Açoriano Oriental
Uma tacada abençoada

Chama-se José Júlio Rocha. É sacerdote da Diocese de Angra e professor do Seminário Episcopal de Angra e acredita ser o único padre golfista português.



Autor: Tatiana Ourique / AO Online

Natural da ilha Terceira, da freguesia da Fonte do Bastardo de onde é pároco a par da vizinha de Porto Martins, o “Padre Júlio” - como é mais conhecido- foi ordenado “No primeiro dia do verão de 1992”. Seguidor convicto do pontificado e do pensamento do Papa Francisco, o sacerdote é, também, olhado pela sociedade terceirense como pastor e símbolo de humildade e simplicidade apesar do doutoramento em Teologia Moral em Roma. É ainda professor do Seminário Episcopal de Angra desde 1994, assistente da Comissão Diocesana Justiça e Paz, do Movimento da Mensagem de Fátima, da Comissão para a Proteção de Menores, membro da Comissão de Ética do Hospital de Angra, da Associação Teológica Ibérica para o Estudo da Moral e do Centro de Estudos do Pensamento Português.

Um percurso intenso enquanto pastor e pensador. Mas eis que em 2014 começa a interessar-se pela modalidade de golfe. “Antes desse tempo o golfe quase não me dizia nada. Era um desporto demasiado parado… Mas nesse ano comecei a ver golfe na televisão. É um mundo! É um desporto presidido pelo fair-play, muito mental e com imensas táticas. Está-se sempre a aprender. Gostava de ver a forma como os jogadores se concentravam, os tacos que escolhiam, a linha da bola que projetavam, a paz com que se joga.”

Durante dois anos foi um mero espectador. Até que em 2016 e incentivado por uns amigos emigrantes que lhe “ofereceram um antigo jogo de tacos, um saco de golfe e até – imagine-se – uns sapatos típicos desse desporto. Depois de umas lições, no dia um de outubro de 2016 dei a minha primeira volta ao campo”.

A comemorar 3 anos da prática da modalidade já tem diversos motivos para ir para o Clube de Golfe da Ilha Terceira sempre que a agenda preenchida permite: “Só quem pratica sabe o que é jogar golfe. Durante um jogo, com 18 buracos, percorre-se mais de oito quilómetros a pé. O verde da nossa natureza, a beleza incontornável do campo de golfe, a paz e a serenidade que nos são oferecidas não têm preço. O golfe é um desporto em que jogamos contra nós próprios e contra o campo. Quando, por exemplo, uma tacada sai mal, ou o jogo está a correr mal, é imperioso esquecer as más sensações, como se começássemos tudo de novo. Limpar a cabeça e procurar o que é mais importante neste jogo: a concentração e a descontração. Gosto de rezar quando jogo golfe.”

Quanto à conotação elitista que a modalidade costuma ter o sacerdote explica que na ilha Terceira existe, excecionalmente, um conceito de golfe social. “Dizem que o golfe é um desporto de elite, que é tudo muito caro e exclusivo. Não, não o é. Pelo menos na Terceira, marcada pela presença dos americanos que construíram o campo e que tinham como caddies muitas crianças das freguesias à volta da Base. Esses antigos caddies foram e ainda são grandes jogadores de golfe. É um ambiente para todos, todos têm o seu lugar e é agradável encontrar e jogar com amigos de todas as áreas e estratos sociais. O golfe pode ensinar-nos uma certa humildade: num dia jogas bem e julgas-te o melhor do mundo. No outro dia cais na real porque as coisas não correram bem. E às vezes as coisas não correm bem simplesmente porque não correm bem… nunca sabes jogar golfe o suficiente. Todos somos aprendizes”.

Entretanto, em três anos de prática da modalidade, Júlio Rocha já levou três troféus para casa. “Tenho um handicap alto por ser quase um principiante e tenho, ainda assim, a possibilidade de ganhar um troféu tal como os jogadores que jogam muito melhor do que eu. É por isso que já ganhei três troféus! O primeiro foi o 2º lugar net no Torneio Zeca Ávila. O segundo foi o 5º classificado gross no Torneio das Sanjoaninas. E o terceiro, de que me orgulho mais, foi o primeiro lugar gross da categoria D no torneio Pro-Am deste ano”.

O acolhimento junto da comunidade golfista foi muito positivo. Afinal não é todos os dias que se joga golfe com um padre. “Julgo ser uma espécie de ave rara. Fui muito bem acolhido e, apesar de não ser lá grande coisa como jogador, são muitos os que gostam de jogar comigo. Tenho também muitos “professores” pois gostam de me ensinar e eu, claro, quero aprender. O ambiente no CGIT é muito agradável e o convívio excelente. A amizade é um dos valores mais prezados pelos golfistas.”

Quanto à simbiose entre os dois “papéis” José Júlio Rocha garante conseguir gerir “Na perfeição. O golfe é a minha higiene mental. Um pedaço de manhã ou de tarde no campo de golfe dão-me saúde a todos os níveis. Mesmo quando jogo mal. Gosto muito de jogar sozinho e aí vou pondo em dia a minha vida. É um dos lugares onde gosto de rezar, um pouco à guisa de São Francisco que rezava com a natureza e os animais, de que é testemunho notável o seu Cântico das Criaturas. E o golfe não me tira o tempo que preciso para a minha vida pastoral e sacerdotal. Pelo contrário, uma vez que a minha vida precisa de concentração, contemplação e programação, o tempo passado no campo, para além de proporcionar descanso, também me ajuda na vida”.

Questionado sobre se o golfe é uma boa forma de evangelizar, o membro do clero açoriano acredita que todos os momentos e lugares são de evangelização e, apesar de não ter começado a jogar golfe com esse objetivo, “mas dar testemunho de Jesus é um gesto inerente à minha própria vida. Imensas vezes, quando jogamos, falamos de questões de fé e de Igreja, tiramos dúvidas. Por mais de uma vez confessei amigos durante o jogo, o que parece estranho mas não deixa de ser belo”.


Fotos:
Luís Mendes, Fernando Manuel e Teresa Mendes.

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