Açoriano Oriental
Normas de gestão partilhada do mar declaradas inconstitucionais

Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais duas normas da designada Lei do Mar, aprovada em 2020, que advogam a gestão partilhada do espaço marítimo entre a República e as regiões autónomas dos Açores e da Madeira

Normas de gestão partilhada do mar declaradas inconstitucionais

Autor: Lusa

O Tribunal Constitucional (TC) declarou inconstitucionais duas normas da designada Lei do Mar, aprovada em 2020, que advogam a gestão partilhada do espaço marítimo entre a República e as regiões autónomas dos Açores e da Madeira.

Num comunicado e acórdão divulgados ontem, relativos à sessão plenária de quarta-feira, o TC considera que a gestão do espaço marítimo nacional é da “exclusiva competência” do Estado, não podendo essa gestão estar dependente da posição das regiões autónomas da Madeira e dos Açores.

Aprovada em 2022 na Assembleia da República e promulgada pelo Presidente da República, a Lei de Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional foi alvo de um pedido de fiscalização sucessiva abstrata da constitucionalidade por parte de 38 deputados do PS, PSD e PCP.

Em plenário de quarta-feira, o TC considerou “que o condicionamento introduzido” na lei “por via da vinculatividade do parecer obrigatório” das regiões autónomas, “retira a exclusividade da competência para exercer os poderes dominiais resultantes da soberania e jurisdição” que o Estado “detém sobre a zona da plataforma continental em causa, designadamente no que se refere à atividade ordenadora inerente ao planeamento de tal espaço marítimo”.

“Ora, o exercício desses poderes não é transferível para outras entidades, sob pena de comprometer o estatuto jurídico de dominialidade e a integridade e soberania do Estado”, refere o comunicado do TC.

O TC assinala ainda que, “no que ao regime dos bens do domínio público diz respeito, a reserva de competência legislativa da Assembleia da República [AR] é total”.
Assim, a AR “não se pode limitar a definir as bases gerais de tal regime, antes devendo fixar todo o conteúdo primário do mesmo”, acrescenta o TC.


Presidente do TC defende autonomia regional perante “pendor centralista”
O presidente do Tribunal Constitucional (TC) recusou subscrever a decisão de inconstitucionalidade de uma das normas da designada Lei do Mar, defendendo a autonomia das regiões autónomas e criticando o “ancestral pendor centralista da cultura política dominante”.

A posição é manifestada numa declaração de voto incluída no acórdão do TC que, “por maioria”, deliberou sobre a inconstitucionalidade de duas normas da Lei de Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional, aprovada em 2020, advogando a gestão partilhada do espaço marítimo entre a República as regiões autónomas.

No texto, João Caupers diz não poder “subscrever o juízo de inconstitucionalidade” de uma das alíneas da decisão pois, “respeitando as convicções dos outros membros do plenário”, considera “que elas refletem, em maior ou menor medida, o ancestral pendor centralista da cultura política dominante”.

Para João Caupers, esta cultura “tende a ver a autonomia regional como uma espécie de remédio de gosto amargo, a tomar com parcimónia, em doses moderadas, sempre com receio dos efeitos secundários - o afrouxamento do controlo do Estado sobre a atividade jurídico-pública dos órgãos próprios das regiões autónomas, o subsequente e fatal esbatimento do unitarismo do Estado e, ‘vade retro’, o fantasma do federalismo”.

“Para o Tribunal, o problema essencial que dita o juízo de inconstitucionalidade, é a circunstância de o parecer dos órgãos regionais ser vinculativo. Isto significa que o sentido da decisão a tomar seria codeterminado pelos órgãos do Estado e pelos órgãos regionais”, descreve.

A categoria dos pareceres vinculativos, diz, “é conhecida e usada em inúmeras áreas da administração pública, precisamente porque se trata de um instrumento útil para forçar entendimentos, que somente alguma pressão sobre ambas as partes permite alcançar”.

“A sua rejeição, neste caso, só pode radicar na prognose apocalíptica de que os órgãos das regiões autónomas iriam opor-se sistemática e arbitrariamente às intenções do Estado, obstando à tomada de quaisquer decisões”, refere.

Tal perspetiva “desconsidera que tal atitude prejudicaria, em primeira linha, as próprias populações dos Açores e da Madeira”.

“Como não a considerar desconfiada, senão mesmo hostil, à autonomia regional?”, questiona.

O presidente do TC lembra que a Assembleia da República (AR) introduziu “no processo decisional relativo à gestão” do espaço marítimo “um parecer obrigatório e vinculativo” das regiões autónomas da Madeira e dos Açores, procurando, “no que toca ao ordenamento do espaço marítimo nacional respeitante à parte da plataforma continental situada para lá das 200 milhas marítimas, rever o equilíbrio de poderes de gestão entre a República e as regiões autónomas, acentuando estes últimos”.

“Não questiono, no atual quadro constitucional, que a titularidade do domínio público marítimo pertence ao Estado, que não a pode transferir para quem quer que seja. Mas já não descortino por que razão será contrária à Lei Fundamental a transferência de poderes de exploração ou gestão sobre o mesmo domínio para as regiões autónomas, estando assegurado, como está, pela própria norma sindicada, o controle pelo Estado da preservação da integridade e soberania deste”, observa.

Para o presidente do TC, “é perfeitamente justificado o reforço de poderes das regiões autónomas no que toca ao ordenamento do espaço marítimo nacional, cuja dimensão, várias vezes superior à do território nacional, se fica a dever, em larguíssima medida, à existência e localização dos Açores e da Madeira”.


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