Açoriano Oriental
Novo regime de apoio não dá resposta ao setor cultural

Para o Movimento pela Arte e Cultura nos Açores, o novo Regime Jurídico de Apoio a Atividades Culturais que esteve em consulta pública é confuso e “falha” ao não fazer as mudanças que o novo contexto das artes e cultura nos Açores exige

Novo regime de apoio não dá resposta ao setor cultural

Autor: Paula Gouveia

O MOVA - Movimento pela Arte e Cultura nos Açores, que agrega agentes culturais e cidadãos de todas as ilhas, considera que o Decreto Regulamentar Regional (DRR) que revê o Regime Jurídico de Apoio a Atividades Culturais (RJAAC) não introduz “uma mudança efetiva” e não corresponde “às expectativas” do setor cultural.

Na apreciação feita em agosto ao documento, e que teve por base o trabalho de reflexão feito pelo MOVA materializado na proposta de reformulação do RJAAC entregue em dezembro do ano passado à tutela, afirma-se que “lamentavelmente, este DRR - RJAAC falha em reconhecer que existe um novo contexto de produção/ apresentação nas artes e cultura (nas suas múltiplas áreas) e de novos procedimentos e formas de apoiar o setor”.

Para o MOVA, o novo RJAAC não responde à necessidade de “implementação de mecanismos de flexibilização e de desburocratização dos procedimentos administrativos”; “apresenta uma estrutura confusa, onde os enunciados vagos podem dar espaço a muitas interpretações e mal entendidos que, em última instância, poderão provocar atrasos e perturbações para os candidatos e para os serviços técnicos responsáveis por gerir as diferentes fases do processo”.

Para os agentes culturais, “é fundamental (e urgente) remodelar a sua arquitetura para ficar claro a quem se dirige, quais são as modalidades de apoio, quais os patamares de financiamento, os critérios de admissibilidade e processo de avaliação, a contratualização, execução e o processo de avaliação final a implementar”.

Salienta-se ainda que “há uma confusão geral entre Modalidades/Tipologias de Apoio e Patamares de Apoios que é importante distinguir e clarificar no início do DRR” e afirma-se que “estas questões são centrais para o futuro do RJAAC”.

“De uma forma geral este DRR - RJAAC não apresenta atualizações formais ou conceptuais à forma como se colabora e trabalha com o setor cultural nos Açores. Não se reforçam compromissos, nem se potencia o investimento, além de que mantém um processo burocrático penoso para todas as partes, inclusive para a DRAC que continua sem capacidade humana e técnica para chegar a todas estas questões e processos”, conclui o MOVA na apreciação ao novo regime de apoio que foi enviada à Secretaria no período de consulta pública.


“É apenas um remendo”

Ana Brum, da companhia Cães do Mar (Terceira), e membro do MOVA que esteve reunido esta semana, explica que “este DRR fica muito aquém daquilo que são as reais necessidades de regulamentação dos apoios aqui na Região para as atividades culturais. No fundo é apenas um remendo, e não é um muito bom remendo”.

Na sua opinião, “a proposta que esteve em cima da mesa não reflete de todo as nossas expectativas e as nossas necessidades básicas”.

Entre os aspetos que o novo regime não salvaguarda, Ana Brum destaca “os princípios de transparência na forma como os projetos são avaliados”. “O que preside à escolha dos júris, porque é que estas pessoas são escolhidas, quais são as suas características? [Atualmente], não conseguimos sequer saber as suas notas biográficas”, ao contrário do que acontece nas candidaturas aos apoios da DGArtes e do ICA.
Por outro lado, o novo regime “continua a não clarificar quais são os critérios de avaliação, sendo que, no atual modelo do RJAAC os critérios de avaliação não estão refletidos na ficha de formulário de inscrição que nos é enviada, ou seja, o que se pede no formulário não corresponde depois ao que é avaliado, o que é gravíssimo e que por si só é um problema para quem está a fazer os projetos e para quem os avalia, porque se há um desfasamento entre o que é pedido e o que é avaliado, a avaliação não será fácil” - e esta queixa está refletida nas atas dos júris, diz.

Depois, há a questão dos prazos, e, na sua opinião, “a legislação tem de ser mais clara no que são também as obrigações da Direção Regional dos Assuntos Culturais (DRAC).

Na sua opinião, há necessidade ainda de introduzir “um sistema de patamares financeiros que nos permita saber exatamente com que valores podemos contar”. Ana Brum dá o exemplo da DGArtes: “quando avançamos com um projeto para a DGArtes sabemos que se tivermos apoios será naquele valor, e criamos os projetos com base nisso, o que dá imensa estabilidade aos projetos e às estruturas e conseguimos gerir os orçamentos de uma forma completamente diferente”.

Ana Brum salienta ainda que “a DGArtes quando apoia, apoia com cerca de 60%, sendo que a DRAC no máximo dos máximos dá 30%”. “A média de apoio da DRAC fica muito aquém do que é necessário para executar um projeto. É quase como se o apoio se sabotasse a si mesmo”.

Na sua opinião, “há também necessidade de criar uma diferenciação nos apoios para as estruturas que têm um projeto a longo prazo e que não são pontuais, com equipas incluídas”, de modo a que, “à semelhança do que faz a DGArtes, os apoios incluam os valores necessários para a manutenção de equipas e de espaços”.

Depois, sustenta, “os critérios não podem ser os mesmos para a edição e para a dança, para um grupo de folclore e a companhia de ópera. É preciso começar a diferenciar as coisas. As danças e bailinhos de Carnaval têm de ter um fundo próprio, um espaço próprio, porque fazem parte do nosso património imaterial, e como tal devem estar colocados noutro concurso, noutra ordem”. E, alerta: “não se pode aceitar que haja cooperativas municipais a concorrer ao RJAC”.

“O que é importante é definirem-se tipologias de apoio, apoios para planos de atividades anuais ou bianuais e apoios pontuais, ou seja apoios singulares a projetos específicos. E depois definirem-se patamares de apoio que é uma coisa que não existe neste momento”, diz Jesse James, outro membro do MOVA.

Para o cofundador da Associação Anda&Fala, “o Decreto Regulamentar Regional apresentado ainda precisa de muito trabalho, e na realidade não devia ser um DRR, mas sim um novo Decreto Legislativo Regional (DLR) que fosse levado à Assembleia e que permitisse, em conjunto, e com tempo, podermos arquitetar uma nova política cultural para a Região”, afirma Jesse James.

Para o MOVA, “o DRR proposto reciclou uma arquitetura antiquada, reciclou a estrutura do RJAC que vem do início do século XXI, tem uma linguagem arcaica, e não se atualiza aos desafios da nossa contemporaneidade, e não se aproxima de um setor cultural que é diverso, inclui muitas estruturas profissionais, que estão a trabalhar ao lado de coletividades e grupos informais. Não vai resolver nada e só vai criar problemas”, afirma Jesse James.

“Está a ser construído sobre estruturas que já não funcionam. E até as novidades que introduz não são claras, e em boa verdade, são extremamente confusas”, realça.

“Não corresponde de forma alguma às expectativas do setor ou sequer ao que a própria secretária refere que é a introdução de mecanismos de flexibilização e desburocratização do RJAAC – isso não acontece”, diz.

“É preciso sermos ambiciosos, e é preciso arquitetar uma nova política e uma nova estrutura. E isso significa fazer um novo DLR”, defende.


PUB
Regional Ver Mais
Cultura & Social Ver Mais
Açormédia, S.A. | Todos os direitos reservados