Açoriano Oriental
Consultor alerta para tratamento desigual de contribuintes com IRS pré-preenchido
O consultor João Costa Andrade alertou que a proposta orçamental para 2017 pode tratar de forma desigual os contribuintes que têm a declaração de IRS automaticamente preenchida e descriminalizar a fraude fiscal, pondo em causa os processos em curso.
Consultor alerta para tratamento desigual de contribuintes com IRS pré-preenchido

Autor: Lusa/AO online

João Costa Andrade afirmou que as alterações ao Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) incluídas na proposta de Orçamento de Estado para 2017 (OE2017) determinam que, nos casos dos contribuintes com declaração pré-preenchida, “se houver omissões ou inexatidões, há uma sanção via contraordenação em que será aplicada uma coima", situação que não se aplica aos restantes contribuintes que, pela mesma conduta, seriam punidos pelo crime de fraude fiscal, o que disse ser "altamente problemático".

Em causa está o tratamento diferente que se dá aos contribuintes com declaração automática de IRS que tenham praticado uma omissão na entrega dessa declaração (por exemplo não declarar determinado rendimento) em relação aos restantes que tenham praticado a mesma omissão.

Na redação atual, os primeiros ficam sujeitos a uma contraordenação, que poderá implicar o pagamento de uma multa, ao passo que os segundos são puníveis pelo crime de fraude fiscal, o que poderá resultar numa pena de prisão, segundo explicou Costa Andrade, que falava numa conferência organizada hoje em Lisboa pela RFF Advogados.

Para o professor, fica em causa o princípio da igualdade entre sujeitos passivos, uma vez que "os contribuintes sujeitos a estes termos pré-preenchidos [da declaração de rendimentos] que cometem esta conduta [de omissão ou inexatidão de informação] estão sujeitos a uma contraordenação e os outros que praticam a mesma conduta [mas não têm a declaração de rendimentos automaticamente preenchida] estão sujeitos a um crime".

Em declarações à Lusa à margem do evento, o consultor acrescentou que as alterações agora propostas ao RGIT podem levantar problemas de constitucionalidade.

Isto porque, "se o legislador considerou que estas omissões e inexatidões devem ser punidas com uma contraordenação [nos casos de pré-preenchimento], então não deve nos outros casos punir através do crime", pelo que há um "problema de desigualdade entre contribuintes que praticam a mesma conduta".

Há ainda um outro problema em relação a estas alterações ao RGIT, já que, segundo João Costa Andrade, com a nova redação, um comportamento que esteja agora a ser julgado em tribunal como fraude fiscal e que ainda não tenha transitado em julgado deixou de ser crime e passou a ser contraordenação, pondo em causa os processos em curso.

João Costa Andrade faz mesmo uma comparação: "Imagine que, no futuro, eu estou nesse universo [de contribuintes com] declaração de preenchimento automático e, de facto, omito um determinado rendimento. Vai ser-me aplicada uma contraordenação, não me pode ser aplicado um comportamento de fraude fiscal porque o legislador considerou que era suficiente a coima e não me levou para o direito criminal. O problema é que, se eu estou a ser perseguido pela mesma conduta, que é eu omiti um determinado rendimento, estou a ser punido por fraude fiscal".

"Neste caso, tenho legitimidade para ir ao tribunal, eventualmente ao Tribunal Constitucional, dizer: 'Então porquê tratar estas situações de forma diferente?' O meu comportamento, que está a ser analisado como fraude fiscal que ainda não transitou em julgado, foi descriminalizado, deixou de ser crime e passou a ser contraordenação", concluiu.

Em resumo, de acordo com o consultor fiscal, a alteração agora proposta ao RGIT, ao enquadrar no regime das contraordenações as omissões e inexatidões das declarações de rendimentos automaticamente preenchidas, "equivale a descriminalização de certas condutas de fraude fiscal em todos os casos de fraude fiscal que não tenham transitado em julgado", pelo que, "a manter-se no OE2017, pode trazer fortíssimos problemas e abalos" em matéria de crime de fraude fiscal.

Questionado pela Lusa sobre esta matéria, o Ministério das Finanças respondeu que, "com o IRS automático, cumpre-se o objetivo de possibilitar a automatização do procedimento de IRS, sem diminuir as garantias dos contribuintes".

O gabinete de Mário Centeno garante que a alteração ao RGIT incluída no OE2017 "pretende apenas que não se considere, para efeitos de contraordenação aplicável, a mera aceitação do pré-preenchimento da declaração pela AT [Autoridade Tributária e Aduaneira], como uma omissão ou inexatidão praticada pelo contribuinte" e que daqui não advém "qualquer descriminalização de condutas em processos ainda não transitados em julgado".

As Finanças indicam ainda que "estas alterações apenas se aplicam ao IRS automático e não produzem quaisquer efeitos sobre declarações apresentadas antes da sua entrada em vigor".

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