Arte bonecreira exaltada em presépio tradicional na Lagoa

Presépio Tradicional da Lagoa, em exposição no Convento de Santo António, em Santa Cruz, junta todos os artesãos da arte bonecreira do concelho numa manifestação singular de tradição, etnografia e história



O quadro litúrgico (e histórico) que representa o nascimento do Menino Jesus - vulgarmente conhecido por Presépio - está, nesta altura do calendário, presente nos lares dos cristãos de todo o Mundo. 

Nos Açores, o presépio deu origem à arte de criar em barro as figuras que recordam o nascimento de Jesus Cristo, uma tradição que ganhou raízes no concelho da Lagoa, localidade famosa pela singular arte bonecreira de muitos dos seus artesãos. 

Desde 2022, no Convento de Santo António, localizado em Santa Cruz, está patente ao público - ao longo de todo o ano - o Presépio Tradicional da Lagoa, uma representação que evoca todas as premissas anteriormente descritas. 

Sob alguns dos arcos que sustentam parte do imponente edificado erigido no século XVIII, o presépio que “nasceu” com cerca de 800 figuras conta, três anos volvidos, com 1125 figuras em representação de 19 bonecreiros da Lagoa. 

Emanuel Maré, que não se considera um bonecreiro na verdadeira aceção da palavra,  foi o responsável pela montagem do presépio que ocupa sete metros e quarenta de comprimento por quatro metros de largura. 

“Inicialmente, quando foi concebido, foram três meses e duas semanas em horário pós-laboral, entre as 17h30 e as 24h00. Começou com uma mesa simples, mas com o passar dos anos, e à medida que foi crescendo, foram adicionadas mesas e elevações”, conta o autor do presépio ao Açoriano Oriental. 

As primeiras figuras do presépio vieram do arquivo da Câmara Municipal da Lagoa e os quadros nele representados  foram construídos com o objetivo de reproduzir, ao máximo pormenor possível, aquilo que são as tradições e os costumes da Lagoa, mas também aquelas que são as características mais identitárias da ilha de São Miguel.

“Tudo começou com uma visita ao arquivo da Câmara Municipal para ver o que é que havia de peças guardadas. Sugeri as ideias do que queríamos implementar no presépio e parte das figuras foram feitas por encomenda a bonecreiros da Lagoa que estão no ativo. Só depois é que os cenários foram criados, consoante as peças que tínhamos”, relata o autor do presépio que, também ele, contribuiu com cerca de 200 figuras. 

Tendo a Lagoa se desenvolvido a partir do Porto dos Carneiros, o Presépio Tradicional da Lagoa não podia deixar de ter, como quadro de abertura, uma representação daquela importante infraestrutura marítima. Uma procissão em honra do Divino Espírito Santo, a tradicional partilha das Sopas do Espírito Santo, o Quarto do Santíssimo, as dispensas de pão e carne, os carros de bois, a matança do porco, uma adega, as vindimas, o pastoreio do gado,  a produção de ananases nas suas características estufas, o  cultivo tradicional da terra com recurso a animais, a procissão em honra de Nossa Senhora do Rosário, os moinhos de água, as plantações de chã no lugar da Gorreana e as fumarolas e caldeiras das Furnas - com os seus singulares cozidos à portuguesa e a tão afamada venda de milho cozido - compõem a sala da exposição permanente.

Em lugar de destaque, sobranceiro a todas estas representações, está o ponto de partida e a peça mais importante do conjunto. “Muitas vezes as pessoas ficam embevecidas a ver o presépio por baixo que chegam ao fim e dizem que não tem o Menino Jesus! Em jeito de brincadeira digo que ‘se não tem o Menino Jesus, então já não é um presépio, seria um quadro etnográfico’ e se olharem lá ao centro ele está lá, bem representado”, refere Emanuel Maré.

Este ano foram adicionadas 51 peças ao presépio sem ter sido necessário recorrer-se ao aumento do espaço. 

No futuro, o Presépio Tradicional da Lagoa ainda poderá receber mais algumas figuras de barro, mas o mentor do espaço tem em mente é o aperfeiçoamento de alguns detalhes  nos quadros já existentes. 

“Na quinta vou tentar colocar umas laranjas nas árvores; nas casas da rua por onde está a passar a procissão vou adicionar nas janelas as tradicionais colchas... Ainda se podem fazer alguns melhoramentos”, realça Emanuel Maré, que entre mãos já conta com um novo projeto para aquele núcleo museológico que, inevitavelmente, vai enriquecer ainda mais o património e o estatuto de Cidade Presépio que a Lagoa ostenta.
“O objetivo da Câmara Municipal não será mexer neste, o tradicional, será criar uma peça movimentada, também com figuras tradicionais, e criar um outro presépio num contexto completamente diferente desse: o presépio bíblico. Será um presépio que vai contar com todas as cenas da vida de Cristo e que será criado em uma outra sala”, anunciou o criador do presépio.  

Enquanto o presépio movimentado (mas feito com figuras de barro) será uma peça que, posteriormente, poderá ser deslocada para vários pontos da ilha, o presépio bíblico será, como o tradicional, uma exposição permanente e complementar. 

O desafio será criar figuras de barro à época, pese embora já existam bonecreiros na Lagoa que produzem bonecos de presépio que representam o povo da Judeia, local de muitos eventos bíblicos e onde ficavam cidades como Jerusalém, Belém e Jericó, uma área de grande importância religiosa e cultural que continua a ser central para a história judaica e cristã.

Figuras com mais de meio século de existência

Do conjunto das 1125 figuras de barro que compõem o Presépio Tradicional da Lagoa, há sete que se destacam das demais.  Sob olhar atento, distinguem-se por carregarem, nas cores já esbatidas, o longo passar dos anos. 

“As peças mais antigas são do senhor Luís Gouveia [1921-1969], com mais de 50 anos. São sete peças. Uma delas é o camponês e que deu origem aos meus moldes para criar os meus bonecos”, destaca Emanuel Maré. 

O gosto pela criação de bonecos de barro que, depois, se transformam em figuras de presépio nasceu em criança, mas foi por ação do artesão António Amaral que Emanuel Maré despertou para a arte bonecreira. E, mesmo não sendo artesão, falar do ofício e do presépio deixa-o com aquele singular brilho nos olhos...

“É um orgulho ver as pessoas a apreciar o trabalho que está aqui feito. E conversar com elas, perceber o interesse delas, deixa-me muito orgulhoso e com vontade de continuar a fazer mais e melhor”, finalizou o responsável pela conceção e montagem do Presépio Tradicional da Lagoa.


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A Missão País é um projeto católico de voluntariado universitário de âmbito nacional, que inclui a Universidade dos Açores. Este ano, realiza-se pela última vez em Vila Franca do Campo, entre os dias 7 e 15 de fevereiro de 2026, com várias atividades comunitárias