Autor: Cristina Pires / Rui Jorge Cabral
Está a concluir o seu primeiro mandato completo como presidente da
Câmara de Ponta Delgada. Que razões levaram-no a avançar com a
recandidatura?
Fizemos um mandato numa época de muitas dificuldades
económicas e financeiras, com um desemprego acentuado e uma situação de
carência social. Por isso, é minha obrigação - em vez do meu comodismo -
ser recandidato para continuar com espírito de missão a prestar um
serviço público que dê continuidade ao percurso realizado.
Em algum momento pensou em não se recandidatar?
Sim...
Tive um período de reflexão, no qual pensei na minha situação familiar e
em retomar a minha vida profissional. Porque quando estamos em serviço
público, dedicamos muito tempo à causa pública e pouco tempo à família,
um tempo que ficou muito diminuído face à intensidade de trabalho que
coloco no exercício da função de presidente da Câmara de Ponta
Delgada... Mas depois entendi que as pessoas não levariam a bem que eu
abandonasse a minha missão e as minhas responsabilidades, além de que
eu próprio acabaria por não me sentir confortável se não me
responsabilizasse pela continuidade de um serviço muito difícil nesta
situação que enfrentámos de carências económicas, financeiras e sociais e
se não desse no exercício das minhas funções uma perspetiva de
humildade e de prestação de serviço. Um serviço prestado através do
rigor na gestão económica e financeira da autarquia e da solidariedade
intergeracional, eliminando progressivamente o endividamento e não
comprometendo as futuras gerações com o sobre-endividamento. Daí o nosso
exercício com uma gestão muito rigorosa, nada ‘eleiçoeira’, nada
demagógica, pelo contrário, penalizadora até, muitas vezes...
Como é que foi concretizada esta redução da dívida?
Nos
últimos quatro anos, conseguimos abater a dívida bancária da câmara
municipal em mais de 35 por cento, ou seja, uma redução de 30 para menos
de 20 milhões de euros. Essa redução foi conseguida, para além do
cumprimento normal do serviço da dívida, através de amortizações
extraordinárias, isto apesar de termos reforçado o investimento
camarário na área social, nomeadamente na IPSS, mas também cultural e
desportiva. No casos das transferências para as Juntas de Freguesia,
conseguimos mesmo até triplicar os valores... Pelo contrário, eliminámos
despesas que considerávamos inúteis, nomeadamente em festas, embora
promovendo eventos-âncora, como a PDL White Ocean, as Noites de Verão,
as Grandes Festas do Divino Espírito Santo ou a Passagem de Ano, que dão
notoriedade a Ponta Delgada enquanto destino turístico. Mas eliminámos
também despesas de representação e as ‘megalómanas’ obras, que não se
justificavam porque não tinham retorno, cativando as verbas necessárias
para obras como a requalificação, remodelação e ampliação de escolas,
bem como algumas acessibilidades, para que fossem estas a ter
cofinanciamento na parte final do anterior Quadro Comunitário de Apoio,
otimizando os cerca de 24 milhões que o município de Ponta Delgada teve
ao seu dispor.
Gostaria, por fim, de salientar que a câmara
municipal conseguiu com estas medidas evitar o risco de entrar em
saneamento financeiro. Fomos até contribuintes líquidos para Fundo de
Apoio Municipal às autarquias falidas do país. Até aí nos retiraram
dinheiro, mas mesmo assim conseguimos reforçar os meios financeiros para
as nossas prioridades.
E pretende continuar com essas prioridades, caso volte a ser eleito?
Sem
dúvida, até porque há compromissos plurianuais - que um candidato à
câmara responsável e conhecedor deveria saber - que nos levam à
necessidade de uma continuidade destas premissas. Estou a falar, por
exemplo, do compromisso com as Juntas de Freguesias para manter a
triplicação de valores que fizemos em 2014, promovendo a coesão
territorial, a descentralização e a proximidade dos políticos com os
seus eleitores. Isto sem olhar as cores partidárias... E estou a falar
também do Orçamento Participativo com caráter deliberativo, uma medida
onde a Câmara de Ponta Delgada foi pioneira e que tem permitido a
participação dos cidadãos com obras concretas, que já se realizaram ou
estão em vias de concretização.
Qual é o ponto da situação das empresas municipais?
