O pirata dos Flamengos

Em 1993 o realizador José Medeiros convidou-me a escrever letras para músicas que ele compusera destinadas a um telefilme (mais concretamente um musical), intitulado “O Feiticeiro do Vento”, que haveria de ser produzido e realizado pela RTP/Açores, e transmitido dois anos mais tarde.



Uma vez que o dito musical implicava a pirataria nos mares dos Açores, fiz na altura alguma pesquisa, e qual não foi o meu espanto quando topei com um tal José Cardoso, nascido em 1656 no lugar da Ribeira dos Flamengos, ilha do Faial, Açores, e que mais tarde viria a ser o temível Mustafá Gancho, capitão de um navio pirata.


Procedendo a pesquisas internéticas, encontrei, um destes dias, um trabalho deveras interessante de Arlindo Correia, intitulado “Três renegados, ex-cativos em Argel, na Inquisição, em 1698” (arlindo-correia.com/100513.hotmail), e dei novamente de caras com José Cardoso. Desse texto respigo, com a devida vénia e da forma mais sintética, a história do pirata faialense que assim se conta.


Numa manhã de fevereiro de 1698, navegando ao sul de Espanha, o navio italiano “Santa Rosa” encontra uma pequena embarcação de nacionalidade hamburguesa. O comandante de “Santa Rosa”, cuidando que aquela embarcação havia sido capturada por piratas mouros, toma-a à sua guarda e manda prender os 11 tripulantes (seis mouros, dois europeus e três renegados). O navio ruma a Lisboa. Ali arribado, o comandante entrega os três renegados às autoridades. O secretário de estado, Mendes de Fóis Pereira, manda-os entregar à Inquisição e por Assento da Mesa de 20/03/1698, os ditos renegados vão parar aos cárceres da penitência enquanto o processo é instruído.


Vem-se a saber que os renegados, cativos em Argel, eram: Joseph Cardoso, português, analfabeto, de 42 anos; William Absen, inglês, de 18 anos; e Cesare Baldi, italiano, de 18 anos.


Pela Inquisição foram ouvidas duas testemunhas de acusação: o italiano Giacomo Fava e o português Pedro Sardinha. Ambos afirmaram que tinham conhecido Mustafá Gancho em Argel e que desconheciam que ele se chamasse José Cardoso, que fosse português e muito menos cristão.


Giacomo Fava referiu que o vira muitas vezes a rezar a Alá, e que era um pirata de maus instintos, homem soberbo e desbocado que tratava mal os cristãos cativos, chamando-lhes perros e outros nomes afrontosos.


A outra testemunha, Pedro Sardinha, referiu que Mustafá Gancho se gabava de andar a corso para prender cristãos, dizendo mesmo que o maldito havia cometido o pecado de sodomia.


Perante os inquisidores, José Cardoso defendeu-se dizendo que apenas simulara renegar a fé cristã, pois que sempre se mantivera cristão no coração. Disse chamar-se José Cardoso, nascido nos Flamengos, ilha do Faial. Aos 18 anos de idade embarcara como tripulante de um navio que transportava vários casais da ilha do Faial para o Brasil (Maranhão).


No regresso, perto da costa de Portugal, foi capturado por um corsário de Argel, vindo mais tarde a ser vendido como escravo a um turco de nome Mustafá, ficando dele cativo durante muitos anos. Mais disse que fora muito maltratado pelo seu patrão, que lhe dava muita pancada e pouco de comer. Após tantos anos de cativeiro decidira-se a renegar a fé de Cristo para não sofrer os maus tratos. Cinco anos depois, o seu patrão deu-lhe a liberdade pelo contentamento que teve de lhe nascer um filho.


Foi então que José Cardoso embarcou em navios que andavam a corso. Começou por ser marinheiro e artilheiro, depois cabo de guarda, guardião de navios e sotto-arrais (lugar tenente do comandante do navio), acabando como capitão de um navio pirata durante 14 anos, afirmando ter cometido, durante esse tempo, os maiores horrores e atropelos. Um dia, um combate malfadado deformou a sua mão direita, e a partir daí passou a ser tratado como Mustafá Gancho.


Segundo consta no Auto da Fé de 9 de Novembro de 1698, José Cardoso “confessou as suas culpas, com mostras de sinais de arrependimento, pedindo delas perdão e misericórdia”, pois estava farto da vilanagem, do deboche, dos massacres e das aventuras da sua vida corsária. Agora só queria paz e sossego e louvar a fé de Cristo.


A Santa Inquisição acabou por ser benevolente para com ele, pois libertou-o “por não haver prova muito exuberante”. A partir daqui perde-se o rasto e nada mais se sabe sobre este faialense errante.


O que eu sei é que, para mim, este José Cardoso, mistura de um excêntrico James Hook (Capitão Gancho) com um carismático Fernão Mendes Pinto, é um aventureiro digno de um filme de Hollywood.


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