Autor: Ana Carvalho Melo
Oficial da Marinha de Guerra Portuguesa, o Comandante Filipe Mendes Quinto, ao longo da sua carreira percorreu o mundo, com os Açores a marcarem a sua vida pessoal e profissional.
“Nasci na Malveira, uma aldeia saloia no concelho de Mafra, e cheguei a São Miguel no final de 1959 a bordo do navio ‘Carvalho Araújo’, para uma comissão no Comando Naval, como se chamava na altura”, recorda o comandante, explicando que, como apaixonado por carros desportivos, trazia no porão o seu MGA, para uma estadia de quatro anos.
Nos Açores, formou família, casando-se com Beatriz Mendonça Dias, e foi também em São Miguel que nasceram dois dos seus quatro filhos.
Durante a sua passagem por São Miguel na década de 60, esteve envolvido no início dos ralis, tendo sido o responsável pela primeira prova do Rali de Iniciação, realizado em 1960.
“Fui a um evento em casa do cônsul britânico, onde estava o delegado do Automóvel Clube de Portugal, Albano de Azevedo, a quem sugeri o lançamento do automobilismo nos Açores. Ele gostou da ideia e disse que trataria do assunto. Dois ou três dias depois, telefonou-me a dizer que já tinha arranjado três pessoas para ajudar na organização da prova: Leo Weitzembaur, Dinis Faria e Maia, e Albano Neto Viveiros”, conta o o nonagenário, que esteve de visita a São Miguel.
A partir daí, começaram a planear a primeira prova a realizar em São Miguel, que teve lugar a 12 de junho de 1960. Foi uma prova de iniciação e de regularidade num percurso de 100 quilómetros entre Ponta Delgada e as Furnas, com três pontos secretos de controlo de velocidade e regularidade: o primeiro nas Feteiras, o segundo nas retas de Rabo de Peixe e o último na Achada das Furnas. Em cada um desses pontos, os concorrentes eram penalizados por cada minuto a mais ou a menos em relação à velocidade média de 47 km/h que tinha sido estabelecida.
“Foi uma prova que partiu em frente ao Comando Naval, com a participação de cerca de 50 automóveis, quase todos veículos particulares do dia a dia. Cada carro podia levar três pessoas: o condutor, o navegador e mais um elemento, à semelhança do que acontecia no Rali de Monte Carlo, onde se permitia levar o condutor, o navegador e um mecânico”, explica.
A chegada às Furnas deu-se em frente ao Hotel Terra Nostra, onde muita gente se reuniu. Da parte da tarde, houve ainda uma Prova de Perícia e Manobrabilidade no largo e jardim em frente ao edifício das Termas das Furnas, que também contava para a classificação final.
Dinis Faria e Maia, demonstrando interesse em participar no rali, não pôde continuar na comissão organizadora, tendo sido substituído por António Aguiar. Para que a prova fosse “oficial”, precisava da aprovação do ACP. “Graças às boas relações que mantinha com o Dr. Pedro Domingos dos Santos, presidente do ACP, foi-nos autorizada a organização do Rali de Iniciação”, recorda.
Foi a partir dessa primeira prova que surgiu o Clube Desportivo Comercial, que organizou as edições seguintes. “Este rali foi um sucesso. A segunda prova já durou dois dias, com uma prova noturna que partiu das Portas da Cidade e percorreu o concelho. A partir de então, começaram a surgir provas de velocidade e carros mais potentes”, enfatiza.
Acrescenta ainda: “Quando terminei a minha comissão, o rali já estava bem entregue a Toni Aguiar e Albano Neto Viveiros.”
Mesmo assim, foi homenageado pela sua iniciativa, antes de partir para uma nova comissão fora dos Açores. Sempre que regressava à ilha para férias, reunia-se com os colegas que nunca esqueceram o seu contributo para o início da história dos ralis em São Miguel. Com orgulho, mostra um livro com uma dedicatória de Toni Aguiar, agradecendo-lhe por tê-lo iniciado no mundo do automobilismo.