O
ponto da situação das empresas municipais é, sob o ponto de vista
financeiro, muito difícil... E desde a primeira hora reconheci que o
‘nó górdio’ da gestão autárquica não estava tanto na dívida bancária do
próprio município - embora esta também fosse elevada - mas sim na dívida
do setor empresarial local. Contudo, nós não nos ficamos apenas no
lamento e encontrámos soluções, nomeadamente a opção por negociar com a
banca credora a extinção e a internalização da Cidade em Ação, o que nos
permitiu reduzir os juros, economizando nos encargos com a dívida. Mas
também para dar solvabilidade e sustentabilidade à empresa Coliseu
Micaelense, procedemos à sua extinção parcial, com internalização na
câmara das atividades da antiga empresa Anima Cultura, que se tinha
fundido com o Coliseu e que voltámos a separar. Mas o ‘nó górdio’ maior
está na Azores Parque... A nossa pretensão é a sua extinção e
internalização na câmara. Contudo, esta empresa tem capital social
privado, o que torna o processo mais complexo até pela própria
indefinição da lei que regula as empresas municipais. Estamos em
conversações, quer com a Universidade e com a sua tutela ministerial,
quer com a Taguspark, para encontrar uma solução que juridicamente seja
compatível com este objetivo da extinção e internalização. Porque este
objetivo é o que garante a credibilidade e a honorabilidade aos
compromissos municipais para com a Azores Parque.
Há muito que se
discute a criação de um terminal rodoviário em Ponta Delgada, qualquer
que seja o seu modelo ou localização. Porque é que este projeto foi
sempre sendo adiado ao longo dos últimos anos? Não o considera uma
prioridade?
Neste tema, é preciso falarmos de causas e consequências.
Falar agora repentinamente e de uma forma demagógica - na minha
opinião - de uma opção por dois terminais rodoviários é ir na ‘espuma
dos dias’... Para já, é preciso tratar das causas, que ainda não foram
devidamente tratadas, ou seja, assegurar uma mobilidade urbana
sustentável no centro histórico, que seja uma alternativa aos autocarros
e à própria viatura particular. Temos também de resolver o problema de
termos bilhetes que possam permitir um interface entre o transporte
urbano, que é da responsabilidade do município através dos minibus e o
transporte interurbano, que é da responsabilidade do Governo Regional.
Estivemos sempre na expectativa - porque foi uma promessa do Governo -
de termos a aplicação do Plano Integrado de Transportes nesta solução de
interface entre o transporte urbano e interurbano. Porque só quando,
por exemplo, um passageiro que vier das Capelas e queira ir primeiro ao
Hospital e depois ao centro histórico da cidade, o puder fazer com o
mesmo bilhete ou com o mesmo passe, poderemos pensar em centrais de
transporte rodoviário que permitam fazer estas ligações, com
racionalidade.
E ao nível dos atuais minibus, acha que a rede deveria ser alargada?
Não
só acho como o já o fiz, ao aplicar um conceito de ‘Metro de
Superfície’ na rede de minibus, com várias linhas em que, apenas com um
bilhete e um passe, as pessoas podem circular nas diferentes linhas,
sempre com uma só validação e várias vezes ao dia. Essa medida não só
embarateceu o custo do transporte para as pessoas, como é sedutora para o
aproveitamento das diferentes linhas por parte dos passageiros.
Ponta Delgada é a porta de entrada dos turistas no arquipélago. Como é que pretende, enquanto autarca, lidar com esta situação?
Ponta
Delgada é o motor do desenvolvimento dos Açores e é preciso ter
estratégia, o que fizemos através do Plano Estratégico de
Desenvolvimento de Ponta Delgada 2014-2020, com projetos até 2027, bem
como através do Plano Estratégico de Desenvolvimento Turístico de Ponta
Delgada, que também tem uma projeção de médio prazo, planos estes que
não envolvem apenas o investimento municipal, mas também do Governo
Regional. Ao nível da regeneração urbana, planificámos áreas para essa
regeneração feita de forma sustentável, permitindo a desoneração fiscal
de quem quer investir em Ponta Delgada nestas áreas e estimulando os
empresários, não a optar por fazer construções novas na periferia, mas
antes a reabilitar as construções existentes. No centro histórico, esta
reabilitação tem acontecido, fruto também desses benefícios fiscais que a
câmara municipal introduziu. A outro nível, registo que a
sobreatividade turística na cidade de Ponta Delgada implicou um aumento
da produção de resíduos, sobretudo orgânicos e na área da restauração.
Vamos ter, por isso, de adaptar os nossos recursos e meios, bem como os
tempos de recolha para junto de quem produz os resíduos podermos ter uma
estratégia para manter a cidade limpa, acautelando esta sobreprodução
de resíduos. Ao nível do licenciamento, tivemos aqui um ‘boom’ de
Alojamentos Locais para efeitos turísticos que a câmara municipal
antecipou e outras entidades nem por isso, porque era preciso que a
Região tivesse acompanhado também, com coragem política, este desafio,
desburocratizando as vistorias prévias ao registo do Alojamento Local.
Até porque o continente e a Madeira criaram um novo regime jurídico para
o licenciamento do Alojamento Local, enquanto que aqui ainda estamos
muito retrógrados.
Está confiante na sua reeleição?
O povo é que
determina. Primeiro, tive reticências em relação à minha recandidatura,
mas depois assumi a responsabilidade de dar continuidade a este projeto e
fazer bem o que fiz bem, aperfeiçoar o que merece aperfeiçoamento e
corrigir o que fiz mal. De resto, a minha humildade e o meu respeito
pela democracia recomendam-me dizer que a vontade é do povo.