Autor: Susete Rodrigues
Quem tem acesso às várias plataformas de redes sociais e ao podcast ‘Fala Agora’, bem como aqueles que já assistiram a espetáculos ao vivo de comédia, têm por hábito ver João Nuno Gonçalo na sua versão de humorista. No entanto, por detrás do comediante está um médico que exerce em Lisboa, uma história que nos conta mais à frente, mas primeiro diz-nos que teve uma infância e adolescência muito preenchida.
“Os meus pais sempre tiveram a preocupação de eu ter diversas atividades, desporto, conservatório. Tenho o 8º grau em Canto, tocava em orquestras e coros. Eram dias muito preenchidos e eram raros os dias em que chegava a casa antes das 8 horas da noite porque tinha sempre alguma coisa para fazer, de forma que, até ao 12.º ano e apesar de estar a receber vários estímulos, nunca tive muito tempo para pensar no que queria fazer”. Refere que a primeira vez em que pensou no que queria fazer “foi mais ou menos a duas semanas de fechar as candidaturas para o ensino superior”.
Adianta que na altura tinha a “ideia de seguir música, mas a minha voz ainda estava a desenvolver-se e já tinha recebido conselhos de colegas mais velhos para dar mais uns dois ou três anos para que a minha voz maturasse”. Por outro lado, havia também “uma pressão dos meus pais, no sentido de: ‘se queres ser artista, tudo bem, mas tira um curso primeiro, nem que seja para teres uma garantia para o futuro e depois segue a tua carreira artística’”. Ora, para não perder as notas dos exames nacionais, João Nuno Gonçalo, escolheu medicina “para ver se iria gostar e no que poderia dar. Entrei na Universidade dos Açores e quando dei por mim, estava já no 5.º ano do curso”. “Foram três anos na Universidade dos Açores e três em Coimbra, pelo meio fiz seis meses de Erasmus”, disse João Nuno Gonçalo, confessando que “foi o Erasmus que o ‘desencaminhou’ da medicina, “não no mau sentido, atenção, mas no bom sentido, isto porque o Erasmus proporcionou-me o que nunca tive, tempo para pensar no que queria fazer da vida. Como tinha algum tempo livre, comecei a perceber que havia uma parte de veia artística que eu não estava a saber explorar, porque já não estava ativo na tuna, nem nos Cavaleiros (da Távola de Queijos), e dei por mim a consumir muito ‘stand up comedy’”. “Nunca tinha imaginado fazer ‘stand up comedy’, nem sabia que dava para viver disso, e disse para mim que tinha de experimentar. Assim foi, e nunca mais parei”.
João Nuno Gonçalo explica ainda que a sua escolha pela Universidade dos Açores também se deveu, “primeiro para perceber se gostava ou não do curso de medicina e depois, porque na altura estava ainda muito ligado à música, ao conservatório e numa série de outros projetos, e não queria perder esse contacto com a música. Pensei que se fosse logo para o continente iria perder esse contacto. Acima de tudo tinha 18 anos acabados de fazer e achava que era imaturo para viver sozinho. Já sabia que depois teria de ir para Coimbra e teria que lá ficar três anos, foi uma fase”.
Atualmente a viver em Lisboa, do que sente mais falta é de ver o mar: “Pode até ser lamechas de se dizer, mas há um certo conforto em ver o oceano e saber onde está o sul e o norte, em Lisboa não faço ideia. No entanto, as pessoas do continente que vêm viver para cá, sentem-se presas, no sentido de que a terra acaba aqui e depois é mar. Comigo é ao contrário, vou para o continente e sinto-me preso”, afirmou para acrescentar que “somos influenciados um pouco pelo sítio onde nascemos e nesse sentido sou um bocado influenciado”. Também tem saudades de ter tudo próximo, ou seja, “aqui consegue-se sair do trabalho e ir à praia ou ir tomar um café, mesmo que haja trânsito. Em Lisboa já não é bem assim”.
Confessa que se tivesse o estatuto de um “Bruno Nogueira ou de um Ricardo Araújo Pereira, adorava fazer seis meses nos Açores, seis meses no continente, ou por exemplo, estar oito meses a trabalhar no continente e depois na altura do verão - que é quando o ‘stand up’ diminui um bocado o volume de trabalho - vir para cá”. Contudo, neste momento a “minha vida tem de ser em Lisboa, trabalho muito em palco, em ‘comedy club’ e em bares que têm noites de comédias. Aqui, em São Miguel, senão for eu ou o Helfimed a organizar noites de comédias, não há. Em Lisboa, atuo duas ou três vezes por semanas”.
A comédia está sempre presente no seu dia a dia: “penso em comédia desde o momento em que acordo até ao momento em que me deito. Há uma parte do meu cérebro que está a ser estimulado e a reter tudo o que vejo e o que faço”, afirmou para exemplificar que “tenho no meu telemóvel notas com seis anos porque estão sempre a acontecer coisas e estou sempre a registar. Depois, se aquilo dá um vídeo ou um podcast ou um espetáculo, isso é um outro processo. Todas as semanas lanço um vídeo de comédia nas redes sociais, o que quer dizer que todas as semanas tenho que me sentar e produzir algo, o podcast é igual, e escrevo com muita regularidade para o ‘stand up’. Portanto, acabo por tirar algumas horas só para a comédia durante a semana”.
Questionado sobre o que falta nos Açores para cativar mais pessoas para as artes e também para levar mais público às salas de espetáculo, João Nuno Gonçalo adianta que, na sua opinião, “um deles é a falta de dinheiro, mas cada vez mais, acho que o problema não está só no dinheiro. É uma parte importante porque não se pode estar a trabalhar de graça, mas mesmo quando há dinheiro é mal gerido”.
Por outro lado, afirma que é preciso pensar no que vai ser a cultura nos Açores, explicando que “é muito importante manter o que é típico, mas também é importante apostar na renovação, porque o contemporâneo de hoje em dia vai ser o tradicional daqui a 200 anos”. É necessário perceber que os “Açores já não são aquelas nove ilhas perdidas no meio do oceano em que a única coisa que se faz é o Espírito Santo. Faz-se outras coisas. Estamos todos ligados pela internet, há pessoas a fazer trabalhos magníficos em várias áreas da cultura, é preciso criar uma agenda cultural que faça as pessoas saírem de casa”.
No que diz respeito a planos para o futuro, João Nuno Gonçalo, gostava de fazer mais solos de comédia, “só tenho um. Normalmente os artistas quando têm um solo de comédia fazem uma digressão”. Gostava igualmente de “fazer um musical e gostava de representar mais. Tive a oportunidade de participar na série ‘Rabo de Peixe’, na segunda e terceira temporadas, com a consciência de que não sou ator. Mas gostava de ter mais destas experiências de representar, porque também é uma coisa que gosto de fazer. A vida não me tem levado para aí, mas pode ser que agora leve”.