Açoriano Oriental
Geografia insular dificulta sinodalidade numa igreja que ainda é “centralista” e pouco “aberta aos que estão fora”

Contributo da Igreja açoriana para o sínodo dos bispos em Roma já seguiu para a Conferência Episcopal Portuguesa e vê fragilidades como oportunidades para crescer.

Geografia insular dificulta sinodalidade numa igreja que ainda é “centralista” e pouco “aberta aos que estão fora”

Autor: Igreja Açores

Maior disponibilidade para a escuta, autoridade partilhada a partir das estruturas pastorais e económicas já existentes, elaboração de planos pastorais a partir do “grito e das necessidades” concretas das pessoas e aproveitar a dinâmica das Jornadas Mundiais da Juventude para a evangelização, são quatro das 20 propostas concretas que integram o contributo da diocese de Angra no âmbito da fase diocesana do Sínodo de Roma em 2023.

O documento enviado ao Sítio Igreja Açores tem 10 páginas e é assinado pela Comissão Diocesana Coordenadora da Caminhada Sinodal que ficou, igualmente, responsável pela elaboração do documento a entregar à Conferência Episcopal Portuguesa.

O documento que começa por situar o momento desta Igreja local, em sede vacante desde setembro de 2021, e consequentemente sem Conselho Presbiteral e sem Conselho Pastoral, bem como alguma “incerteza” quanto “a qualquer programação diocesana a médio e longo prazo”, está organizado formalmente em três pontos: o contexto, o diagnóstico e a visão da Igreja atual e propostas de mudança.

É no diagnóstico que o documento aponta para as fragilidades que devem ser tidas em conta neste processo sinodal, que significa “caminharmos juntos” . O documento, de resto, lembra que este tem sido o lema diocesano de há três anos a esta parte, que envolveu a mobilização do clero e dos leigos num processo de auscultação de crentes e não crentes, envolvendo organismos da igreja mas também da sociedade civil, como a universidade dos Açores e que acabou por se cruzar com esta iniciativa proposta por Roma.

“Por um lado, nota-se um desejo de mudança e por outro, um certo descontentamento com a situação geral da Igreja e da sociedade” pode ler-se no documento que salienta que “depois de uma análise às linhas mestras da cultura contemporânea nos Açores, à situação económica e social e à situação religiosa e eclesial atual, com o apoio da Universidade e do Seminário foi realizada a assembleia diocesana, com base na primeira auscultação, tendo-se chegado à conclusão de que faz falta uma Igreja evangelizadora, missionária, integradora, em diálogo com o mundo e ministerial.”

Ainda a propósito da metodologia seguida, o documento frisa que “a  auscultação para o Sínodo Universal de 2023 foi feita a partir dos conselhos pastorais paroquiais”, com base “em perguntas de difícil entendimento para os destinatários”, em reuniões realizadas no início de cada ano pastoral com padres das Ouvidorias, Conselhos Pastorais e outros leigos, sendo definido um caminho com as seguintes etapas: trabalho nas Paróquias, nas Zonas Pastorais e nas Ouvidorias.

As conclusões deste trabalho de diagnóstico, sintetizadas em 10 pontos, apontam para várias fragilidades que devem ser vistas também como “oportunidades” para a Igreja insular que tem “problemas” de organização e funcionamento que são transversais à Igreja em geral e que na sua maioria resultam da percepção que a sociedade tem da Igreja e da atuação da própria Igreja.

“A imagem da Igreja, na sociedade de hoje, é a de uma instituição envelhecida, tradicionalista, muito focada nos ritos e pouco focada na mensagem. Uma instituição que vai na onda da população, mais interessada em celebrar a festa popular ou o santo padroeiro”, isto é, “Uma Igreja de missas e comunhões, mas de pouca vivência e testemunho do evangelho” refere o documento que aborda a questão do diálogo entre quem está dentro e quem está fora da Igreja, “uns porque se afastaram e aqueles que a Igreja decide marginalizar”.

“A sociedade à margem é enorme e cada vez mais à margem, porque a Igreja não consegue transmitir a Palavra de forma eficaz, e os seus Cristãos encontram-se demasiado acomodados e não se desinstalam dos seus templos para ir ao encontro do outro, nas suas casas, nos seus empregos, nos seus tempos livres. Deixamos à margem os que se afastam, quem chega de novo e quem não conhecemos, as razões são várias, sendo as principais o nosso comodismo e a falta de articulação entre os vários movimentos” pode ler-se no documento que conclui a existência de “muita falta de iniciativa, informação, formação, testemunho e vivência da fé”.

