Autor: Rui Jorge Cabral
Para além da cidade de Ponta Delgada, onde este culto se iniciou, realizam-se festas ao Santo Cristo, inspiradas pela imagem de Ponta Delgada, em mais 37 lugares dos Açores e na Diáspora.
Em comum a todas estas devoções está figura do Ecce Homo de meio corpo, representando o momento em que Jesus Cristo é apresentado à multidão por Pilatos, para ser condenado à morte e crucificado.
Aos sete locais nos Açores, juntam-se mais 11 locais no Canadá, 12 nos Estados Unidos da América, quer na Costa Leste, quer na Costa Oeste, um nas Bermudas e ainda mais seis lugares no Brasil.
A grande maioria destas festas ao Santo Cristo realiza-se enquadradas nas chamadas festividades de verão, embora nem todas estas celebrações do Santo Cristo tenham procissão ou festa profana associada.
Para além da festa do Senhor Santo Cristo de Ponta Delgada, que se realiza há mais de 300 anos, entre os locais onde se celebra o Santo Cristo nos Açores, inclui-se a ermida particular do Loreto, na Fajã de Baixo, em São Miguel, que abre durante as festas na cidade de Ponta Delgada e vão ali muitas pessoas prestar culto, embora não se realize procissão.
Nos Açores, existe igualmente o Santuário do Senhor Santo Cristo da Caldeira, em São Jorge, havendo também na mesma ilha a Ermida do Santo Cristo, na Fajã das Almas.
Na ilha do Pico, na Silveira, próximo da Vila das Lajes, também existe uma celebração ao Santo Cristo, acontecendo o mesmo na Ermida dos Toledos, próximo da Vila da Madalena, que embora numa escala muito local, também celebra a sua festa do Santo Cristo.
Contudo, as principais festas do Santo Cristo nos Açores, inspiradas na festa de Ponta Delgada, são a festa do Santo Cristo de Santa Cruz, na ilha Graciosa, bem como a festa do Santo Cristo de Vila do Porto, em Santa Maria.
Em declarações ao Açoriano Oriental, o padre Hélio Soares, investigador do Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa (CEHR - UCP), que realizou este levantamento, destaca, nos Açores, o Santuário da Caldeira do Santo Cristo.
A criação do Santuário ocorreu em 1996, todavia já se realizava a festa e a procissão do Santo Cristo desde a década de 30 do século XIX, sendo há muito um local de peregrinação, associada à própria beleza única da Fajã da Caldeira de Santo Cristo.
Mas também as festas do Santo Cristo realizadas em Vila do Porto “têm uma escala que podemos considerar de toda a ilha” e as de Santa Cruz da Graciosa merecem destaque, uma vez que no caso da Graciosa também se trata de uma festa que envolve toda a ilha “e que nas últimas décadas assumiu uma componente profana muito forte”, a exemplo das festas de Ponta Delgada.
Embora com especificidades muito próprias da cultura graciosense, uma vez que que se realizam touradas de praça durante a festa do Santo Cristo na Graciosa, algo que nunca aconteceu em Ponta Delgada, onde não existe a tradição das touradas.
Ao nível da Diáspora, o padre Hélio Soares salienta que há no Estado do Rio de Janeiro, no Brasil, duas paróquias fundadas no início do século XX por açorianos, com invocação ao Senhor Santo Cristo, um busto do Ecce Homo de meio corpo, sendo uma mesmo na cidade do Rio de Janeiro e outra em Niterói, em frente ao Rio de Janeiro.
No Estado de São Paulo, existe também em Tiradentes, nos arredores da cidade de São Paulo, uma paróquia do Senhor Santo Cristo dos Milagres, fundada por açorianos, embora muito mais recente que as paróquias do Rio de Janeiro.
E apesar de já não se poder falar propriamente de uma forte comunidade açoriana nessas duas grandes cidades brasileiras, as festas do Santo Cristo mantiveram-se “assimiladas pelos paroquianos”, muitos deles já com outras ascendências.
Pelo contrário, na Casa dos Açores do Rio de Janeiro, que promove também uma festa do Santo Cristo com procissão e um convívio, esta sim é realizada com açorianos ou descendentes de açorianos.
