Açoriano Oriental
"Procissão dos abalos" na ilha Terceira continua a cativar fiéis
Há mais de um século que a população da freguesia do Raminho, na ilha Terceira, sai à rua numa procissão de penitência que é também um pedido para que a terra não trema, uma tradição que se repete no sábado.

Autor: Lusa/AO online

Às 6:30, antes do início de um fim de semana de descanso ou, nalguns casos, de mais um dia de trabalho, a população junta-se para rezar e lembrar as crises sísmicas que afetaram a ilha noutros tempos.

Estima-se que a primeira procissão tenha ocorrido em 1883, três anos depois de o corato do Raminho ter sido elevado a paróquia, e desde esse ano que todos os dias 31 de maio começam ou terminam com o mesmo ritual, mesmo que calhe num dia de semana.

A "procissão dos abalos", como é conhecida, nasceu da aflição das pessoas perante uma crise sísmica, despoletada pelo rebentar de um vulcão submarino ao largo da zona este da ilha Terceira.

Álamo Oliveira, escritor natural do Raminho, cumpre o ritual desde que se lembra de andar e aos 69 anos faz o percurso com a mesma devoção que a mãe lhe transmitiu.

"É uma procissão de penitência que está ainda muito viva. Continua a ser feita anualmente", frisou, em declarações à Lusa, acrescentando que os mais jovens também aderem.

A promessa feita durante a crise sísmica foi passada de geração em geração e os sismos frequentes ajudaram a cimentar a motivação.

Segundo Álamo Oliveira, a crise sísmica de 1980, a mais recente com impacto na ilha, fez "reavivar da devoção".

"As pessoas ainda vão bastante a esta procissão e independentemente de ser, este ano, às 06:30 da manhã, é num sábado, e por conseguinte penso que vai haver um número interessante de pessoas nessa mesma procissão", frisou.

Na freguesia vizinha Serreta também sai à rua a "procissão dos abalos", mas no dia anterior.

Segundo contava a mãe a Álamo Oliveira, estava previsto que as duas procissões se encontrassem no mesmo local, mas um sismo não permitiu que se abrissem as portas da igreja do Raminho naquele dia.

Antigamente, as pessoas usavam mesmo a roupa do trabalho e ainda hoje a procissão dos abalos não requer luxos, nem tem muitos andores, apenas a imagem do Senhor dos Passos e duas coroas e bandeiras, símbolos do Espírito Santo.

Ao todo, a população percorre cerca de seis quilómetros na ida e no regresso da Igreja ao Cabo do Raminho, onde a população reza, junto a um altar, de onde é possível avistar a ilha Graciosa.

A procissão não leva filarmónica, por isso as pessoas cantam repetidamente uma avé-maria e uma santa-maria e no regresso repetem oito vezes um cântico, invocando Deus pai, Deus filho, o Espírito Santo e a Virgem Maria, à semelhança do que aconteceu na primeira procissão.

"Eles já vinham para trás, o padre já tinha feito a sua oração juntamente com os fiéis, mas os sismos continuavam e então de cada vez que fazia um mais forte, eles paravam ajoelhavam e cantavam", explicou Álamo Oliveira.

Segundo o escritor, a devoção ao Espírito Santo "já foi mais visível", mas a freguesia tem atualmente pouca gente e está cada vez mais envelhecida. Dos 500 e poucos habitantes, 300 têm mais de 60 anos.

Ainda assim, quando a terra treme, e nos Açores não são raras as vezes, a população recorre ao Espírito Santo.

Álamo Oliveira lembra que, em 1980, passados poucos segundos do sismo que abalou a ilha Terceira, já havia uma coroa do Espírito Santo no largo da freguesia de São Bento, com dezenas de pessoas ajoelhadas a rezar.

"Estas coisas quando acontecem normalmente fazem com que as pessoas puxem pelas suas réstias de fé e acabem por procurar encontrar a paz e o sossego e até a estabilidade naquilo que é transcendental", salientou.

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