Autor: Lusa/AO online
A poucos meses das eleições regionais para o Parlamento açoriano, Álvaro Borralho salientou à agência Lusa que o “cerimonial” usado nos comícios e campanhas eleitorais, para ajudar a reforçar a “hiper-personalização” do candidato, apresenta várias similitudes com celebrações de carácter religioso.
Ambas as cerimónias são solenes, programadas e tanto o sacerdote com o candidato pregam às massas a sua verdade em locais próprios, devidamente iluminados, onde as músicas, repetidas à exaustão, “ajudam a criar uma atmosfera própria”, realçou o investigador da academia açoriana na área da Sociologia Política e do Poder.
A utilização de um paramento específico num acto religioso dá lugar ao tradicional fato azul escuro, camiseiro branco e gravata vermelha usados pelos políticos nas cerimónias públicas, que, em vez de um altar rodeado de imagens, decorrem num púlpito, com frases curtas e incisivas
“Todo este cerimonial tem uma carga simbólica e visa consagrar o candidato, reforçar o seu papel perante o eleitorado”, afirmou Álvaro Borralho, acrescentando que “hoje a mensagem é investida muito mais do ponto de vista da encenação, em detrimento do conteúdo”.
Para o sociólogo, actualmente, assiste-se a um esbater muito claro das diferenças ideológicas entre os partidos e a um investimento na encenação e na estética, funções entregues pelos partidos a gabinetes de marketing político, indicou. Segundo Álvaro Borralho, a presença de filarmónicas ou grupos musicais durante as campanhas eleitorais, por exemplo, transformam estes momentos numa “festa” mais para conviver do que para debater problemas ou apresentar soluções, o que “protege claramente os políticos das críticas e ataques”.
Mais do que distribuir canetas e camisas com o nome do candidato, Álvaro Borralho assegura que as campanhas eleitorais visam mobilizar os eleitores indecisos a votarem e criar dinâmicas de vitória.
No entanto, o docente do departamento de História, Filosofia e Ciências Sociais da UAç desde 1997, alerta que, se a política ficar reduzida a um mero ritual encenado, provavelmente se vai assistir a um desinvestimento das pessoas nestas práticas, tal como acontece, por analogia, com a religião, sobretudo no culto católico.
A provar este cenário estão os níveis crescentes do absentismo nos actos eleitorais no arquipélago, que rondam em média os cerca de 50 por cento, alegou.
Se, no passado, os partidos de esquerda acentuavam o combate político ideológico face aos partidos de direita, que afirmavam mais as lideranças, Álvaro Borralho considera que, no presente, a distinção não é tão evidente.
Direita e Esquerda apostam muito mais no culto do líder e na encenação mediática, como forma de chamar a atenção dos órgãos de comunicação social.
“Hoje as mensagens dos partidos estão a ser substituídas por uma pessoa, um líder, em quem as máquinas partidárias investem tudo”, assegurou o sociólogo, ao lembrar que a hiper-personalização da política conduz, a longo prazo, a um vazio, quando este líder sai de cena.
Para o sociólogo, a campanha eleitoral no arquipélago para as eleições regionais de Outubro não deverá ser muito diferentes das anteriores, visto que os candidatos dos partidos concorrentes já se conhecem todos.