Uma vocação que nasceu na infância e que não esquece as raízes açorianas

Carolina Bettencourt. Desde a infância, a paixão pela representação guiou cada passo de Carolina Bettencourt. Atriz e cronista, a sua carreira reflete o compromisso com a arte e a valorização das suas origens açorianas. Com uma trajetória que inclui teatro, cinema e televisão, a atriz transporta para o palco e para a escrita a essência da sua terra natal, mantendo sempre viva a ligação aos Açores




A paixão pela representação em Carolina Bettencourt, nascida em 1984 em Ponta Delgada, surgiu de forma natural e precoce. Desde os quatro ou cinco anos, já expressava aos pais o desejo de ser atriz, uma vocação que floresceu enquanto assistia a peças de teatro no Teatro Micaelense.

“Quando vinham peças de teatro ao Teatro Micaelense, costumava ir ver, mesmo as peças para adultos, mas sempre que podia ia ver”, recorda, contando que, de todas as peças que assistia, “ao chegar a casa anotava o que achava importante”.

As suas brincadeiras de infância giravam em torno da representação e, durante as férias de verão, organizava espetáculos com os primos. Uma das suas primeiras iniciativas para dar forma à sua paixão ocorreu ainda na terceira classe, quando trabalhou numa esplanada familiar no Pico, juntando dinheiro para criar um camarim no seu quarto.

Desde cedo, Carolina Bettencourt percebia o valor de cada peça que assistia, anotando impressões com o olhar de uma criança curiosa e dedicada.

A primeira formação formal de Carolina Bettencourt foi com o grupo de teatro Anfiteatro, na Ribeira Grande. No entanto, a sua vontade ultrapassava as fronteiras de São Miguel, onde, na altura, não havia estudos especializados em teatro.

Com 17 anos, após completar o 10.º ano, partiu para o Porto, onde ingressou na Academia Contemporânea do Espetáculo (ACE). Este passo marcou o início de um percurso de desafios e aprendizagens. Nesta escola, concluiu o Curso Profissional de Interpretação sob a orientação de professores como António Capelo e Rogério de Carvalho. Trabalhou com encenadores como João Pedro Vaz, João Paulo Costa e Joana Providência, destacando-se a sua participação em Sonho de Uma Noite de Verão de William Shakespeare, encenado por José Carretas.

Embora motivada, a adaptação à vida citadina não foi fácil. A mudança de uma ilha, onde todos se conheciam, para uma cidade grande trouxe-lhe a sensação de anonimato e a dificuldade de criar laços. Contudo, sabia que estar ali era fundamental para o seu crescimento.

“Não foi uma adaptação fácil, a distância pesou, mas sabia que tinha de estar ali”, recorda.

Depois da Academia Contemporânea do Espetáculo (ACE), Carolina Bettencourt prosseguiu os estudos em Lisboa, licenciando-se em Teatro – Dramaturgia na Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC) e obtendo um Mestrado em Artes Performativas – Interpretação na mesma instituição.

Foi na capital que encontrou um palco constante para a sua carreira, participando em várias produções com companhias e encenadores relevantes, como Ávila Costa no GTL, e em peças como Ruínas de Sarah Kane, com encenação de Nelson Monforte. No cinema e na televisão, participou em obras como o telefilme Anthero, O Palácio da Ventura, realizado por Zeca Medeiros, e na comédia Sete Pecados Rurais, de Nicolau Breyner. Destacam-se ainda os seus papéis na série Tremoços & Imperiais e no espetáculo A Rulote, encenado por Nuno Nunes, apresentado no festival FIAR 2010.

O seu trabalho inclui performances artísticas, como Incommunicabilis, apresentada no festival Walk&Talk em 2011, e colaborações com a companhia Teatro Joana em O meu filho Manuel, encenado por Ana Mourato.

Atualmente, Carolina Bettencourt trabalha no Teatro Actus, uma companhia que desempenha um papel didático, levando espetáculos alinhados com o Plano Nacional de Leitura para alunos do 7.º ao 12.º ano. Para ela, a conexão contínua com o público é essencial, permitindo-lhe evoluir e manter viva a sua paixão pela arte teatral.

Entre as suas criações marcantes, destaca-se Boca Ilha, o Rosto que Ninguém Vê, uma homenagem à sua terra e à obra de Natália Correia, onde pôde unir as suas raízes açorianas às artes performativas. A atriz reconhece que, apesar de a vivência em São Miguel não ter influenciado diretamente a sua escolha profissional, o ambiente cultural da ilha – com uma forte presença de literatura e música na família – contribuiu para a sua sensibilidade artística.

“Eu cresci muito próxima das artes, numa família onde os livros e a música estavam muito presentes. É possível que essa vivência me tenha influenciado a seguir teatro, ainda que não de forma consciente”, afirma. No entanto, revela que, depois de viver fora da Região, sente a necessidade de incluir nos seus projetos e espetáculos referências à sua terra natal.

E esta vontade leva a atriz a cultivar a sua ligação aos Açores, quer em projetos pontuais, como a colaboração com realizadores açorianos, quer passando férias na terra natal. Carolina Bettencourt vê hoje uma renovada vitalidade artística nos Açores, com mais oportunidades e um retorno de talentos dispostos a construir caminhos na região. Com otimismo, reconhece que há muito por fazer, mas acredita nas possibilidades e no potencial de desenvolvimento cultural das ilhas.

Atualmente, Carolina Bettencourt não só participa em teatro, cinema e televisão, mas também expande as suas habilidades, como na escrita de crónicas quinzenais para o Diário Insular. Esta diversidade mantém-na fora da zona de conforto, um aspeto que valoriza por incentivar a renovação e a honestidade artística. O seu percurso demonstra um compromisso contínuo com a arte e um amor genuíno pelo seu ofício, sempre com um olhar atento ao que a rodeia e às histórias que se entrelaçam com a sua vida.

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