Autor: Nuno Martins Neves
O Serviço de Hemodiálise do Hospital do Divino Espírito Santo (HDES), em Ponta Delgada, abriu portas fez ontem 40 anos. Um marco nos cuidados de saúde para os insuficientes renais, que deixaram de ter de sair da sua ilha para poder aceder aos tratamentos. Mas 40 anos passados, as atuais instalações estão longe de serem as adequadas, estando, em muitos aspetos, “ultrapassadas”, como afirma, em entrevista, Osório Silva, presidente da delegação dos Açores da APIR - Associação Portuguesa de Insuficientes Renais. Para o representantes dos doentes que diariamente recorrem ao serviço, é preciso “reerguer uma nova esperança” para os hemodialisados, pois “as condições neste momento são obsoletas”.
“Nunca é demais recordar que há 40 anos, os doentes insuficientes renais crónicos, que necessitavam de hemodiálise, para ter acesso a esse tipo de tratamento, tinham que sair da região, com tudo o que isso representava:distância familiar, a questão social, o que o obrigava a muitos deles a terem que prescindir da questão laboral, para poderem sobreviver”, explica Osório Silva.
A partir do momento em que o serviço foi instalado em Ponta Delgada - no antigo hospital - tudo mudou. A criação do serviço representou, portanto, não apenas um avanço técnico e clínico, “mas também um passo humanitário fundamental, permitindo que os doentes pudessem permanecer junto das suas famílias e comunidades, recebendo cuidados de saúde vitais sem o sofrimento adicional da distância e do isolamento. Apesar das limitações que o tratamento traz, foi um ‘recuperar da vida’”.
Osório Silva destaca que o Serviço de Hemodiálise do HDES tornou-se uma “referência regional” na prestação de cuidados especializados, com um compromisso constante, apesar das dificuldades existentes, nomeadamente em termos de infraestruturas.
“Diariamente, a dedicação e o profissionalismo das equipas médicas, de enfermagem e de apoio têm contribuído para salvar vidas e melhorar a qualidade de vida dos utentes, num trabalho silencioso, mas de enorme impacto social”.
Mas tudo tem um limite e para o presidente da APIRnos Açores, esse limite foi ultrapassado nos últimos anos. “Neste momento podemos afirmar, como afirmámos há alguns anos: na região temos neste momento o pior serviço de hemodiálise do país, devido aos restringimentos do espaço físico, que é diminuto face à necessidade e ao aumento de insuficientes renais que têm entrado e que necessitam de hemodiálise”.
Edá como exemplo os “remendos” feitos ultimamente no serviço: face à necessidade de instalar mais postos de hemodiálise, alguns estão a ser colocados em gabinetes, inclusive aqueles gabinetes dos médicos. “Quando isso acontece, é demonstração que está mais que esgotadíssimo aquele serviço, algo que não é novidade para nós, que já há alguns anos a esta parte temos vindo a alertar”.
Atualmente, existem cerca de 400 pessoas nos Açores a necessitar de efetuar hemodiálise, sendo que 135 localizam-se nas ilhas de São Miguel e Santa Maria.
Ese o número de doentes existentes vai muito além da capacidade das instalações, o mesmo se pode dizer para os profissionais que lá trabalham, “em condições que não são as ideais”.
“Hoje é preciso de facto reerguer, digamos assim, uma nova esperança. E esse reerguer de uma nova esperança passa desde logo por melhorar as condições que neste momento são obsoletas”.
Osório Silva assinala, ainda, outra grande limitação do serviço do HDES:se já dificilmente consegue dar resposta aos insuficientes renais das duas ilhas do Grupo Oriental, muito menos a quem nos visita.
“Se alguém quiser visitar os Açores, ou que seja descendente aqui da ilha de São Miguel e que queira regressar à sua ilha para visitar familiares, não consegue. O hospital neste momento não tem condições, nem vagas, que permita ter estrangeiros, quer açorianos que vivam no continente e que querem passar umas férias com os seus familiares da ilha de São Miguel, não conseguem, porque o hospital não tem capacidade de resposta. Nós recebemos imensas queixas todos os anos relativamente a esta situação, que é também do conhecimento público”.
Razões pelas quais a APIR Açores coloca como grande desafio para o presente e para os próximos anos a criação de uma nova sala de hemodiálise, que dê uma resposta adequada às necessidades atuais.
“Nós defendemos que esta nova sala de hemodiálise deve estar no hospital, porque o serviço público traz imensas vantagens para o doente. Apesar de a nível nacional haver muitas clínicas privadas onde nós fazemos hemodiálise e que oferecem excelentes condições também - isso não está em causa - isto não é uma questão ideológica, é meramente uma questão clínica”, diz.
E explica:“Um doente que faz hemodiálise dentro de um hospital, a partir do momento que tem alguma intercorrência, rapidamente é resolvido, porque há outras especialidades dentro do hospital, para dar uma resposta imediata. Se estiver numa clínica privada fora do perímetro do hospital, este doente, vai ter que recorrer sempre às urgências de medida dos hospitalares, com todos os constrangimentos que nós sabemos, desde logo o tempo de espera”.
Além das questões infraestruturais, Osório da Silva espera ver o corpo clínico reforçado. O serviço conta com mais um médico - “neste momento, são três residentes” - mas ainda há pouco tempo tiveram de vir enfermeiros do Hospital da Horta para dar resposta ao serviço.
Sem querer avançar com um número ideal, o representante dos insuficientes renais açorianos defende mais enfermeiros e médicos, e que o recurso a médicos tarefeiros não é solução.
“É necessário de facto obter mais médicos, mais médicos nefrologistas, para dar resposta à população da ilha de São Miguel, através das consultas que são dadas e que são necessárias à população. Porque hoje em dia, certamente, não temos estes dados concretos, mas face ao número de médicos que existe, a lista de espera, uma consulta do nefrologista no HDES, deve demorar imenso tempo.
Em novembro passado, a APIRAçores expressou estas preocupações ao Conselho de Administração do HDES, que lhe comunicou que, à data, não estava previsto nenhuma novidade nos planos operacionais que estão a ser desenhados para a remodelação do hospital.
“A esperança nestes 40 anos é que o novo plano funcional do hospital, inclua de facto a construção de uma nova unidade de hemodialise, e que ela seja, de forma imediata, face à grande necessidade”, afirma, esperando transmitir o mesmo ao Presidente do Governo Regional, em reunião que deverá ocorrer dentro em breve.