Açoriano Oriental
Diretora do SEF admitiu "situação de tortura evidente" na morte de cidadão ucraniano

A diretora nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) admitiu que a morte de um cidadão ucraniano no aeroporto de Lisboa, da qual foram acusados três inspetores, foi resultado de “uma situação de tortura evidente”.

Diretora do SEF admitiu "situação de tortura evidente" na morte de cidadão ucraniano

Autor: Lusa/AO Online

“As investigações e tudo o que foi apurado até ao momento indicam que um cidadão ucraniano sofreu aqui tratamentos que conduziram à sua morte. O que se passou aqui não tenho grande dúvidas sobre uma situação de tortura evidente”, afirmou Cristina Gatões, em entrevista à RTP nas instalações do Espaço Equiparado a Centro de Instalação Temporária (EECIT) do aeroporto de Lisboa, onde em março morreu um cidadão ucraniano, depois de ter tentado entrar ilegalmente em Portugal, por via aérea em 10 de março.

Até agora, Cristina Gatões não tinha feito declarações em relação a este caso.

“É evidente que enquanto não percebermos todos o que se passou aqui, acho que nenhum de nós dorme descansado com uma morte destas às costas”, afirmou, referindo que “esta que é claramente a pior situação que o SEF alguma vez viveu”.

Em 30 de setembro, o Ministério Público acusou três inspetores do SEF do homicídio qualificado de Ihor Homenyuk.

Quando questionada sobre se tinha posto o lugar à disposição do ministro da Administração Interna, que tutela o SEF, ou se tinha pensado demitir-se, Cristina Gatões afirmou que “não”.

“É uma responsabilidade à qual eu não podia fugir. Por muito duro que seja o momento com que tive que lidar, abandonar não adiantaria nada e não iria introduzir nenhuma mudança positiva, que eu achava que era possível introduzir para que este trágico e hediondo acontecimento não seja nunca esquecido e nos catapulte para garantir que nenhum Ihor volta a sofrer o que este cidadão ucraniano sofreu nas instalações do SEF”, disse.

A diretora nacional do SEF revelou que foi “avaliado tudo o que era segurança” no EECIT do aeroporto de Lisboa, e foi criado “um novo regulamento, que impõe muito mais regras, muito maior controlo, por parte das pessoas que têm que garantir a assistência a estes cidadãos estrangeiros”.

Após a morte de Ihor Homenyuk, o ministro da Administração Interna determinou a instauração de processos disciplinares ao diretor e subdiretor de Fronteiras de Lisboa, ao Coordenador do EECIT do aeroporto e aos três inspetores do SEF, entretanto acusados pelo Ministério Público, bem como a abertura de um inquérito à Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI).

Na sequência deste inquérito, a IGAI instaurou oito processos disciplinares a elementos do SEF e implicou 12 inspetores deste serviço de segurança na morte do ucraniano.

Quando questionada sobre se tinha noção que haveria pelo menos 12 pessoas envolvidas na morte do cidadão ucraniano, Cristina Gatões sublinhou que considerou “importante” manter-se “prudentemente em silêncio, enquanto as investigações se faziam”, razão pela qual até hoje não tinha prestado declarações sobre o caso.

A diretora nacional do SEF considerou que “a descrição que é feita [na acusação] é medonha, hedionda, inqualificável” e defendeu que “aquilo nunca mais pode voltar a acontecer”.

“Toda a gente sabe que a acontecer o que aconteceu jamais haveria qualquer branqueamento, ação, por parte da direção nacional que não fosse de condenação severíssima, intransigente”, afirmou.

Os três inspetores do SEF - Bruno Sousa, Duarte Laja e Luís Silva – acusados de matar Ihor Homenyuk estão em prisão domiciliária desde a sua detenção, em 30 de março.

O Ministério Público considerou que “ficou suficientemente indiciado” que, em março deste ano, um cidadão ucraniano foi conduzido à sala do Estabelecimento Equiparado a Centro de Instalação, no Aeroporto de Lisboa, para aguardar pelo embarque num voo com destino a Istambul, tendo-se recusado a fazê-lo.

Perante a agitação que apresentava, Ihor Homenyuk acabou por ser isolado (na sala dos Médicos do Mundo) dos restantes passageiros estrangeiros, onde permaneceu até ao dia seguinte, tendo sido “atado nas pernas e braços”, mas acabou por ficar “apenas imobilizado nos tornozelos”.

Os inspetores acusados dirigiram-se à sala onde estava o cidadão, tendo-lhe algemado as mãos atrás das costas, amarrado os cotovelos com ligaduras e desferido um número indeterminado de socos e pontapés no corpo.

“Com o ofendido prostrado no chão, os arguidos, usando também um bastão extensível, continuaram a desferir pontapés, atingindo o ofendido no tronco. Ao abandonarem o local os arguidos deixaram a vítima prostrada, algemada e com os pés atados por ligaduras”, refere a acusação.

Horas depois, e depois de a vítima não reagir, acabou por ser acionado o INEM e uma viatura médica de emergência, tendo o médico de serviço da tripulação verificado o óbito do cidadão ucraniano.

Segundo o Ministério Público, as agressões cometidas pelos inspetores do SEF, que agiram em comunhão de esforços e intentos, provocaram a Ihor Homenyuk “diversas lesões traumáticas que foram causa direta” da sua morte.

O caso da morte de Ihor Homenyuk levou à demissão do diretor e do subdiretor de Fronteiras do aeroporto de Lisboa pela diretora do SEF, Cristina Gatões.


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