“Era necessário ouvir todos aqueles que por uma razão ou outra se afastaram da Igreja, ou da prática de vida eclesial, mas que continuam a ter fé. Ouvir os divorciados os recasados, os que se dizem agnósticos ou ateus; ouvir os jovens que, tocados pelos meios de comunicação social, têm uma visão deturpada da Igreja. Ela precisa: sair para ouvir, estar em contacto com as pessoas, e não continuar a ser alimentada por pessoas que vivem e se alimentam de protagonismo” avança ainda o documento alertando para a excessiva presença de uma “pastoral de manutenção” ao invés de uma pastoral evangelizadora em saída missionária, como alerta o Papa Francisco.

“Os grupos excluídos deverão ser a prioridade de ação da sinodalidade, sem descurar o trabalho com aqueles que já caminham juntos” refere o documento da diocese de Angra.

“Os companheiros de viagem são a comunidade em geral, batizados e não batizados. Há um grande caminho a percorrer nas nossas comunidades no sentido de tornar a caminhada um objetivo comum de Partilha e Salvação para todos, na direta proporção do que acontece nas sociedades modernas no geral”.

No documento salienta-se a importância do acolhimento, da escuta e do diálogo, bem como a necessidade de uma corresponsabilidade eclesial que passa pela partilha de autoridade entre sacerdotes e leigos nas várias estruturas existentes, desde conselhos pastorais e conselhos económicos até estruturas mais viradas para a acção social da Igreja, como Centros Sociais e Paroquiais.

“A Igreja não pode estar contente com a meia dúzia de pessoas que pratica, precisa de sair urgentemente ao encontro das pessoas, porque são cada vez menos os que se reveem na Igreja” avança ainda o documento que salienta a necessidade “ da redução da quantidade de objetivos a atingir pelas paróquias, começando-se pelos mais prioritários e, à medida que fossem alcançados, ir-se-ia colocando novos objetivos numa dinâmica de continuidade e crescimento”, sobretudo a nível paroquial onde “o sentido de comunhão e participação é mais evidente”.

“A melhor maneira de promover o diálogo entre organismos, sem ambiguidades e oportunismos é fazer um caminho sinodal a nível de paróquia onde todos se sentem, se deem a conhecer e tracem objetivos, caminhando para um mesmo fim”, avança ainda.

O documento coloca em evidência as dificuldades criadas pela pandemia, que “não pode ser desculpa para todos os males”; reconhece a falta de empenho dos casais jovens na vida da Igreja e o desajustamento de algumas celebrações em relação aos tempos atuais.

“Há falta de militância, compromisso e envolvimento” refere o documento que aponta a responsabilidade social e a urgência ecológica como dois pontos apelativos para um maior envolvimento, ainda que por vezes feito a partir de “tensões e de divergências”.

“O conflito é saudável quando partilhado; a sua resolução é sinal de crescimento. Quando os envolvidos entram em diálogo aberto e estão prontos a perder as suas ideias para encontrar uma solução de consenso, estão a contribuir sempre para um bem maior. Nas Ouvidorias e na Diocese nota-se ainda demasiado centralismo”.

“Na Diocese não se sente haver diálogo ou escuta, apenas informação divulgada” refere.

“As pessoas são acolhidas e escutadas pelos párocos, algumas vezes mal acolhidas, e por membros dos diversos grupos e movimentos. O acolhimento e a escuta, em algumas situações, deixa muito a desejar, havendo experiências bastante negativas e marcantes com alguns leigos. Não existe uma cultura de receber e acolher o outro, mas sim de atender”, salienta ainda o documento.

A síntese diocesana apela, por outro lado a um esforço para o diálogo inter-religioso, educando para o ecumenismo, reconhecendo que a formação de todos é importante mas deve ir além dos eventos e das “conferências onde só alguns participam”.

O documento refere que uma das grandes dificuldades à prática da sinodalidade na Igreja açoriana é a dispersão geográfica.

