Açoriano Oriental
“Os Museus são escolas de cidadania através de coleções”, diz arqueólogo Luís Raposo

Luís Raposo, o arqueólogo e Presidente do Conselho Internacional de Museus da Europa, esteve presente no IV Encontro de Boas Práticas Museológicas que aconteceu na Ilha Terceira nos dias 27, 28 e 29 de outubro e esteve à conversa com o Açoriano Oriental.


“Os Museus são escolas de cidadania através de coleções”, diz arqueólogo Luís Raposo

Autor: Tatiana Ourique / Açoriano Oriental

Luís Raposo é um arqueólogo especializado no paleolítico e já dirigiu trabalhos de investigação em diversas regiões de Portugal, desde 1973. Já publicou cerca de 250 trabalhos de investigação e é o primeiro português a assumir o ICOM Europa.

No IV Encontro de Boas Práticas Museológicas que juntou museus dos Açores, Madeira e Canárias, Luís Raposo admitiu ter sentido alguma surpresa com a realidade açoriana que pouco conhecia: “Conhecia bastante mais da Madeira e já tinha a consciência de que nos arquipélagos portugueses havia um maior sentido de rede no mundo dos museus. A Madeira é um exemplo nacional de rede de museus. Nos Açores eu não conhecia tanto e estou muitíssimo surpreendido porque não só o sentido de rede existe bem vivo- coisa que no continente se tem perdido muito, lamentavelmente- como aqui nos Açores vejo um empenhamento muito vivo no conceito de rede e na integração das coleções visitáveis. Nós no continente (e penso que mesmo na Madeira) nunca conseguimos plenamente. Ou seja: quando se fala em museus a realidade é bastante diversificada.  Vai desde o pequenino museu de aldeia aos grandes museus de referência de uma região ou de um país. E depois há ainda todo um conjunto de realidades próximas a que chamámos de coleções visitáveis, núcleos, centros interpretativos, etc. Não são bem museus, mas que, embora a legislação nacional (que eu orgulhosamente ajudei a constituir, a lei-quadro dos museus portugueses) acolha, essas outras realidades, a verdade é que elas têm sido pouco acarinhadas pelos poderes públicos. Menos ainda do que os museus e também mesmo pelas populações. Ora aqui (nos Açores) eu não verifico isso. Existem mais coleções visitáveis do que museus e essas realidades estão em conexão com os museus que têm profissionais e que precisam de outras condições de preservação das coleções. Ora é dessas sinergias entre os museus que têm os profissionais e o conhecimento técnico de conservação e de serviços educativos, etc… e os pequenos núcleos museológicos que estão muito mais próximos do povo, da realidade de cada terra e onde as pessoas sentem que são as suas casas que se faz um bom e saudável mundo dos museus. E tudo isso está a acontecer nos Açores e, ao contrário do que vamos ouvindo da realidade nacional, até está a crescer. Portanto vou de alma lavada!”

Depois de uma pandemia em que as práticas museológicas tiveram que ser fortemente adulteradas, Luís Raposo garante que é tempo de recomeçar e não esquecer que a visita física ao Museu nunca deverá ser substituída. “Seria um erro trágico (e mesmo anti museu) pensar que passámos agora a ser bancos de imagens. A Pandemia deu-nos a ilusão de que o verdadeiro foco dos museus deve ser o digital, a realização de produtos para serem vistos à distância, e isso é importante porque temos gosto que pessoas que estejam noutro país acedam aos nossos produtos digitais. Também é muito importante a digitalização das coleções. Tudo isso é importante, mas nada disso substitui a visita ao próprio museu. A essência do Museu é o contacto direto com as peças originais que nos interpelam. As coleções têm uma aura própria e ela é insubstituível. Agora que o momento mais crítico da pandemia já passou e que estamos a regressar ao contacto físico, direto, tridimensional, analógico (porque nós somos criaturas analógicas) tenhamos aprendido a usar essas ferramentas para alargarmos o nosso leque de referentes e apelos para que os cidadãos visitem os museus. Eu costumo dizer que os Museus são escolas de Cidadania através de coleções e de memórias físicas. É esse, agora, o nosso desafio para o recomeço”, acrescentou.

Questionado sobre o que os Açores têm de melhor no que toca ao mundo dos museus a resposta de Luís Raposo foi imediata: “O que mais me impressionou foi visitar os pequenos museus do Carnaval, nas Lajes, ou do Vinho, nos Biscoitos, e perceber que apesar de autênticos e próximos do povo, eles têm muito boas museografias. Não são apenas depósitos de peças. Foi isso que mais me impressionou!”, disse o arqueólogo.

O IV Encontro de Boas Práticas Museológicas – Interconexão entre Museus Insulares é organizado pelo CHAM- Centro de Humanidades e juntou os Açores, a Madeira, as Canárias e pretende, agora, incluir Cabo verde no 5º encontro que já tem lugar marcado: o arquipélago da Madeira.


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