A última semana foi trágica para as comunidades dos estados norte-americanos de Rhode Island e Massachusetts, com o ataque à universidade de Brown, que vitimou dois alunos e feriu nove pessoas, e o assassinato de Nuno Loureiro, físico português que liderava o Centro de Ciência de Plasma e Fusão do reputado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla inglesa). Os homicídios, já de si dramáticos, ganharam novos contornos com a revelação, na sexta-feira, que o português Cláudio Neves Valente, antigo estudante da Brown e ex-colega de Loureiro no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, seria o principal suspeito dos crimes. O suspeito acabou por se suicidar, numa armazém, em New Hampshire
As notícias lançaram ondas de choque pelas comunidades portuguesas, com grande presença nos dois estados, com o impacto mediático a ter repercussões junto da Administração de Donald Trump.
Duas associações de luso-americanos saíram em defesa da comunidade, expressando o seu choque pelos horríveis acontecimentos, mas procurando separar os atos de Cláudio Neves Valente do resto da comunidade portuguesa.
“Lamentamos profundamente a trágica perda dos estudantes da Universidade Brown, Mukhammad Aziz Umurzokov e Ella Cook, em Rhode Island, bem como o assassinato sem sentido do Dr. Nuno Loureiro - um talentoso cientista português, professor profundamente estimado no MIT e uma fonte de enorme orgulho para a nossa comunidade”, escreve a PALCUS - Portuguese American Leadership Council of the United States, uma associação sem fins lucrativos e apartidária.
A associação, presidida por Kathleen Soares, sublinha o impacto que estes atos tiveram em regiões “onde as comunidades luso-americanas estão profundamente enraizadas e são, há muito, reconhecidas como parte integrante do tecido cultural que fortalece e enriquece o “caldeirão” cultural dos Estados Unidos. Estas comunidades assentam em valores partilhados de trabalho árduo, respeito mútuo e cuidado uns pelos outros, o que torna estas perdas ainda mais dolorosas”.
A PALCUS assinala que a angústia é
ainda maior por os homicídios terem sido praticados por um cidadão
português e residente permanente legal dos Estados Unidos. “Enquanto
comunidade nacional, não nos identificamos nem compactuamos com estas
ações injustificáveis. A violência, sob qualquer forma, não tem lugar em
nenhuma comunidade”.
Por isso, defende, os atos praticados na última
semana por Cláudio Neves Valente “não refletem de forma alguma os
princípios, valores ou o caráter moral da comunidade luso-americana.
Permanecemos unidos na rejeição da violência e reafirmamos o nosso
compromisso com a paz, a compaixão e a união neste momento de dor”.
Também a organização sem fins lucrativos Massachusetts Alliance of Portuguese Speakers, partilha da visão da PALCUS. Manifestando a tristeza pela morte das vítimas, agravada por os crimes terem sido praticados por um imigrante português que vivia nos Estados Unidos há mais de 20 anos.
“Embora haja algum alívio em saber que o autor foi encontrado morto, a constatação de que tal violência foi cometida por alguém ligado à nossa comunidade em geral encheu-nos de dor, descrença e angústia”, assinalam.
Para a aliança, os atos não refletem os valores da comunidade portuguesa nos Estados Unidos da América. “A violência não tem lugar entre nós e não reflete os valores da comunidade de imigrantes portugueses em Massachusetts ou em todo o país. A nossa comunidade é definida pela compaixão, integridade, trabalho árduo e cuidado mútuo, e rejeitamos qualquer tentativa de nos associar a tal crueldade. Enquanto lamentamos estas tristes perdas, reconhecemos também o profundo impacto emocional que tragédias como estas têm em todos nós. A recuperação levará tempo, mas juntos, enquanto comunidade, iremos continuar a apoiar-nos, honraremos as vidas que foram perdidas e reafirmaremos o nosso compromisso com a paz, a unidade e a promessa partilhada do sonho americano”.
Para Francisco Resendes, diretor do jornal Portuguese Times, os terríveis acontecimentos da última semana não terão impacto na forma como a sociedade açoriana vê a comunidade portugueses. “É uma comunidade integrada, participativa no processo político e que tem sido elogiada a nível municipal e estadual e até a nível nacional. Houve uma mudança de paradigma: é uma comunidade que já não é a comunidade imigrante, até porque o fluxo migratório parou. É uma comunidade participativa: há muitos portugueses lusodescendentes de sucesso, quer na política, quer na ciência, no ensino, enfim, em várias áreas no país”.
Este prestígio, conquistado por décadas e décadas de trabalho duro, permitirá que a comunidade não sofra como sofreu em outros tempos, reconhece o jornalista.
“Não vai causar uma imagem negativa, como causou, por exemplo, o caso Big Dan, em 1980. Aí sentimos na pele a discriminação, com as pessoas a colar aos portugueses a imagens de machistas”.
O caso, extremamente mediático na altura, diz respeito à
violação da jovem Cheryl Araújo, em 1983, às mãos de quatro portugueses,
no bar Big Dan, na cidade de New Bedford.
Para Francisco Resendes,
as repercussões dos homicídios perpetrados por Cláudio Neves Valente
serão ao nível do programa Diversity Visa Loterry, a lotaria dos cartões
verdes que permite atribuição anual de vistos de residência permanente a
cidadãos de países com baixos níveis de imigração para os Estados
Unidos.
Foi através de um “green card” que Cláudio NevesValente recebeu o visto de residência permanente, em 2017, e, à luz dos acontecimentos da última semana, o presidente dos Estados Unidos da América, Donald J. Trump, anunciou a suspensão da lotaria. “Já era uma intenção do presidente, antes deste caso”, assinala o diretor do Portuguese Times, que perspetiva dificuldades nos vistos para estudantes.
“Haverá um reforço de medidas de segurança também, ao
nível da prevenção, talvez avaliar o background dos estudantes, e
portanto acho que é nessa medida que irá afetar”.
