Autor: Rui Cabral
"Há espaços complicados que começam agora a aparecer", além de outros já tradicionais na cidade de Ponta Delgada, como a Calheta, onde o sociólogo e membro do Centro de Estudos Sociais da Universidade dos Açores, Eduardo Ferreira, diz haver mesmo "casos claros de segregação socioespacial", ou seja, ‘guetos’.
"No fundo, assistimos hoje a uma tendência para a malha urbana de Ponta Delgada se estender aos arredores, com construções em altura e há urbanizações, muitas delas de natureza social, que são muito complicadas", afirma Eduardo Ferreira, que aponta construções em zonas como os Arrifes ou São Roque como maus exemplos urbanísticos, com consequências sociais. Há, por isso, alerta o sociólogo, "que ter cuidado no planeamento da expansão que Ponta Delgada está a conhecer".
Como soluções para evitar a criação de ‘guetos’, Eduardo Ferreira aponta um "planeamento que integre várias dimensões, desde logo a urbanística, mas também a ambiental e a social". Isto porque, o problema da segregação, para o sociólogo, "vem do facto de se tentar agrupar pessoas quase todas elas com os mesmos problemas e essa é a pior forma de se resolverem as coisas, pois está-se a criar as condições para que as pessoas não saiam de uma espiral de pobreza, de desemprego e de marginalidade".
Eduardo Ferreira realizou em 2003 um inquérito porta-a-porta, no âmbito do seu mestrado, com a população residente na nova freguesia de Santa Clara. O objectivo foi o de dar conta das características sociais dessa população, que compreende realidades que vão do centro histórico da freguesia ao Ramalho ou à zona da nova urbanização do Paim. Outro objectivo do trabalho foi o de perceber de que forma essa heterogeneidade social exprime um sentimento de pertença a Santa Clara ou de que forma ela se reflecte ao nível da participação das pessoas no associativismo local.
E as conclusões a que Eduardo Ferreira chegou foram as de que "há diferenças muito significativas nas características da população residente em Santa Clara". No entanto, Eduardo Ferreira notou que, apesar dessas diferenças, "na prática, Santa Clara acaba por se caracterizar por dinâmicas locais muito fortes, de grupos de jovens ou movimentos paroquiais, para onde convergem todas essas pessoas com características muito distintas entre si". Há, por isso, segundo o sociólogo, "um sentimento de pertença forte à comunidade", não apenas do ponto de vista religioso, mas também do ponto de vista socioespacial.
Isto apesar da situação periférica de Santa Clara no contexto geográfico e mesmo social da cidade de Ponta Delgada, sendo mesmo uma das suas zonas mais desfavorecidas. "Santa Clara sempre foi uma zona marginal da cidade, um pouco à semelhança do que se passa com a Calheta e ainda hoje é visível a desvalorização urbanística e social de Santa Clara", afirma Eduardo Ferreira, enumerando alguns dos problemas que mais afectam a freguesia e que passam pela sua situação geográfica, encurralada entre o mar, o porto e o aeroporto; pela forte presença industrial pela velha situação dos tanques de combustível.
"É engraçado notar que uma grande parte da população residente em Santa Clara tem esse sentimento de secundarização de Santa Clara face a outras zonas da cidade e isso acaba por funcionar quase como um estímulo a que essa população, de forma organizada, tente afirmar a sua diferença em relação aos outros e que passa, entre outras coisas, pelo seu modo de organizar festas e receber pessoas na freguesia. A verdade é que quase ninguém se apercebe da vida social que está ali montada e não é por acaso que Santa Clara é quase como uma espécie de aldeia na cidade", conclui Eduardo Ferreira.