Açoriano Oriental
“Não sei se temos política cultural na Região”
 

O presidente da direcção da Vox Cordis duvida da existência de uma política cultural na Região, fala de lobbies na cultura e da absorção do mecenato pelo Governo e pela Câmara


Autor: Paulo Simões/Paula Gouveia
 

A Vox Cordis é uma associação musical que começa a ganhar forma em 2000, quando se zangam entre si alguns músicos do Coral de São José, que arrancou em 2002. Foi difícil essa decisão de cisão entre elementos do Coral de São José?

Eu creio que a Vox Cordis não nasce pela cisão. Nasce por outros motivos. Eu era o presidente da direcção do Coral de São José na altura e decidi sair porque achavam que estava mal intencionado.

Em que sentido?

No sentido de querer prejudicar a vida associativa. E eu não tinha outra opção, porque tinha sido um dos criadores do Coral de São José, senão demitir-me de sócio. Depois quiseram-me acompanhar pessoas que estavam bastante envolvidas com o projecto - de 1996 a 2000 assistiu-se a uma projecção enorme do Coral de São José. E saímos não com o intuito de criar alguma coisa - nessa altura queria apenas “sopas e descanso”. Estes projectos exigem muito da nossa vida particular e profissional.

O que o levou a olhar de novo o futuro em termos de música e cultura?

Este grupo que saiu continuou a encontrar-se e houve uma altura em que começaram a pressionar-me para fazer um novo coro. Depois comecei a pensar que se nos ligássemos em associação musical para termos um coro, este não deveria obedecer aos cânones normais dos já existentes mas sim enveredar por um tipo de música diferente, pois só assim compreendo haver mais um coro em Ponta Delgada. Não fazia sentido nenhum ser mais um apenas para satisfazer o nosso ego.

Como define o trabalho musical da Vox Cordis?

É um trabalho muito sério, afincado, que procura sempre encontrar novas soluções para a música coral. É isso que temos feito. As pessoas têm percebido que um projecto como este “tem pernas para andar” e que consegue fazer coisas bastante interessantes e trazer público mais jovem.

Se calhar é a abordagem musical que fazem que permite atrair público mais jovem...

É claro. Nós queremos abordar a música por uma vertente que traga mais gente para a música.

Não é elitista?

Não! É uma música muito séria. Há muitas peças que interpretamos que são de grau de dificuldade muito superior a muitas peças clássicas e, sendo um projecto em que as pessoas novas se podem rever, trazemos mais gente para a música.

Normalmente os grupos corais oferecem espectáculos de entrada livre, mas a Vox Cordis quebrou a regra.

Todos os concertos que temos feito têm sido pagos, sempre foi assim, à excepção da Missa Cubana na Igreja Matriz de Ponta Delgada e dos concertos que nos são pedidos pela Câmara Municipal ou outra entidade governamental. Temos um espectáculo temático anual no Teatro Micaelense - apresentamos o nosso projecto, dizemos quanto custa e depois a bilheteira é do Teatro. E temos o “Sharing” que fazemos já há seis anos a esta parte no Coliseu.

Há quem diga “foram buscar o Pedro Abrunhosa”, mas é isso mesmo que queremos: procuramos ter valores no espectáculo que sejam o apelativo para as pessoas irem e chegarem ao fim e verem que o projecto vale a pena.

A vida cultural mudou em São Miguel em quantidade. Pergunto se em qualidade também se nota essa diferença?

Em termos de quantidade melhorou. Não sou ninguém para avaliar de forma rigorosa a qualidade. Pelos momentos em que participo com a minha presença, acho que a qualidade é bastante grande, mas duvido um bocado da maneira como as coisas são projectadas e se apesar da quantidade os espectáculos chegam a atingir os seus objectivos. Eu lembro por exemplo que ainda há pouco tempo houve um concerto numa igreja em Ponta Delgada que teve doze pessoas a assistir.

Isso acontece porque as pessoas não têm um nível cultural suficientemente desenvolvido ou porque as produções e a promoção não funciona?

