Açoriano Oriental
Habita diz que “crise dos despejos” só se resolve com regulação e habitação pública

A associação Habita defendeu este sábado que a “crise dos despejos” em Lisboa não se resolve com uma linha SOS, que considera ter criado “uma ilusão” de proteção nos inquilinos, e reclama regulação do mercado de arrendamento.


Autor: Lusa/Ao online

“Esta linha promoveu uma ideia e uma ilusão de que as pessoas podem telefonar para lá e proteger-se em relação ao despejo, mas isso não está a acontecer. É preciso muito mais. Em vez de se arranjar uma linha SOS Despejos, a Câmara Municipal de Lisboa e o Governo, que até são o mesmo partido político, têm de perceber que é preciso regular o mercado de arrendamento”, disse à Lusa Rita Silva.

A dirigente da Habita, que integra o coletivo de Lisboa STOP Despejos, acusa os executivos camarário e governamental de não estarem a dar “o devido valor à crise dos despejos” e desvaloriza o papel que uma linha como a que a Câmara Municipal de Lisboa (CML) criou há seis meses possa ter.

Rita Silva fala de “contágio” especulativo aos concelhos vizinhos da capital, de “bullying” praticado pelos senhorios, e da persistência na desproteção dos idosos, sublinhando que a moratória em vigor só protege pessoas com mais de 65 anos que tenham contratos anteriores a 1990.

A linha SOS Despejos (800 910 075 ou pelo correio eletrónico [email protected]) começou a funcionar a 1 de junho com o objetivo de dar “informação base” que possa “prevenir situações” em que as pessoas “fiquem em situação de desproteção", de acordo com afirmações da vereadora da Habitação, Paula Marques, que vincou igualmente na altura que a linha "não pretende fazer atribuição de habitação".

Os dados do Balcão Nacional do Arredamento contabilizam 1.678 despejos em 2017, menos 13% do que em 2016 e o valor mais baixo desde 2013, data do início do funcionamento deste instrumento criado para agilizar o despejo de inquilinos com rendas em atraso, e que não reflete a situação de pessoas que são obrigadas a abandonar as casas pelo fim dos contratos.

Rita Silva disse que a associação apoiou pessoas que recorreram à linha por estarem a sofrer “bullying” ou a ser vítimas de despejos ilegais: “O que dizem muitas vezes do outro lado da linha é que a lei prevê a situação e, portanto, pouco há a ser feito”.

“Também não consegue apresentar alternativas às pessoas, apenas indicam concursos, por sorteio, e regulamentos de atribuição de habitação aos quais as pessoas depois concorrem, mas não conseguem obter resposta porque há milhares de pedidos para uma casa”, acrescenta a ativista, que nas eleições autárquicas ocupou o segundo lugar na lista do BE à CML, recusando assumir o mandato quando Ricardo Robles renunciou.

Contactada pela Lusa, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa respondeu, por escrito, que “intervém sempre que seja necessária uma resposta imediata em situações de emergência, nas quais os cidadãos se encontrem numa situação de fragilidade em termos de habitação”, numa intervenção em “lógica de cogovernação, indo ao encontro às reais necessidades dos agregados”.

A notificação de não-renovação de contrato ou de “aumento brutal de renda” é a situação mais comum pela qual a Habita é contactada, que surge acompanhada pela falta alternativas de arrendamento acessíveis, incluindo em concelhos vizinhos, devido a um efeito de contágio de inflação das rendas.

A Habita tem recebido muitos contactos de idosos e considera que também a moratória que protege pessoas com mais de 65 anos “é uma ilusão”: “O que há é uma proteção a pessoas com mais de mais de 65 anos com contratos anteriores a 1990. Estas pessoas são já muito poucas e vivem em prédios em que todo o prédio já foi esvaziado e ficam sozinhas num edifício que, entretanto, entra em obras profundas e a vida daquelas pessoas torna-se impossível”.

Os contratos cada vez mais curtos, “a maioria é por um ou dois anos”, diz Rita Silva, e avolumam-se as situações de “bullying” que chegam ao conhecimento da associação.

“Quando não têm reunidas todas as condições para interromper o contrato, ou porque ainda não chegou o fim do contrato ou porque uma pessoa tem uma determinada idade e um contrato muito antigo e ainda tem um período de proteção temporário, esses senhorios começam a desenvolver estratégias de pressão”, conta.

Das “mais subtis” às “mais evidentes”, passam frequentemente pela “violência psicológica”, assédio diário, cortes de energia, deterioração das condições da casa, às vezes provocando inundações ou fazendo buracos, danificação de espaços comuns do prédio, como portas e escadas, tornando o edifício inseguro.

Para a Habita, a “crise da habitação” da capital e no resto do país só se resolve com regulação do mercado de arrendamento, responsabilizando o PS pelos sucessivos atrasos que o dossiê tem tido no parlamento e que levaram à demissão da deputada eleita pelo PS Helena Roseta, que é simultaneamente presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, da coordenação daquele grupo de trabalho.

Por outro lado, Rita Silva argumenta que “é preciso mais habitação pública e habitação pública de qualidade”.

“Portugal tem apenas 3% de habitação pública, enquanto, por exemplo, a Holanda tem 35%, a França e a Áustria têm também um número elevadíssimo. Não podemos entregar a habitação toda ao mercado porque o mercado é muito especulativo”, sustenta.


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