Açoriano Oriental
Centenas foram à Povoação ver as Festas do Corpo de Deus

Regresso das celebrações contou com o colorido dos tapetes de flores e a fé da procissão. Muita emoção nas centenas de pessoas que assistiram ao momento que une todas as gerações de povoacenses e que demorou semanas a preparar


Autor: Nuno Martins Neves

“Quando vejo a procissão sair, choro”. O desabafo de João Amaral, morador na rua 3 de Julho, da vila da Povoação, ao microfone da Açores TSF é o espelho da emoção e fé que transbordou ontem, dia da procissão em honra do Corpo e Sangue de Cristo, festas religiosas realizadas desde 1905, pela mão do padre Ernesto Jacinto Raposo. Centenas de pessoas aproveitaram o céu azul e sol de verão para maravilharem-se com os cinco tapetes florais que decoraram a vila povoacense, um dos pontos altos das festas.

Retornada à forma original após dois anos de paragem, devido à pandemia, a festa foi vivida pelos povoacenses com intenso fervor, como constatou o presidente da Junta de Freguesia da Povoação, Nilson Vieira.

“É o grande dia das Festas, depois das limitações da pandemia, as pessoas ansiavam por este dia. Ontem [quarta-feira,] acompanhei os trabalhos com o professor Alberto Linhares e é louvável a forma apaixonada com que as pessoas se dedicam a isto. Ontem (quarta-feira) foi até às 4h da manhã”, afirmou, referindo-se à preparação dos tapetes florais.

Ex-líbris da festa, os tapetes que pintam as principais artérias da vila sede do concelho que se diz “o mais lindo dos Açores” são fruto de longas semanas de trabalho e de mais de uma centena de pessoas diariamente, como João Amaral, por exemplo.

“Eu e mais três amigos começamos a pintura dos cavacos no dia 10 de junho, aproveitando o feriado. Fizemos a preparação das verduras, dos cavacos, dos moldes. Hoje [ontem], estamos a pé desde as 7h da manhã a preparar tudo para ficar pronto antes da procissão”.

A vontade não falta e isso “é essencial”, diz o morador da rua 3 de Julho que não deixa os créditos por mãos alheias na hora de elogiar o trabalho dos povoacenses. “Modéstia à parte, somos os melhores da ilha a fazer os tapetes para as igrejas. Já houve quem viesse cá copiar, mas não ficamos ofendidos, porque isto é tudo pela igreja, por nosso Senhor”.

Quem também não fica ofendida é a dona Selézia, como é conhecida. Responsável pelos arranjos de flores em frente ao edifício da Câmara, fala de uma festa que a deixa sem forças mas com o coração cheio.

“Estou há cinco anos a trabalhar nos tapetes. Somos uma equipa e já temos jovens com 17, 18 anos que estão integrados. O que é muito bom. Adoro o ambiente, chegar ao fim cansada - por vezes até me custa levantar, mas de coração cheio”.

O falecimento da única florista na vila levou a que as flores tivessem de vir da Ribeira Grande. Ao todo, conta dona Selézia, são quase 15 mil as plantas que enriqueceram as cinco ruas onde há tapetes. “É muita flor: esta pomba branca, por exemplo, tem cerca de 2.800 rosas, enquanto aquele coração tem 1.800. É uma beleza maravilhosa. Ver as pessoas passarem ao pé dos tapetes e elogiarem-nos, não tem igual. Até os turistas viram-se para nós e dizem ‘Good, good’. É uma alegria enorme”.

O empenho com que todos os povoacenses se entregam aos tapetes é, em si, também uma arte. A vontade que o seu tapete seja o mais bonito move-os, numa competição sadia pela melhor “obra de arte”, explica o presidente da Câmara Municipal.

“É uma competição muito saudável entre as várias ruas, em que cada um quer que a sua rua seja mais bonita que a outra. É uma motivação extra e tem dados resultados excelentes. É com esta energia que montamos este dia”, expressou Pedro Melo.

O autarca revela o papel e importância que os tapetes têm na vida da vila e do concelho: por um lado, com o cortejo a atravessar o coração da vila, os tapetes dão um ânimo vital à economia local; por outro, atrai as pessoas até à Povoação, até aqueles que há mais de 35 anos não pisavam a sua terra natal.

“Há 20, 30 anos, a festa tinha muitos dos nossos emigrantes. Era o que acontecia e perdeu-se isso. Mas de há 5 anos para cá, temos vindo a receber mais emigrantes. Esta quarta-feira, pelas 2h da manhã, enquanto estava a ajudar o grupo com as preparações, falei com um emigrante que já não vinha há 35 anos às festas e que disse que voltou pelo que foi vendo dos tapetes”, partilhou.

Para Nilson Vieira, este é o grande dias das Festas, que só terminam no domingo. Depois das limitações impostas pela pandemia, o presidente da junta de freguesia assume que “as pessoas ansiavam por este momento”.

A presença de centenas de pessoas, entre povoacenses, micaelenses de outros concelhos e turistas, nacionais e estrangeiros, foi encarado com muita satisfação pelo autarca, vendo nisso uma oportunidade para dar a conhecer as potencialidades da vila e do concelho e permitir ao comércio local respirar um pouco melhor.

“As empresas passaram por muitas dificuldades, avistam-se outros tempos complicados e por isso temos que aproveitar este momento, agarrar os tempos positivos e ajudar o comércio local e as empresas da Povoação. Espero que nos visitem, que almocem e jantem por cá, comam as nossas fofas e aproveitem estas nossas festas”.

Festas que unem toda a população, dos com mais idades aos mais novos, como explica Pedro Melo. Um aspeto que, para o presidente da Câmara, “faz-nos perceber que vamos conseguir manter as tradições quando os com mais idade já não puderem. Os jovens motivam-se com a energia dos mais velhos e das pessoas que nos visitam. Só posso ficar satisfeito, enquanto povoacense e presidente de Câmara”.

Além da parte religiosa, as Festas do Corpo e Sangue de Cristo tem também o seu lado profano, com o momento alto a ser a atuação da cantora Adelaide Ferreira, este sábado, dia 18 de junho, pelas 23h00.


Tapetes florais “são meios de evangelização” diz padre João Ponte
A procissão é o ponto alto da festa em honra do Corpo e Sangue de Cristo mas para o padre João Ponte os tapetes florais também cumprem o seu papel religioso.
O pároco da igreja Matriz da Povoação destaca o seu caráter evangelizador.

“Os tapetes acabam por ser um meio de evangelização, pois todos os tapetes são alusivos a vida de Jesus. Alguns não têm o foco principal na eucaristia, outros sim. Isto acaba por ser, indiretamente, pois o primeiro ponto é ser atrativo para quem nos visita, mas para a Igreja são meios para evangelizar através da imagem”, afirmou, expressando que as festas “são uma oportunidade de nos encontrarmos uns com os outros”.

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