Além do automobilismo, Filipe Mendes Quinto esteve também envolvido na criação do Clube de Golfe de São Miguel, numa altura em que apenas existia o campo de golfe das Furnas, desenhado por Mackenzie Ross, com nove buracos. “Em meados dos anos 60, veio para os Açores o Almirante Paulo Viena, nomeado governador militar, com quem eu tinha trabalhado no continente. Ele pediu-me ajuda para criar um clube de golfe em São Miguel”, recorda.
“Na altura, no campo das Furnas, jogavam o Dr. Camacho, secretário-geral do Governo Civil, o engenheiro Manuel Luís da Câmara e o capitão Porfírio, comandante da Polícia.”
Começaram a reunir-se e a redigir os estatutos do clube. O primeiro presidente foi o Almirante Paulo Viena; João Gago da Câmara era o secretário-geral, responsável pela angariação de sócios, enquanto Filipe Mendes Quinto presidiu à comissão técnica, organizando torneios e estabelecendo as regras locais. “Com a autorização de Vasco Bensaúde, começámos a jogar no campo das Furnas. Na altura, éramos um grupo de cerca de 12 golfistas”, explica.
“Os ‘draws’ eram publicados no jornal ‘Diário dos Açores’ à sexta-feira, graças às boas relações que tinha com o Gustavo Moura”, recorda.
Ainda dessa época, menciona que o campo de golfe tinha um funcionário no clubhouse e outro que cuidava do campo, com a ajuda de um cavalo que puxava o cortador de relva dos ‘fairways’. Vacas pastavam nos ‘roughs’.
“Uma das primeiras coisas que fizemos foi comprar um saco de golfe e trazer um profissional da Terceira, Arnold de la Torre, para dar aulas de golfe”, relembra.
Ainda recorda que, no verão de 1963, foi realizado um torneio triangular de golfe e tiro aos pratos na Lagoa das Furnas, que juntou jogadores de São Miguel, da Base das Lajes e do Clube de Golfe do Estoril.
Quando terminou a sua comissão e teve de deixar os Açores, foi Raul Mendonça quem continuou a promoção do golfe em São Miguel.
Com uma carreira militar que o levou a percorrer o mundo, Filipe Mendes Quinto nunca perdeu a ligação aos Açores, onde sempre que possível passava as suas férias de verão. “Estava muito ligado à ilha e nunca deixei de cá vir com os meus filhos. Lembro-me de uma vez, quando vim de férias da Guiné, ao chegar à Ribeira das Tainhas, de onde a família da minha mulher tinha uma propriedade, a Quinta das Amoreiras, começaram a lançar foguetes. Pensei que fosse o sinal de avistamento de uma baleia, mas era para nós, porque os trabalhadores da quinta tinham uma grande amizade por mim”, conta.
Recorda ainda um episódio de 1975, quando comandava a fragata NRP Comandante Hermenegildo Capelo, que participou no processo de independência de Moçambique e Angola. Através do golfe, conquistou a amizade dos militares norte-americanos estabelecidos em Cabinda, no norte de Angola, onde operava a companhia petrolífera Gulf. “Graças a essa amizade, partilhada entre o golfe e o bridge na câmara de oficiais da fragata, consegui que, sem pedir, os americanos nos fornecessem água doce para o navio, sem cobrar nada pelo serviço.”
Depois de passar à reserva nos anos 80, trabalhou na administração do estaleiro naval “Argibay” em Alverca e integrou a direção do Automóvel Clube de Portugal, na Comissão de Automóveis Antigos e Clássicos, onde lançou o primeiro torneio “Rali ACP Golfe”, uma prova que juntava automobilismo e golfe.
Foi ainda secretário-geral da Federação Portuguesa de Golfe, organizando o primeiro campeonato nacional de pares (masculino e feminino) em São Miguel, no campo de golfe das Furnas.
Mais tarde, foi convidado a participar na comissão técnica, em representação da FPG, em vários torneios do Open da SATA, realizados durante alguns anos em São Miguel, tanto nas Furnas como no campo da Batalha.