Julgo que é um pouco dos dois, embora eu acredite que os projectos quando são bem feitos conseguem adesão. É lógico que fazer um concerto de órgão e voz numa igreja sem se ter a preocupação de chamar pessoas a ir lá assistir, de apelar à curiosidade das pessoas... (...) Fez-se deslocar três a quatro pessoas, oito vozes e um organista e isso dá o mesmo número de pessoas que estiveram presentes a beneficiar desta realização. Se calhar não temos uma formação tão grande ou uma população tão grande que possa estar presente em todos os eventos.

O que falha?

Não sei se temos política cultural na Região.

Existe uma Direcção Regional da Cultura?

Mantenho a mesma posição que mantinha há cinco ou seis anos em relação à Direcção Regional da Cultura, com excepção ao breve período em que esteve Gabriela Canavilhas e que promoveu dois ou três contactos com a associação. Fora isso não temos tido contacto rigorosamente nenhum com a nossa associação. Os contactos são feitos na medida em que temos de nos candidatar a apoios, a apresentar projectos. De resto, não há mais nada.

A cultura precisa de ser repensada objectivamente. Fazer reuniões para andar a discutir o sexo dos anjos não vale a pena. Creio que temos de pensar como é que podemos chegar melhor às pessoas, quebrar barreiras, partir loiça, acabar com feudos e pensar na realidade sobre o que a Região tem, qual a sua população, como é que essa pode aderir mais e entrar mais no ambiente cultural. A Gabriela Canavilhas dizia-me que se a Vox Cordis cantasse Lacerda desse modo teria mais apoios. E eu disse-lhe que não. Eu disse-lhe que conseguia conquistar mais gente culturalmente com outros projectos igualmente sérios e honestos. A música tem de ser apresentada de uma forma que as pessoas adiram a ela, se vinculem a ela e depois vamos abrir mais os horizontes.

Está a dizer-me que tem dúvidas de que exista uma política cultural na Região...

Conhece alguma directriz cultural na Região?

Recuando ao seu tempo de infância e à amizade que tem com o presidente do Governo Regional, nunca teve oportunidade de discutir com ele estas questões que o preocupam?

Prezava muito se fosse mesmo amigo de Carlos César. Não o sou, porque não tenho relação nenhuma com ele. Ele tem sido um presidente que nos tem acolhido e sabido escutar algumas das nossas pretensões.

Porque não pediram apoio à câmara municipal para a sede?

Nós pedimos apoios, mas os apoios é que não vieram. Foi-nos dado um pequeno apoio da câmara municipal porque...

A sua ligação política ao PS poderá ter prejudicado esse apoio?

Não estou ligado politicamente a ninguém. Tenho uma maneira de pensar minha e quero preservá-la.

Há demasiada interferência política na cultura? Concretamente, nos apoios que são dados, a cor do voto define o montante e a própria existência desse subsídio?

Posso ter sentido que há lobbies que funcionam mais ou menos ou que alguém ligado à câmara municipal me tenha dito “porque vais fazer isso no Teatro Micaelense?” - e também o contrário - de alguém do Governo me ter dito “se isso ainda fosse no Teatro Micaelense, mas vais fazer no Coliseu”. Creio que há lobbies que funcionam. Nós temos tido principalmente o lobby da nossa actuação. Se calhar não tem sido o melhor, mas deixa-me com a consciência tranquila.

O mecenato tem funcionado?

Rigorosamente nada, pelo menos na Região. A Lei do Mecenato está coarctada - as grandes empresas foram absorvidas pelas câmaras municipais e pelo Governo. Tanto o Teatro Micaelense como o Coliseu Micaelense vivem de mecenas e patrocinadores. Houve um arrecadar político, de leão, por parte das autarquias e por parte do Governo. Ficaram com a maior fatia do bolo. Pode-se dizer que o Teatro e o Coliseu cumprem com a sua função cultural, mas estão a chamar a si as maiores fatias do bolo. Quem é que vai dizer não a ser patrocinador do Governo ou da Câmara Municipal de Ponta Delgada e depois sofrer as consequências? Porque essas consequências existem!...

Já as sentiu?

Já as senti!

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