com relativo mérito.
O seu nome tem sido sussurrado nos corredores
políticos como potencial candidato à presidência da Câmara de Ponta
Delgada. É um cargo que lhe desperta interesse?
Já se falou para
outros cargos, alguns fui o último a saber. Porém, enquanto cidadão, não
renuncio aos direitos cívicos e à preocupação pelo interesse público,
mas neste momento estou concentrado nas diversas responsabilidades que
assumi e com os meus constituintes.
Volto a insistir. Está disponível para liderar uma candidatura à maior autarquia dos Açores?
Como
lhe disse, a causa pública deve seduzir qualquer cidadão para
beneficiar do seu contributo, mas neste momento sou fiel aos
compromissos que assumi com cidadãos e empresas numa atividade que me
absorve totalmente.
Porém, é um ato eleitoral ainda distante e Ponta
Delgada tem cidadãos com excelentes características para assumirem o seu
destino.
Tem ambições políticas no seu horizonte a médio prazo?
Não
entendo a causa pública como o interesse individual, mas sim o
resultado de um aparente desejo coletivo imbuído de interesse público
com alguém que protagoniza um desempenho independente de todos os
poderes, económico, financeiro ou social. A missão na política e
decisiva, deveria ser uma passagem e não uma profissão. Nesse contexto,
não sendo missionário, não afasto a possibilidade de praticar atos
políticos, sem que necessariamente para tal tenha que ser remunerado ou
fazer carreira profissional. A ser, teria que ser uma viagem curta e
intensiva.
Consta que foi convidado para mandatário de Carlos César nas eleições à Assembleia da República em 2015?
Como
cidadão nunca recusei quaisquer funções que possam beneficiar o
interesse público, que não necessariamente partidário, mas há
solicitações que honram qualquer individuo, mesmo que não possa
exercê-las por incompatibilidades profissionais ou funcionais de outra
natureza.
Mas foi presidente da Comissão Especial de Acompanhamento
da Alienação Parcial do Capital Social da SATA Internacional – Azores
Airlines, S.A.
De facto, assim é e, tal como os meus colegas de
Comissão, fizemo-lo em ‘pro bono’ e creio que foi um contributo, modesto
é certo, para a compreensão do que estava em causa e constituiu uma
forma de perceção cristalina da realidade de uma parte do tecido
empresarial regional.
O que espera das próximas eleições regionais?
Que
originem uma nova autonomia, com cidadãos autónomos em todos os
setores: da vida social, dos profissionais liberais, dos funcionários
públicos, dos jornalistas ou outros, uma vez que, só com
independência, conhecimento , liberdade, entre outros valores, se
constroem os pressupostos para uma revolução educacional e cultural, a
única via para os Açores. E por último que a abstenção não derrote a Autonomia enquanto solução politica para as ilhas.