Açoriano Oriental
O Meu Menino Mija(va) Americano

Foi a primeira bebida alcoólica que me deram a provar. E não, não tinha idade para beber Eggnog nem outro qualquer licor. Arrisco mesmo a dizer que aquela “gemada” doce americana servida na noite de Natal nos Estados Unidos fora, para muitos terceirenses, a primeira “mijinha”. “Era fraquinho” e “Não fazia mal nenhum”. Nem fez. E sabia –e ainda sabe- a Natal. Sabe Deus como ficavam os estômagos de quem abusava do cocktail de ovos que sabia ainda melhor fresquinho. Mas podíamos. O Eggnog da base podíamos beber. Era como se o álcool americano tivesse uma tolerância diferente.

O Meu Menino Mija(va) Americano

Autor: Tatiana Ourique / AO Online

.Na casa da avó Alzira o Eggnog estava ao lado do licor de tangerina caseiro que ela tão bem sabia fazer. Do outro lado da licoreira de vidro aos quadrados estava uma garrafa de Vat69 que o avô Chico trazia todos os anos da Base. O rei dos licores americanos chamava-se Sheridans. Uma garrafa mágica dividida a meio: de um lado o branco das natas e do outro o castanho licor de café. Servir um Sheridans tinha técnica: a garrafa tinha que ser inclinada direita para que a mistura caísse diretamente proporcional no copo.

Na mesa da minha avó havia Skittles e amendoim com casca. Havia Pirolito ao lado do Dr. Pepper e do Mountain Dew e a Coca Cola podia ter sabor a cereja ou a baunilha. Na mesa da minha avó os chocolates 9 Ilhas misturavam-se com os 3 Musketeers e uma miniatura de Butterfinger era raptada antes dos chocolates Regina. Na mesa da minha avó as Donas Amélias piscavam o olho às congéneres americanas que não tinham o nome mas eram as rainhas: as Reese´s. Já os Baby Ruth são, ainda hoje, os chocolates favoritos de muitos terceirenses.

“Queres uns émiémes? Ou umas maminhas?” perguntava a avó Alzira aos meus amigos enquanto apontava para os coloridos M&M´s e para os Kisses embrulhados em papel brilhante. Eu corava. E os amigos entendiam.

Mas a verdadeira perdição dos mais novos eram os caramelos Sugar Candy. De papel amarelo e com as letras a vermelho. Eram pouco comuns e, por isso, mais desejados (ou então pela quantidade de açúcar que continham). A minha mãe conta que foram os primeiros presentes de Natal das famílias cujos patriarcas trabalhavam na base, como era o caso do avô Chico. “Poupávamos o caramelo de tal forma para que, durante um mês, fosse a nossa sobremesa”, lembrava a minha mãe com olhar de pena para os mais novos a devorar a guloseima num ápice. Também lhe fazia alguma impressão ver-nos trincar os rebuçados amarelos de Butter Scotch “como uma galinha a trincar milho”- palavras dela.

Da base vinham bebidas com e sem álcool e vinham doces, mas os aperitivos também não falavam português. As Pringles e os Combos com sabor a pizza só não estavam na mesa se o avô fosse lá comprar depois de meados de novembro. É que a limpeza dos portugueses às prateleiras do B.X. começava demasiado cedo.

Há cerca de dois anos os sabores de Natal mudaram na Terceira. Já são poucas as mesas onde podemos roubar uma “maminha” ou um “émiéme”. As aguardentes e os licores caseiros voltaram a ganhar lugar de destaque nas noites de “Menino Mija” e até as tangerinas voltaram a ter estatuto de iguaria de Natal. Os amendoins despiram-se de chocolate e de cores. São agora servidos ao natural com categoria eterna de aperitivos nas mijinhas dos meninos açorianos. Com as letras em inglês ou em português… Porque esta tradição é poliglota.


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