“A maior dificuldade à prática da sinodalidade na nossa Igreja dos Açores será o facto de serem nove ilhas dispersas e cada uma com as suas próprias características” refere o documento alertando para o envelhecimento dos leigos e para uma estrutura piramidal, “extremamente hierarquizada, onde, na maior parte dos casos, os leigos só fazem parte do consultivo”.

“Há muito clericalismo e pouca comunhão” enfatiza o documento.

Este documento foi enviado para a Conferência Episcopal Portuguesa que agora vai redigir uma síntese dos contributos das 21 dioceses e enviar para Roma até dia 15 de agosto. O Sínodo dos Bispos realiza-se em outubro do próximo ano.

A síntese é o resultado dos contributos das  assembleias sinodais realizadas nas Ouvidorias, com representantes das paróquias e seus párocos, das Religiosas, do Instituto Católico de Cultura, de um Inquérito de Auscultação Online; dos docentes de E.M.R.C. e elementos da Equipa de Jovens e da Pastoral Universitária, do Serviço da Pastoral Familiar Diocesana e do Movimento Encontro Matrimonial e ainda de vinte e cinco personalidades que foram convidadas a responder ou a fazer comentários aos dez núcleos temáticos: os companheiros de viagem, ouvir, tomar a palavra, celebrar, corresponsáveis na missão, dialogar na Igreja e na sociedade, com as outras confissões cristãs, autoridade e participação, decidir e discernir e dormar-se na sinodalidade.

20 propostas para a mudança:

  1. Continuar, a partir das bases, a esclarecer e a desenvolver o processo sinodal.
  2. Acompanhar o pós-sínodo 2023 sabendo das orientações gerais e das conclusões.
  3. Haver um esquema de inspiração sinodal na Diocese que a ative em todas as direções com experiências e práticas atuais.
  4. Ligar a caminhada futura com o Ano Santo 2025, no tema: “Peregrinos da Esperança”.
  5. Na linha da celebração futura dos 500 anos da Diocese ver qual o texto e contexto da realização de um Sínodo Diocesano frutuoso e atual.
  6. Maior participação e celeridade na nomeação de um Bispo, sobretudo numa diocese que durante largos meses se vê carente dele.
  7. Esclarecimento sobre questões morais, como por exemplo, a atualidade da «Humanae Vitae» e algumas ambiguidades que a «Amoris Laeticia» deixa em aberto, relativamente à comunhão sacramental de pessoas em «situações irregulares».
  8. Esclarecimento sobre questões sacramentais, como por exemplo, a absolvição coletiva como forma alternativa e livre na prática no sacramento da reconciliação.
  9. Possibilidade da dispensa de padrinhos nos sacramentos de batismo e confirmação ou revisão das condições para o ser.
  10. Sobre a inclusão na fé e prática da Igreja ver a situação de casais de mesmo sexo que vivem em união de facto e pessoas que mudam de sexo, bem como outras formas de exclusão por razoes éticas.
  11. Valorizar o ministério da caridade, tal como já se faz com os ministérios instituídos da Palavra e da Liturgia.
  12. Cuidar da vida espiritual e da conversão ao evangelho como atitude essencial, antes de questões funcionais ou de organização, levando a não exigir a mudança ao outro sem perguntar, «que devo eu mudar?».
  13. Maior disponibilidade dos párocos para a escuta, acolhimento e acompanhamento.
  14. Rever a eficácia de uma catequese para sacramentos sem que se faça e aconteça uma iniciação cristã efetiva?
  15. Atenção à vida fraterna, amizade e proximidade dentro dos grupos e comunidades.
  16. Autoridade partilhada, sobretudo a partir dos conselhos pastorais e económicos, bem como dos centros sociais paroquiais, não ficando o peso administrativo sobre o pároco.
  17. Valorizar a escuta dos fiéis que muitas vezes não é considerada, nem valorizada, ficando os participantes cansados de fazer diagnósticos e não verem a aplicação das propostas.
  18. O lugar do Seminário na Diocese: vocações, formação espiritual e académica – sua relação com a Universidade Católica Portuguesa.
  19. Elaboração de planos pastorais a partir dos «gritos» e das necessidades das pessoas, com menos objetivos a atingir, focando-se em algum ou alguns mais prioritários.
  20. Acompanhar e aproveitar a dinâmica das Jornadas Mundiais da Juventude para a evangelização com os jovens

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