Autor: Tatiana Ourique / Açoriano Oriental
Luís Raposo é
um arqueólogo especializado no paleolítico e já dirigiu trabalhos de
investigação em diversas regiões de Portugal, desde 1973. Já publicou cerca de
250 trabalhos de investigação e é o primeiro português a assumir o ICOM Europa.
No IV Encontro de Boas
Práticas Museológicas que juntou museus dos Açores, Madeira e Canárias, Luís
Raposo admitiu ter sentido alguma surpresa com a realidade açoriana que pouco conhecia:
“Conhecia bastante mais da Madeira e já tinha a consciência de que nos
arquipélagos portugueses havia um maior sentido de rede no mundo dos museus. A
Madeira é um exemplo nacional de rede de museus. Nos Açores eu não conhecia
tanto e estou muitíssimo surpreendido porque não só o sentido de rede existe
bem vivo- coisa que no continente se tem perdido muito, lamentavelmente- como
aqui nos Açores vejo um empenhamento muito vivo no conceito de rede e na
integração das coleções visitáveis. Nós no continente (e penso que mesmo na
Madeira) nunca conseguimos plenamente. Ou seja: quando se fala em museus a
realidade é bastante diversificada. Vai
desde o pequenino museu de aldeia aos grandes museus de referência de uma
região ou de um país. E depois há ainda todo um conjunto de realidades próximas
a que chamámos de coleções visitáveis, núcleos, centros interpretativos, etc.
Não são bem museus, mas que, embora a legislação nacional (que eu
orgulhosamente ajudei a constituir, a lei-quadro dos museus portugueses)
acolha, essas outras realidades, a verdade é que elas têm sido pouco
acarinhadas pelos poderes públicos. Menos ainda do que os museus e também mesmo
pelas populações. Ora aqui (nos Açores) eu não verifico isso. Existem mais
coleções visitáveis do que museus e essas realidades estão em conexão com os
museus que têm profissionais e que precisam de outras condições de preservação
das coleções. Ora é dessas sinergias entre os museus que têm os profissionais e
o conhecimento técnico de conservação e de serviços educativos, etc… e os
pequenos núcleos museológicos que estão muito mais próximos do povo, da
realidade de cada terra e onde as pessoas sentem que são as suas casas que se
faz um bom e saudável mundo dos museus. E tudo isso está a acontecer nos Açores
e, ao contrário do que vamos ouvindo da realidade nacional, até está a crescer.
Portanto vou de alma lavada!”
Depois de uma pandemia em
que as práticas museológicas tiveram que ser fortemente adulteradas, Luís
Raposo garante que é tempo de recomeçar e não esquecer que a visita física ao
Museu nunca deverá ser substituída. “Seria um erro trágico (e mesmo anti museu)
pensar que passámos agora a ser bancos de imagens. A Pandemia deu-nos a ilusão
de que o verdadeiro foco dos museus deve ser o digital, a realização de
produtos para serem vistos à distância, e isso é importante porque temos gosto
que pessoas que estejam noutro país acedam aos nossos produtos digitais. Também
é muito importante a digitalização das coleções. Tudo isso é importante, mas
nada disso substitui a visita ao próprio museu. A essência do Museu é o
contacto direto com as peças originais que nos interpelam. As coleções têm uma
aura própria e ela é insubstituível. Agora que o momento mais crítico da
pandemia já passou e que estamos a regressar ao contacto físico, direto,
tridimensional, analógico (porque nós somos criaturas analógicas) tenhamos
aprendido a usar essas ferramentas para alargarmos o nosso leque de referentes
e apelos para que os cidadãos visitem os museus. Eu costumo dizer que os Museus
são escolas de Cidadania através de coleções e de memórias físicas. É esse,
agora, o nosso desafio para o recomeço”, acrescentou.
Questionado sobre o que os
Açores têm de melhor no que toca ao mundo dos museus a resposta de Luís Raposo
foi imediata: “O que mais me impressionou foi visitar os pequenos museus do
Carnaval, nas Lajes, ou do Vinho, nos Biscoitos, e perceber que apesar de
autênticos e próximos do povo, eles têm muito boas museografias. Não são apenas
depósitos de peças. Foi isso que mais me impressionou!”, disse o arqueólogo.
O IV Encontro de Boas
Práticas Museológicas – Interconexão entre Museus Insulares é organizado pelo
CHAM- Centro de Humanidades e juntou os Açores, a Madeira, as Canárias e
pretende, agora, incluir Cabo verde no 5º encontro que já tem lugar marcado: o
arquipélago da Madeira.