Nos Estados Unidos da América, o padre Hélio Soares destaca a mais antiga festa, criada na Paróquia do Santo Cristo de Fall River, no Estado de Massachusetts, no final do século XIX, cidade para onde foram viver muitos açorianos, vindos sobretudo da ilha de São Miguel.
Conforme recorda o padre Hélio Soares, “a rede paroquial portuguesa nasce em New Bedford e vai-se expandindo no território da Nova Inglaterra, sendo a Paróquia do Santo Cristo, a primeira paróquia portuguesa de Fall River. A comunidade escolheu esta invocação ao Santo Cristo porque a maioria dos imigrantes eram micaelenses e tinham no Santo Cristo uma devoção comum a eles todos”, mais do que as devoções que traziam das suas paróquias de origem na ilha de São Miguel.
Contudo, a festa do Santo Cristo de Fall River, que foi durante muitos anos a maior festa de agregação da comunidade portuguesa da cidade, acabou a partir da década de 1990 por perder importância em relação às Grandes Festas do Espírito Santo da Nova Inglaterra, realizadas precisamente em Fall River.
Merecedora de destaque é igualmente a mais recente das festas do Santo Cristo criadas na Diáspora açoriana, com inspiração nas festas de Ponta Delgada: a que tem lugar na cidade de Brampton, na província do Ontário, no Canadá.
E conforme explica o padre Hélio Soares, “esta não só é a festa mais recente, como também consegue agregar, sobretudo no domingo em que se realiza a procissão, milhares de emigrantes”.
A festa do Santo Cristo de Brampton é também aquela que mais se aproxima do Santo Cristo de Ponta Delgada, transpondo muitos dos seus rituais.
Conforme explica o padre Hélio Soares, em Brampton, “faz-se também a procissão da mudança da Imagem no sábado, existe uma Irmandade, cujo provedor também bate à porta para receber a imagem e há toda uma série de rituais de Ponta Delgada que são reproduzidos em Brampton”.
O padre Hélio Soares, que já participou na festa do Santo Cristo em Brampton, afirma ter ficado impressionado com a sua organização, com muitos voluntários, que procuram envolver inclusivamente as gerações mais novas.
Isto porque, explica o padre e investigador do CEHR - UCP, “com exceção da festa realizada em Brampton, muitas das festas do Santo Cristo na Diáspora estão em decadência, porque as gerações mais novas não se reveem da mesma forma neste registo devocional que marcava as primeiras gerações de emigrantes”.
Mas esta não é a única razão, uma vez que os Estados Unidos da América e o Canadá têm dinâmicas laborais e económicas muito diferentes dos Açores, que influenciam a dispersão da segunda e terceira gerações, que deixam as paróquias de origem, tendo como consequência a perda de vitalidade”.
Uma realidade dos Estados Unidos da América à qual também não escapa o Canadá, uma vez que, explica o padre Hélio Soares, “as paróquias das comunidades portuguesas da periferia de Toronto, que na década de 1980 tinham uma vitalidade muito forte, neste momento estão numa decadência grande, porque não há renovação”.
E quando esta renovação existe, já não é feita com base nos imigrantes açorianos, mas sim com base em novas comunidades imigrantes de países também católicos, como é o caso das Filipinas ou do México.
Em jeito de conclusão, o padre Hélio Soares explica que apesar das muitas diferenças entre estas várias festas do Santo Cristo realizadas em 37 lugares diferentes dos Açores e da Diáspora, existe ainda assim um tronco comum da realização de missas solenes e procissões, devendo-se as muitas variações entre festas “ao poder económico de cada comunidade” e à sua dimensão.
Conforme explica o padre Hélio Soares, “se a comunidade tem poder económico, vemos toda uma dinâmica festiva muito mais exuberante”, enquanto que nas comunidades com menor poder económico, as festividades são realizadas de forma mais comedida.
Refira-se ainda que em muitas procissões do Santo Cristo, o andor é mais modesto do que o de Ponta Delgada, sendo poucas as que replicam o dossel coberto de flores que protege a imagem do Santo Cristo.
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